As árvores cobrem a fachada e dificultam a leitura do logotipo que anuncia o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na avenida Rangel Pestana, 315, em São Paulo. A imagem é a expressão real de um estigma vivido pela entidade: boa parte da população não conhece, quase ninguém sabe o que é e nem onde fica o tribunal. E os agentes públicos que por dever de ofício reconhecem a instituição – entre eles prefeitos e vereadores – ainda teimam em desafiam suas normas ou desconfiar da efetividade de suas ações.
O grande número de recursos que podem ser interpostos a constatações e julgamentos negativos complica a atividade do TCE. “O nosso papel é emitir o parecer. Foi a democracia que criou isso”, afirma o diretor-geral do TCE, Sérgio Ciquera Rossi. Ele garante que determinações do tribunal não passam em branco. Quando constata irregularidade, cabe representar junto ao Ministério Público Estadual ou multar, embora a sanção mais alta seja de R$ 2,5 mil. “Temos multado com muita frequência”, garante Rossi. Mas logo emenda: “Não é uma sanção para empobrecer.”
Prestes a completar 36 anos de serviços públicos no TCE, Rossi reconhece que existem dificuldades. A ignorância e a falta de interesse de administradores públicos ainda atrapalham. Em um dos últimos eventos realizados pelo TCE para explicar o beabá da gestão responsável, apenas 132 dos 644 prefeitos compareceram. Mas o diretor assegura que a realidade está mudando. Questionado se o TCE inspira temor dos políticos por sanções que pode aplicar, respondeu: “Numa escala evolutiva, (as preocupações) subiram de cinco para 20. Não tem um único processo que não tenha advogado acompanhando, fazendo sustentação oral.”
Problemas – O TCE analisa contas dos prefeitos e emite pareceres prévios que precisam ser votados pelas Câmaras Municipais. O problema é que, com apoio mínimo de 2/3 dos vereadores – o que não é difícil –, é possível derrubar decisões negativas. Tem mais: o agente público tornado inelegível por ter praticado um ato questionável pode ainda recorrer à Justiça e sustar a validade de uma eventual decisão tomada em conjunto pelo TCE e pelos vereadores de sua cidade.
Outro fator que retira força do tribunal – e deve contribuir com a farra – está na defasagem de tempo na emissão de pareceres. Exemplo: as Câmaras receberão apenas em 2007 a avaliação sobre a gestão dos prefeitos em 2005. São dois anos de diferença entre a ação (que pode estar errada ou não) e a avaliação dela. Em muitos casos, quando o parecer é votado, o prefeito já deixou o cargo ou até morreu. A chance de ser punido só aumenta se perder as eleições para a oposição, que logo forma maioria na Câmara e convence o Legislativo a manter pareceres negativos.
O atraso na apresentação de pareceres ocorre, de acordo com Rossi, porque embora o trabalho do TCE seja ininterrupto, é complexo o caminho entre a apuração, análise, julgamento e emissão de pareceres de 644 prefeituras e câmaras. “Tenho 21 meses para fiscalizar, receber a defesa, conceder vistas e emitir o parecer”, afirma.
Funciona ainda como complicador o fato de que os administradores dispõem de vários mecanismos para recorrer de decisões desfavoráveis, o que atrasa o processo, porque nada pode andar enquanto não sai a resposta ao questionamento. “Não era para caber pedido de reexame, que tem efeito suspensivo”, afirma. Entre outubro e dezembro do ano passado, o tribunal recebeu 91 pedidos deste tipo, dos quais 62 foram julgados improcedentes, isto é, não foi reconhecida a argumentação do político ou funcionário público que reclamou contra a decisão do tribunal.
Também está sob crivo do TCE a gestão de fundações e autarquias – algumas com receitas várias vezes superior a de cidades de menor porte e com atividades complexas, multidisciplinares. Cabe ainda ao órgão fazer o julgamento das contas das câmaras municipais, único ponto de fiscalização onde a decisão do tribunal tem valor efetivo, porque passível de menos questionamento.
Compras – A ação dos conselheiros também é visível na análise das compras realizadas pelas prefeituras, antes e durante o processo. Quando um dos concorrentes a fornecedor de determinada prefeitura reclama contra as condições de um processo de seleção de fornecedores, o TCE pode interferir no processo e mandar consertar a falha. O mesmo ocorre se um determinado contrato de fornecimento apresentar irregularidades. Se o administrador desobedecer a ordem, fica sujeito a pagamento de multa. “Temos multado muito”, diz Rossi. O TCE pode ainda enviar representação ao Ministério Público, requisitando investigação.
O poder de fogo do TCE termina aí. Embora descubra falhas flagrantes em contratos e seleções cabe ao órgão aplicar multas com valor irrisório frente ao tamanho das negociatas – ou encaminhar o processo para o Ministério Público.
O TCE integra a estrutura do Poder Legislativo do Estado de São Paulo. O órgão é mantido com dinheiro público de impostos como IPVA e ICMS recolhidos pelo governo estadual e tem a missão de fiscalizar os gastos de 644 prefeituras, o mesmo número de câmaras municipais e de toda a estrutura do governo estadual. Só o município de São Paulo – acompanhado pelo TCM – Tribunal de Contas do Município – escapa do foco do TCE.
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