Política Titulo Resistência
60 anos do golpe: O Grande ABC na luta

Região ficou marcada pelos movimentos sindicais e greves em meio à opressão

Artur Rodrigues
31/03/2024 | 07:00
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Reuniões na Matriz de São Bernardo foram marcos da resistência (Foto: Arquivo/DGABC)


O Brasil vivia em 1978 o fim do governo do general Ernesto Geisel, no período da ditadura (1964-1985), quando o Grande ABC iniciou sua luta contra a opressão do governo militar. Em 12 de maio daquele ano, os metalúrgicos da Scania, em São Bernardo, iniciaram a primeira grande greve do regime militar. A paralisação, proibida à época, foi o primeiro passo que a região deu na luta pela redemocratização do País.

A paralisação da Scania foi a primeira greve realizada desde 1968, ano em que o Planalto havia baixado o AI-5 (Ato Inconstitucional Número 5), suspendendo os direitos civis fundamentais. O País era sustentado por uma teia de leis de exceção. Uma delas era justamente a lei de greve (4.330), que, na prática, impedia a realização de greves. 

Os 3.200 operários que cruzaram os braços no dia 12 de maio de 1978 serviram como impulso para outras movimentações de trabalhadores e trabalhadoras em outras fábricas do Grande ABC. O movimento, que começou na manhã de sexta-feira, seguiu durante todo dia e atingiu também os trabalhadores do turno da noite. Três dias depois, a greve se expandiu e chegou à Ford, também em São Bernardo. Eram 9.000 metalúrgicos até então. No dia 16, foi a vez dos operários da Volkswagen, endossada por mais 12 mil pessoas. Trabalhadores da Philips e da Cofap também aderiram à greve. Eram quase 40 mil envolvidos em uma paralisação que durou 20 dias. 

“Santo André tinha uma base de 60 mil operários, São Bernardo também tinha muita gente. Então, ocorreram muitas greves na região”, contou o economista e pesquisador Cido Faria, que viveu em Santo André no fim da década de 1970. 

A greve começou após o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, maquiar os índices da inflação e provocar uma perda de 34,1% nos salários dos trabalhadores. No dia 2 de abril de 1978, quando divulgou o índice de reposição, o governo não mencionou a perda real. No mês seguinte, diante do holerite e da constatação do reajuste fixado pelos militares, o movimento eclodiu e assim veio a decisão de cruzar os braços. 

“Era uma luta de resistência pela reposição das perdas salariais e melhores condições de trabalho. Foi um momento de protagonismo do movimento sindical no País inteiro e que teve o Grande ABC como precursor”, disse Cido. 

Em março de 1979, os três sindicatos dos metalúrgicos no Grande ABC sofreram intervenção. No ano seguinte, em meio às intervenções, aconteceu outra mobilização simbólica na região. Foi a greve de 41 dias dos metalúrgicos, que ocuparam o Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo. Durante as assembleias, que tiveram mais de 80 mil trabalhadores e trabalhadoras, helicópteros sobrevoavam o local e metralhadoras eram apontada em direção aos grevistas. Liderados pelo então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, hoje do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – atual presidente da República –, os trabalhadores levantaram a bandeira da redemocratização a ponto de, posteriormente, o estádio receber o nome de 1º de Maio, dia mundial do trabalho. 

Durante a mobilização, o estádio foi interditado pelo então governador do estado de São Paulo, Paulo Maluf. Assim, o cardeal dom Cláudio Hummes abriu as portas da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, a Igreja Matriz, em São Bernardo, para que os trabalhadores realizassem suas assembleias. 

No dia 1º de maio de 1980, centenas de viaturas da Polícia Militar foram enviadas à Igreja Matriz a fim de evitar que os trabalhadores se unissem e tornassem aquela data, já considerada como o dia internacional do trabalho, símbolo de manifestação contra a ditadura. Com o passar das horas, os 8.000 policiais presentes nos arredores da paróquia se tornaram poucos perto dos quase 100 mil manifestantes. Assim, os militares baixaram a guarda e deixaram o local, o que abriu caminho para os trabalhadores marcharem novamente rumo ao Estádio da Vila Euclides. 

Os fatos ocorridos no Grande ABC ao fim da década de 1970 fomentaram a politização dos movimentos sindicais. A criação do PT, por exemplo, se deu em 1980. Logo na primeira eleição municipal, em 1982, Diadema elegeu Gilson Menezes, líder da greve na Scania, para ocupar o cargo de chefe do Executivo. Ele foi o primeiro prefeito petista do Brasil. Em agosto de 1983, foi fundada a CUT (Central Única dos Trabalhadores), em São Bernardo, com Jair Meneguelli como presidente. 

‘O bispo deu a ordem para abrir as portas das igrejas’

O bispo dom Cláudio Hummes desempenhou importante papel nos movimentos sindicais. Ele chegou ao Grande ABC às vésperas das grandes greves, em 1975. O cardeal apoiava as ações do movimento sindical ao permitir que os sindicatos trabalhistas se reunissem em igrejas da Diocese para articular ações.

Em meio ao fechamento do Estádio da Vila Euclides – hoje 1º de Maio –, em 1980, o cardeal ordenou a abertura das portas da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, a Igreja Matriz, em São Bernardo, para a realização das assembleias dos trabalhadores.

“Eu estava lá na Matriz. O dom Cláudio Hummes chegou para substituir o dom Jorge Marcos. E ele chegou pisando em ovos, não sabia o que fazer, então decidiu tomar algumas atitudes mais progressistas a partir de diálogos com líderes sindicais. Inclusive, ele estava para viajar a Roma, mas não deixaram ele ir para que ele pudesse ficar aqui e apoiar a greve. E foi dele a ordem para abrir as portas da Igreja Matriz. Ele também deu ordens para os padres do Santuário Senhor do Bonfim – em Santo André – acolherem os trabalhadores”, contou o economista e pesquisador Cido Faria.

Na época, Hummes era responsável pela Diocese de Santo André. Ele também intercedeu pela libertação dos operários presos durante as greves. 

‘Diário’ foi um dos poucos a chamar regime de ‘ditadura’

EVALDO NOVELINI

Fundado em 11 de maio de 1958, seis anos antes do golpe militar, o Diário acompanhou de perto a derrocada democrática e foi um dos poucos veículos de comunicação do Brasil que teve a coragem de chamar o regime instaurado em 31 de março de 1964 pelo nome correto: ditadura.

Enquanto a imensa maioria dos jornais do País classificava o movimento como revolução, este jornal estampou em sua manchete de 31 de julho de 1978: “Brasil vive ditadura”. No ano seguinte, em Editorial, criticou a intervenção do governo federal nos sindicatos e as prisões de trabalhadores.

Capitaneadas pelo sindicalista pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva, hoje presidente da República, as greves que paralisaram as montadoras de veículos do Grande ABC nos anos 1970 e 1980 foram um marco na resistência à ditadura e acabaram desaguando no movimento das Diretas Já, em 1983. 

“O Diário seguramente foi o jornal brasileiro que mais bem cobriu e noticiou o movimento grevista que eclodiu no fim dos anos 1970”, atesta John D. French, professor titular de História da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, que pesquisou os arquivos do veículo de comunicação para escrever o livro Lula e a Política da Astúcia: de Metalúrgico a presidente do Brasil. Foram produzidas 3.500 imagens no período, das quais apenas 300 acabaram publicadas.




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