Se somadas todas as dívidas em atraso do Grande ABC, o valor se aproxima dos R$ 6 bilhões, com pouco mais de 1 milhão de pessoas com o nome sujo. A inadimplência é uma das especialidades do advogado Alexandre Damásio. Ele ocupa a presidência da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de São Caetano e acompanha de perto as relações entre o consumo e a renda, bem como as consequên-cias na vida das pessoas. Defensor da educação financeira, utiliza números para afirmar que o Desenrola, do governo federal, não funcionou na região. Programa só baixou débitos com setor financeiro em quatro pontos percentuais, de 73,3% a 69,1%.
Nome: Alexandre Damasio Coelho
Idade: 50 anos
Local de nascimento: São Bernardo
Formação: Direito, pós-graduado em direito eleitoral pela UnB (Universidade de Brasília) e em direito público pela ESA OAB/SP, MBA em varejo e consumo e especialização em macroeconomia pela USP (Universidade de São Paulo)
Hobby: Ler
Local predileto: minha casa
Livro que recomenda: Cartas de Um Diabo a Seu Aprendiz, de C.S.Lewis
Personalidade que marcou a sua vida: não tem
Profissão: Advogado
O Grande ABC fechou o ano de 2023 com pouco mais de 1 milhão de pessoas com o nome sujo, que juntas devem quase R$ 6 bilhões. Como reduzir estes números?
Fazendo um pacto social com diversas frentes, oportunizando a geração de riqueza, ofertando educação financeira e executando ações com resultados imediatos e a médio prazo. Eu listo as seguintes ações prioritárias para 2024: a criação de uma mapa regional com a cadeia produtiva dos setores econômicos de cada município para entendermos demandas e ociosidades. Esses dados podem ser construídos a partir de dados públicos e dados primários das próprias prefeituras. A digitalização da emissão de nota fiscal, que oportuniza o mapeamento de fluxo produtivo da região e assim políticas para empreendedores e startups podem ser direcionadas para as necessidades mais urgentes e áreas com muitos atores podem ser estimuladas a ampliação de mercado ou segmentar seus produtos. A segunda ação que eu reputo importante é o estímulo às licitações exclusivas para empresas de pequeno porte e microempresas, além da prioridade de contratação das micro e pequenas empresas sediadas no município de origem da licitação. Essas são ações públicas que estimulam a geração de renda. Educação financeira é uma ação permanente mas depende de interesse do consumidor, assim há necessidade de estimular esse interesse ou estabelecer ganhos reais que gerem efeitos práticos, ressalto a possibilidade de disponibilizar uma trilha de educação financeira antes da conclusão dos programas de parcelamentos de débitos municipais, ou no período de aviso prévio trabalhista e no acesso aos programas públicos de geração de emprego e renda. Outra ação importante e relevante para 2024 é a organização dos feirões para renegociação de dívidas. O desafio dessas ações é a aquisição de propostas vantajosas para quitação. Entendo que a prorrogação do Desenrola pode ser uma oportunidade de ação regional.
O que o cidadão comum pode fazer para não entrar nesta lista dos negativados?
Devemos entender que os bancos de dados são importantes para a economia do País e também para as empresas e consumidores. A negativação é um mecanismo do processo de concessão de crédito e a existência do SPC (Serviço de Proteção de Crédito) auxilia bastante os bons pagadores. Estar negativado é um momento ruim desse processo e deve ser encarado como algo passageiro. A dica comum a todos consumidores de qualquer faixa de renda é não confundir receita – aquilo que o consumidor ganha – com crédito, que é o cheque especial e o cartão. O primeiro passo para o abismo é somar salário com cheque especial, o segundo passo para o abismo é usar o cartão de crédito como se fosse dinheiro vivo. Não quer ser negativado, então compre parcelado em menor número de parcelas, coloque as contas mensais comuns – luz, água, gás – em débito automático. Não vai conseguir pagar a dívida, não tem renda ou disponibilidade naquele mês? Renegocie. Corte gastos e procure mais uma fonte de renda.
É possível ensinar as pessoas a se relacionarem com o dinheiro?
Sem sombra de dúvida. O problema está em entender o objetivo do relacionamento do dinheiro e o momento mais oportuno para ensinar a relacionar-se. Falar de poupança e consumo, reserva e excessos podem ser ensinados na tenra idade, no entanto o relacionamento com os mecanismos financeiros dependem de conhecimentos prévios de interpretação, leitura e matemática. Eis porque insisto em um pacto regional sobre o tema.
As contas de consumo, como água e luz, têm cada vez mais causado a negativação das pessoas. Isso significa que elas estão pesando mais no orçamento, ou é falta de planejamento?
Antes disso, significa que as contas de água e luz estão sofrendo efeitos da mudança climática e do consumo facilitado. O aumento do custo de fornecimento para a pessoa física – alvo da pesquisa de inadimplência – é reflexo do clima: aumento de temperatura e escassez de água e da aquisição de bens correlatos (geladeira, ventilador e ar-condicionado) são exemplos combinados, sim, com a falta de dinheiro. Vimos em dezembro de 2023 a maior porcentagem de dívidas no setor de água e luz desde 2022, quase 16%. Repito que essa curva tem origem nos parcelamentos contratados e não cumpridos em setembro e da falta de renda das famílias. O consumidor parcelou seus débitos, mas não acrescentou o valor do parcelamento no custo mensal e os salários ou rendas dos consumidores bancarizados sofrem quitação diretamente na conta-corrente. Tem sobrado pouco ou nenhum dinheiro.
