Dados do TCE expõem elevada dependência de transferências da União e do Estado na região
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As sete prefeituras do Grande ABC reduziram a crônica dependência de receitas intergovernamentais, mas ainda estão longe da autossuficiência no custeio de suas máquinas públicas, o que confirma a urgente necessidade de revisão do pacto federativo, como é chamado o conjunto de regras constitucionais que determina a divisão de responsabilidades e recursos entre União, Estados e municípios.
De cada R$ 100 que entraram nos cofres das prefeituras da região no ano passado, quase metade, ou R$ 44,80, correspondiam a repasses da União e do governo do Estado, mostram dados – compilados pelo Diário – do Mapa das Receitas do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) referentes aos orçamentos de 2023. Só R$ 36,70 tinham como origem a arrecadação tributária municipal.
A fatia referente à receita tributária própria (36,7%) nos orçamentos municipais no Grande ABC em 2023 está mais de 4 pontos percentuais acima do patamar alcançado em 2017 (32,5%), quando inicia a série histórica do TCE-SP. A participação das transferências intergovernamentais, por sua vez, caiu 1,1 ponto na mesma comparação (de 45,9% para 44,8%), embora tenha atingido o pico de 52,0% em 2020, por conta do aumento no envio de recursos federais aos municípios para conter a pandemia de Covid-19.
O dado médio do Grande ABC esconde, porém, consideráveis disparidades entre as prefeituras na composição de recursos para o custeio da máquina. Em Santo André, por exemplo, as receitas tributárias municipais alcançaram 46,6% do orçamento no ano passado, patamar mais alto das sete cidades, enquanto os repasses somaram 38,2%. Por outro lado, em Rio Grande da Serra, a arrecadação própria representou apenas 19,1% do orçamento, enquanto as transferências alcançaram quase 70,0% (veja quadro acima).
Na prática, quanto maior é a receita tributária municipal na composição do orçamento da prefeitura, maior é sua autonomia e menor é a necessidade de o gestor se alinhar politicamente a quem ocupa o Palácio do Planalto – sede do governo federal – ou o Palácio dos Bandeirantes – sede do Estadual.
“O Tribunal de Contas existe para garantir a boa aplicação dos recursos públicos, daí não nos compete fazer uma avaliação política da legislação tributária. Porém, é consenso que, quanto maior é a dependência de repasses da União e do governo do Estado, maior é o risco para os municípios – não porque haja um desejo deliberado de não repassar recursos, mas porque atrasos podem acontecer, o que pode prejudicar o planejamento da prefeitura”, comentou Germano Fraga Lima, secretário-diretor geral do TCE-SP.
“Essa dependência não é salutar. Os municípios deveriam ser autossuficientes para custear suas despesas, já abrigadas dentro dos orçamentos, e usar recursos externos apenas para investimentos. Mal comparando, é como fazemos em casa: usamos nossos salários para o custeio das despesas domésticas e só recorremos a fontes externas quando vamos comprar uma casa ou um carro e contraímos um financiamento”, prosseguiu Lima.
INSUFICIÊNCIA
Ainda segundo o TCE-SP, em 185 das 645 cidades paulistas (28,7% do total), mais de 90% do valor disponível nos cofres municipais em 2023 correspondiam a repasses intergovernamentais.
“Há uma opinião geral de que, do ponto de vista financeiro, municípios com 1.000, 2.000 habitantes não têm sustentabilidade fiscal e não deveriam existir, porque têm Executivo e Legislativo gerando despesas”, ressaltou o secretário-diretor geral do TCE-SP.
Entenda de onde vêm as receitas que formam o orçamento dos municípios
Existem basicamente dois tipos de recursos que mantêm a máquina pública municipal funcionando: próprios e de transferências. São recursos próprios impostos como o ISS (Imposto Sobre Serviços), ITBI (Imposto sobre Transferência de Bens Imóveis) e IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), além de taxas e contribuições de Além do que arrecada por esforços próprios, o município recebe transferências voluntárias (convênios ou repasses) e parte de outros impostos, por meio de transferências obrigatórias.
O governo do Estado repassa aos municípios 25% do que arrecada com ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) e 50% do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores).
O governo federal, por sua vez, repassa às prefeituras o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que é parte do IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Também compõem o pacote de recursos repassados pela União o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e as transferência fundo a fundo para a Saúde.
'Partilha de obrigações continua exdessiva' diz
Das sete prefeituras do Grande ABC, a de Santo André é a que tem a situação mais confortável no que se refere à origem dos recursos que compõem seu orçamento. Dos R$ 3,59 bilhões que entraram nos cofres municipais no ano passado, R$ 1,67 bilhão correspondeu a tributos municipais, ou 46,6% do total, segundo o Mapa das Receitas do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo).
Em 2017, quando começa a série histórica do TCE-SP, a arrecadação por esforços próprios em Santo André representava 41,0%, 5,6 pontos porcentuais abaixo do patamar de 2023. Na mesma comparação, a participação das transferências intergovernamentais recuou 1,1 ponto, de 45,9% para 44,8%.
A melhora na eficiência na arrecadação municipal, contudo, não conforta totalmente a secretária adjunta de Gestão Financeira de Santo André, Monise Pereira dos Santos. “Ainda que a gente tenha conseguido uma performance de destaque, a arrecadação municipal não alcança, proporcionalmente, as responsabilidades do município. A partilha de obrigações continua demasiadamente excessiva”, comentou.
Monise entende que, para além da revisão do pacto federativo, é necessário, por exemplo, debater os critérios que balizam algumas transferências intergovernamentais, como a do ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). “É uma discussão que deveria anteceder a da revisão do pacto federativo, assim como algumas imposições estabelecidas pela União no uso dos repasses”, prosseguiu.
A secretária adjunta também compartilha da opinião de que as prefeituras têm muitas responsabilidades, mas pouco dinheiro para dar conta delas. “Somos responsáveis pelo ensino infantil, pela Saúde, zeladoria, assistência social, pelo transporte público, entre outras demandas que não se exaurem, mas o dinheiro é limitado. Isso sem contar outras áreas que não são de responsabilidade das prefeituras, mas também recaem sobre o município, como é o caso da segurança pública”, ressaltou.
REFORMA
Monise se diz esperançosa de que a reforma tributária – aprovada no ano passado, mas que ainda carece de regulamentação e, por isso, deve demorar para produzir efeitos – leve à maior eficiência na arrecadação. A reforma prevê a unificação do ICMS (estadual) e do ISS (municipal) no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
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