A Paralimpíada de Paris tem início nesta quarta-feira, e uma das esperanças de medalha para o Brasil é Verônica Hipólito, nascida em São Bernardo, e que participará das provas de 100 e 200 metros no atletismo. Durante a carreira, a atleta teve que superar mais de 200 tumores, e na Rio-2016 subiu no pódio duas vezes, conquistando as medalhas de prata e bronze – Verônica ficou de fora dos Jogos de Tóquio em 2021 por questões médicas. Hoje, ela é uma voz ativa em discussões sobre o investimento público no esporte para pessoas com deficiência e fundadora do Time Naurú, de Santo André.
RAIO X
Nome: Verônica Silva Hipólito
Idade: 28 anos
Local de nascimento: São Bernardo, e mora em Santo André
Estado Civil: Solteira
Formação: Graduanda em Ciências Econômicas
Hobbies: Cozinhar, bordar e fotografar com drone
Local predileto: Casa
Livro que recomenda: Pedagogia do Paradesporto, de Ciro Winckler
Personalidades que marcaram sua vida: Anitta (como empresária) e banda americana Blink-182 (na música)
Profissão: Atleta (velocista)
Onde trabalha: Time Naurú, de Santo André
Como foi o início da sua relação com o esporte?
Não lembro exatamente como começou, mas tenho alguma relação com os esportes desde minhas primeiras lembranças durante a infância, em diversas modalidades. Já pratiquei um pouco de tudo, desde natação, futsal, futebol, vôlei, até tênis de mesa e de campo. Eu era extremamente tímida, mas meus pais sempre me apoiaram no esporte, porque, além de aprender os valores, também era uma forma de me desenvolver um pouco mais socialmente, e acabei me apaixonando. Frequentei muito o (complexo esportivo) Dell’Antônia, o Estádio Bruno José Daniel, antes de ser um local apenas para futebol, e principalmente o (Clube Atlético) Aramaçan. Mas mesmo com incentivo, quando criança eu sempre era a pior nos esportes.
Quando você percebeu que o esporte queria praticar profissionalmente era o atletismo?
Antes do atletismo, eu me encontrei de verdade no judô, ainda na minha adolescência. Eu ganhava todas as competições e tinha acabado de conseguir vaga para o torneio nacional, mas, na mesma época, aos 12 anos, descobri através de exames de rotina, que tinha um tumor no cérebro e precisaria operar. Após a cirurgia, eu não podia mais praticar judô, o que me desanimou e me deixou bem triste. Nessa situação, meus pais ficaram sabendo de um festival de atletismo que aconteceria no Aramaçan, em um domingo, às 7h, e me incentivaram a participar. Eu não queria ir, já que não gostava de atletismo e não queria acordar cedo em um fim de semana, mas fui convencida a tentar. No festival, perdi de lavada, mas fiquei encantada, e decidi que queria aquilo para a minha vida. Depois, aconteceram muitas coisas, sofri um AVC, tive a retirada de mais de 200 tumores no intestino grosso, mais duas cirurgias na cabeça, radioterapia e radiocirurgia, mas sempre voltei a correr, e hoje digo que o atletismo é o meu maior amor.
No meio de suas conquistas no esporte, houve duas medalhas na Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. Como explicar o sentimento de subir ao pódio em uma competição tão importante em seu País?
Sempre digo que quando alguém decide se tornar um atleta de alto rendimento, não existem mais férias, feriados, aniversários e fins de semana. Treinamos de segunda à segunda, e precisamos ser atletas durante as 24 horas do dia. Fico muito mais tempo no Centro de Treinamento, e cuidando da saúde na fisioterapia e na nutrição, do que com a minha família. Então, conseguir subir em um pódio de uma Paralimpíada ou Olimpíada, que é a competição máxima que um atleta pode chegar, não tem explicação. No momento, não choramos pela medalha, mas sim por toda a jornada até chegar lá, por um sonho dos familiares, dos treinadores e de toda a equipe, que também abrem mão de muitas coisas para chegarem neste lugar.
Você precisou abdicar das competições em Tóquio-2020 por questões médicas. Como foram as dificuldades deste ciclo?
Em 2017, passei por outra cirurgia na cabeça de retirada de tumor, onde houve erro na operação, e precisei refazer o procedimento em 2018 para realizar a correção, e a recuperação foi muito difícil, tive que reaprender a andar. Na mesma época tive outros problemas de saúde e comecei a tomar corticoides, pois meu corpo parou de produzir alguns hormônios, então aumentei muito meu peso. Ouvi piadas gordofóbicas e pessoas dizendo que eu deveria parar de correr, pois não ia chegar a lugar algum. Em 2019 fraturei minhas duas pernas, não conseguia andar sem sentir dor. No ano dos Jogos, em 2021, o tumor voltou na minha cabeça, e precisei passar novamente por radioterapia e radiocirurgia. Foi um ciclo em que chorei muito, mas hoje entendo que tudo que aconteceu me fez uma mulher mais forte e preparada, e que vai com todas as forças possíveis para voltar a conquistar mais medalhas em Paris.