Aliás, qual tipo de despesa é a que mais ‘suja o nome’ das pessoas na região?
Dívidas financeiras. Cartões de crédito e créditos direto ao consumidor. Mantivemos patamares de 70% dos negativados no setor financeiro durante todo o ano de 2023.
Qual a sua opinião sobre o programa Desenrola?
O Desenrola foi uma excelente oportunidade de instituir a educação financeira como etapa na concessão de crédito e minha maior crítica ao programa foi não fazê-lo. Em que pese tratar-se de um programa de troca de dívidas percebemos objetivamente que no Grande ABC o Desenrola não desenrolou ninguém. Posso usar dados do índice de inadimplência de pessoas físicas do Grande ABC para demonstrar o impacto do Desenrola na nossa região. Em junho de 2023, quando do lançamento do programa, 73,36% das dívidas estavam no setor financeiro e em dezembro último o percentual era de 69,11%. Pelo menos no Grande ABC não funcionou.
O governo deverá lançar um programa semelhante para empresas nos próximos dias. O que o sr. espera disso?
Tive a oportunidade de conversar com o ministro Márcio França no fim do ano passado e nessa audiência ele comentou sobre a ideia de um Desenrola para Pessoa Jurídica. Acredito que deva haver vários entraves – muitos relativos a garantias, como nos programas de crédito da pandemia.
Como os governantes poderiam contribuir para a diminuição da inadimplência?
Devo responder essa pergunta com muita cautela, sob pena de algum agente público ter uma grande ideia e transferir obrigações para iniciativa privada ou propor ações que sobram na conta do consumidor. Não queremos isso. Uma lição importante para ser resgatada é que o controle da inflação no Plano Real foi uma ação econômica e comportamental, de sorte que os governantes, primeiro, devem entender que a inadimplência é um problema de todos e sua solução demanda tempo. Devem contribuir fortalecendo e oportunizando ações de educação financeira para população economicamente ativa da sua cidade, apoiar os feirões de renegociação de dívidas e também sugiro a criação de um cadastro positivo dos contribuintes municipais. Faço outra ressalva, no Grande ABC não temos o hábito de negativar as dívidas públicas. Os municípios protestam suas dívidas. Aqui no Diário já houve uma reportagem sobre esse tema e tenho críticas profundas sobre essa prática. Protestar um contribuinte dificulta sobremodo o pagamento da dívida pois mesmo que ele pague a dívida original ainda tem que pagar as pesadas taxas e emolumentos do cartório de protesto. Pagou a dívida, mas não pagou o cartório, vai continuar protestado.
A CDL realiza um estudo sobre a questão da inadimplência no Grande ABC. Como esse índice é utilizado?
Para entendermos a importância desse estudo vale lembrar que somos a única região do Brasil que monitora a inadimplência dos consumidores em sete cidades, todos os meses, com parametrização de comparação de inadimplência no período de 12 meses e variação de inadimplência com o mês anterior, comparando a inadimplência do Grande ABC com a da região Sudeste e com a do Brasil e ainda a variação da faixa etária do devedor, sexo, ticket médio e tempo de dívida. O estudo ainda apresenta a variação do percentual de dívidas em cinco setores econômicos: bancos, comunicação, comércio, água, luz e outros. Não tenho dúvida de que é um importante indicador regional e que diferencia positivamente o Grande ABC em comparação com outras regiões metropolitanas. Esse índice deveria ser usado como ferramenta de previsibilidade e comparativo histórico do comportamento do consumidor, permitindo que os investidores entendam o momento atual do consumo e do crédito em comparação com determinado período passado, identificando tendências e padrões. Também serve para identificar problemas setoriais, mitigar riscos e projetar políticas públicas e ações privadas de melhoria do ambiente de negócios. A amostragem por município particulariza o dado e as populações e entrega uma inteligência competitiva para as empresas entrantes, para investidores e para empresas instaladas que dependam do público local, categorizando o consumidor e a capacidade de endividamento. Até o absenteísmo e a produção das empresas podem ser mitigados com o acompanhamento do superendividamento do funcionário.
Muitas pessoas acreditam que após cinco anos as dívidas somem. Isso é verdade ou mito?
Mito. As dívidas inscritas nos cadastros de negativados podem ser consultadas por cinco anos ou até serem pagas. Após esse período a informação não estará mais disponível. No entanto, ela não some, o Código Civil regula até quando o credor pode cobrar o devedor independentemente da negativação.
O perfil do Grande ABC mudou, com a saída de várias empresas de grande porte. Isso interfere na questão da inadimplência, uma vez que os salários em setores como comércio e serviços são mais baixos?
Vivemos um momento histórico com a transição da matriz econômica do Grande ABC de indústria para ‘sabe-se lá o quê’. A última transição de matriz econômica foi na década de 1960 do século passado, de uma economia rural para a metal-mecânica. Mesmo assim continuamos produzindo riqueza, atraindo novos setores, evidenciando o potencial consumidor da população da região, pensando e discutindo essa transição. A relação de inadimplência e renda não é imediata. Inadimplência é uma relação próxima à concessão de crédito e é na concessão de crédito que o salário tem influência mais relevante. Creio que a saída de grandes empresas e dos salários pagos por esses empregadores diminuem a facilidade e a capacidade de tomar crédito com menos garantia e juros diferenciados.
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