Setecidades Titulo Saúde
Governo estadual deixa andreense com doença rara sem professor

Gianlucca é portador de AME e não tem aula domiciliar desde o início do ano letivo; Seduc diz que iniciou os trâmites para atendimento do aluno

Thainá Lana
25/03/2024 | 08:10
Compartilhar notícia
FOTO: André Henriques/DGABC


Desde o início do ano letivo, o andreense Gianlucca Trevellin, 11 anos, portador de AME (Atrofia Muscular Espinhal), doença degenerativa rara – são pouco mais de 1500 casos no País –, está sem aula na rede estadual de ensino e aguarda para começar o 6° ano do Ensino Fundamental. Matriculado na E.E (Escola Estadual) Professor José Augusto de Azevedo Antunes, localizada em Santo André, o aluno deveria ter começado as aulas no dia 15 de fevereiro, mas até o momento a unidade escolar não disponibilizou professor domiciliar para atender o jovem.

O serviço é garantido desde 2016 pela resolução 25 da Seduc (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), que dispõe sobre o atendimento escolar domiciliar a estudantes impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique permanência prolongada em casa.

Gianlucca precisa de ajuda de aparelhos para respirar, além de outras limitações, nos movimentos dos braços e das pernas e na fala. Desde março de 2018, o andreense faz o uso do medicamento Spinraza, tratamento que interrompe a evolução da AME para casos mais graves, e que tem contribuído para melhoras significativas no quadro dele, de acordo com a família (leia mais abaixo).

O pai do jovem, Renato Trevellin, 47, lamentou a demora para o início das aulas do filho e citou a falta de organização da Seduc. “Eles (do governo estadual) estão cientes da necessidade desde o ano passado, quando entrei em contato com a direção da escola e com a Diretoria de Ensino de Santo André para enviar os laudos médicos e resolver quaisquer outras pendências sobre o assunto. Não tiveram nenhum planejamento, excluíram meu filho, parece que é a primeira criança com deficiência que atendem. Como podem começar o ano letivo e deixar um estudante de fora?”, questionou.

Para tentar chamar atenção para o problema, ex-alunos da Etec (Escola Técnica Estadual) de Ribeirão Pires criaram na quarta-feira (20) um abaixo-assinado on-line, que já tem 593 assinaturas. “Acabamos de nos formar no ensino médio em uma instituição pública e sabemos da importância da educação em todas as esferas da vida. A falta de profissionais para auxiliar pessoas com alguma condição de saúde e o descaso do governo com crianças com deficiência é preocupante e coloca a população em uma situação degradante, privando os cidadãos de direitos básicos e essenciais”, está escrito na petição.

Questionada, a Seduc não explicou o motivo de o aluno estar sem professor e sem atendimento domiciliar desde o início do ano letivo. “O estudante receberá aulas domiciliares ministradas pela supervisora da Diretoria de Ensino até que sejam concluídos os trâmites legais para atendimento domiciliar, já iniciados”, explicou em nota o órgão.

A Pasta não informou quantas crianças com deficiência são atendidas por aulas domiciliares no Grande ABC.

Pai luta pelo direito às aulas domiciliares e pela frequência escolar

Além de apontar a falta de aulas e de professor, o pai de Gianlucca, Renato Trevellin, 47 anos, destacou a diferença dos serviços educacionais oferecidos pelas redes estadual e a municipal andreense. Até o ano passado, o aluno estudava na Emeief (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Carlos Drummond de Andrade, onde concluiu o 5° ano.

“O Gian tinha aula três vezes por semana, com duração de duas horas cada. Uma vez por semana ele ia à escola para ter o convívio com os colegas. Era o dia mais feliz da vida dele”, revelou Trevellin.

O pai disse ter sido informado que na rede estadual de ensino não é possível adotar as modalidades domiciliar e presencial, e que a família precisaria escolher uma das opções. “O convívio com outras crianças no ambiente escolar é essencial para a criança com deficiência, porque geralmente ela não é convidada para festa ou para algum passeio fora da escola. A médica do Gian fez um relatório atestando que é possível que ele fique por um período fora de casa, nem que seja a cada 15 dias. Temos uma enfermeira que acompanha o nosso filho, não estamos nem solicitando um profissional a mais para que ele tenha essa experiência”, apontou o responsável.

A Seduc não respondeu aos questionamento do Diário sobre a possibilidade de adoção das duas modalidades.

Após batalha por remédio, criança apresenta melhoras e doença estagna

A família de Gianlucca Trevellin precisou travar uma batalha para assegurar o tratamento de alto custo do menino pelo SUS (Sistema Único de Saúde). O Diário noticiou todo o caso em 2017, quando os pais do menino acionaram a Justiça para garantir junto ao Ministério da Saúde o direito à compra e ao fornecimento do medicamento Spinraza. 

A caixa do remédio é importada dos Estados Unidos por R$ 2,8 milhões. Em média cada dose do medicamento custa R$ 410 mil, sendo que no primeiro ano de tratamento o paciente precisa tomar seis doses. Em março de 2018, a família obteve na Justiça uma liminar que obrigava o Ministério da Saúde a fornecer o medicamento. 

De acordo com o site do Ministério da Saúde, o remédio aponta eficácia na interrupção da evolução da AME para quadros mais graves. Gianlucca já recebeu 21 doses, e hoje o remédio é aplicado a cada quatro meses. A família guarda todas as caixas do medicamento em casa, exceto a primeira, que está exposta na sala das promessas no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. 

Segundo o pai de Gianlucca, Renato Trevellin, o medicamento impediu a progressão da doença degenerativa, e o menino apresenta melhoras após sete anos de tratamento. “O Gian já consegue ficar algumas horas sem o respirador. Um portador de Ame na idade dele não consegue ficar nem poucos segundos. Hoje ele já tem mais movimentos nos braços e nas pernas, sua imunidade ficou muito boa e está começando a sustentar a coluna”, disse orgulhoso o familiar. 

O caso de Gianlucca abriu caminhos para muitas famílias que enfrentam a AME em casa. Apesar de não existir cura, em abril de 2019 o governo federal anunciou a incorporação do Spinraza ao SUS (Sistema Único de Saúde), para o tratamento do tipo 1 da doença. 

Durante o processo, a família criou o Instituto de Luta contra a AME Gianlucca Trevellin, para aumentar a conscientização sobre o tema.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;