Como foi voltar às competições neste ciclo de Paris? E você chega confiante para mais medalhas nesta edição dos Jogos?
É o ciclo mais desafiador da minha vida, mas estamos em preparação final. Chegando perto da competição, os treinos diminuem de intensidade para evitar lesões, mas a alimentação e o restante da preparação continuam iguais. Ainda sinto algumas dores, e sei que isso vai continuar durante toda a minha vida, mas não penso em parar de correr, e vou com todas as forças para os Jogos. Tenho certeza que será muito difícil, somente as melhores atletas participam da competição. Sei que sou uma das favoritas para conquistar pódios, mas tenho três adversárias, recordistas mundiais, que são pedras no meu sapato. Serão dias bem exaustivos na França, mas é para isso que me dediquei a minha vida toda, e espero conseguir trazer mais duas ou três medalhas para o Grande ABC.
Hoje, você é uma voz muito ativa sobre o investimento público no esporte. Na visão de uma atleta e fundadora de uma equipe no Grande ABC, como enxerga este cenário na região?
O Grande ABC não aproveita toda a capacidade esportiva que nós temos, e isso me entristece muito. A região tem muita riqueza humana, cultural e esportiva que é desperdiçada. Também existem muitas barreiras a serem quebradas na região, e uma delas é que os órgãos públicos não aprendem que parcerias podem ser feitas com instituições privadas. Claro, as prefeituras e a rede pública precisam sempre estar à frente disso, mas existem muitas instituições dispostas a ajudar, em todas as manifestações esportivas, seja de alto rendimento, educacional ou lazer, mas as cidades não conseguem ver que este pode ser um bom caminho para iniciar as parcerias. Outra dificuldade, ainda mais olhando como fundadora de uma instituição da região, é a falta de investimento no esporte paralímpico. Não adianta a cada quatro anos, as prefeituras fazerem publicações nas redes sociais com o número de atletas de cada município na Paralimpíada, se não houve investimento na área. Espero que todos os atletas da região tenham o devido reconhecimento e apoio para o próximo ciclo quando retornarem de Paris, não só os competidores paralímpicos, mas os que participaram da Olimpíada também, porque não tem como os políticos da região falarem sobre nossas conquistas olímpicas, e esquecerem que, nos anos entre os eventos, se não houver políticas públicas para o esporte, também não teremos políticas públicas para a saúde e educação.
Como veio a ideia de criar o Time Naurú, e quais são os objetivos da instituição?
Sempre brinco dizendo que o Naurú é meu primeiro filho. A equipe nasceu por vários motivos. Eu tive muitos problemas de saúde durante minha vida, mas sempre consegui voltar e continuar dando muito certo no esporte, e eu pensava por que outras pessoas não conseguiam fazer isso, nas dificuldades de quem não tem uma família que oferece apoio no esporte, pessoas que não têm condições para serem sócias dos clubes da região ou não conseguem vagas para praticar esporte com qualidade. Então a Naurú veio para oferecer esporte para todas as pessoas e corpos, principalmente indivíduos com deficiência. Hoje, são mais de 500 alunos deficientes atendidos nos polos pelo Brasil, um deles em Santo André, para crianças a partir de seis anos, e sem limite de idade. Quero muito aumentar os polos no Grande ABC, já que é onde eu cresci, então temos a missão de chegar com a Naurú também em São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá, e vamos continuar mudando vidas com esporte gratuito e de qualidade.
O que podemos esperar dos atletas do Naurú já na Paralimpíada de Paris, e quais são as intenções do time para o futuro?
Já temos muitos participantes para a Paralimpíada de Paris. Cerca de 43% da delegação de natação será composta por atletas do Naurú, e no atletismo passa dos 10%, com 13 competidores, e quase todos têm chances reais de voltarem para o Brasil com medalhas. Também temos o Gabriel dos Santos, que participou do revezamento 4x100 metros no atletismo na Olimpíada, e será o guia da Jerusa Geber. Ele é o primeiro brasileiro a participar dos Jogos como atleta, e como guia. Acreditamos que fazendo nosso trabalho, em Los Angeles-2028, e principalmente em Brisbane-2032, o Naurú será a grande responsável por trazer novos nomes de atletas olímpicos e paralímpicos, porque estamos vendo uma evolução muito grande nos treinos, principalmente em Santo André, com crianças e jovens tendo desempenhos impressionantes, com condições e vontade de participar futuramente de outras edições. Quem sabe a primeira medalha do time em provas de velocidade e saltos saia de um dos nossos atletas da região?
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