Número pode ser maior porque, além do Estado, apenas quatro cidades do Grande ABC informaram; braille ajuda a promover autonomia
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O Grande ABC tem, ao menos, 252 estudantes com deficiência visual na rede pública de ensino. A estimativa realizada pelo Diário é baseada nos dados de dezembro fornecidos pelas Prefeituras de Santo André, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires, além das informações do Estado de São Paulo. As demais gestões municipais não informaram até o fechamento da reportagem.
Santo André lidera a estatística por ter 89 alunos com deficiência visual. Deste número, 56 são de escolas estaduais e 33 das municipais. Em seguida, estão Diadema (60, sendo 30 das unidades administradas pelo Estado); São Bernardo (51 nas estaduais); Mauá (36 alunos, sendo apenas um da rede municipal); e Ribeirão Pires (nove, sendo um do município). Ainda na rede estadual, Rio Grande da Serra tem cinco estudantes com deficiência visual e São Caetano, dois.
O estudante Lourenzo dos Santos, de 9 anos, que tem baixa visão desde bebê, conta que considerava o aprendizado do braille um “bicho de sete cabeças”. Hoje, ele já é fluente. “As primeiras vezes foram difíceis, mas agora não é mais. Às vezes ainda esqueço quais pontos usar. No ano passado, estava fazendo uma lição e digitei a letra ‘a’ com acento agudo ao invés do ‘u’ com acento agudo. Meu professor que precisou me avisar. Essas confusões são normais.” Neste ano letivo, Lourenzo vai cursar o 6º ano na Escola Estadual Inah de Mello, em Santo André, e conta que está empolgado para continuar usando materiais como livros e impressoras em braille e lupa.
O pai Lourival Santos, 39, tenta acompanhar o filho no aprendizado do braille, mas ainda entende apenas o básico. Para ele, é fundamental que Lourenzo tenha acesso a recursos de apoio que auxiliem no desenvolvimento escolar. “Existem muitos lugares que ainda precisam se adequar às necessidades de pessoas com deficiência visual, como os supermercados. Se não tiver itens impressos em braille ou piso tátil, dificulta uma atividade que faz parte da rotina de qualquer um. A mesma adaptação deve acontecer nas escolas”, analisa o morador do Jardim Santo André.
O braille é o sistema universal de escrita e leitura das pessoas cegas ou com baixa visão adaptado a todos os idiomas. Para aumentar a conscientização sobre a importância dele, o Dia Mundial do Braille foi comemorado na última quarta-feira (4).
Regina Oliveira, coordenadora de revisão de Braille da Fundação Dorina Nowill para cegos, ressalta que, para uma criança que nasce cega ou perde a visão nos primeiros anos de vida, o braille é imprescindível no processo de alfabetização. “Só por meio dele que o aluno vai aprender ortografia, simbologia das áreas científicas e poderá tatear mapas, tabelas, gráficos, por exemplo. Conforme o tempo passa, pode utilizar outros meios como tablets e computadores para acessar conteúdo, itens que não substituem o conhecimento do braille”, comenta.
Já para adultos que perderam a visão ao decorrer da vida, a coordenadora considera que aprender braille é um passo importante para a autonomia. “Esse sistema permite que as pessoas consultem cardápios, reconheçam medicamentos, identifiquem embalagens de alimentos, cosméticos e orientações nos elevadores. Também é uma garantia da segurança e privacidade porque é possível ler extrato bancário e faturas do cartão de crédito em braille.”
AÇÕES MUNICIPAIS
Para os alunos que frequentam o polo de deficiência visual de Santo André, os recursos disponíveis são linha e máquina braille, soroban, reglete e todas as adaptações e ampliações necessárias para a realização das atividades, assim como impressora 3D e impressora termofusora (impressão em alto relevo), que auxiliam na confecção de materiais específicos.
Os alunos de Diadema são contemplados com recursos táteis e de áudio, tecnologias assistivas (TA), cadernos com margens ampliadas e linhas marcadas, lápis/caneta de tonalidade forte, impressões ampliadas, além de materiais com cores fortes e contrastantes.
Em Mauá, o único aluno da rede municipal com deficiência visual está na EJA (Educação de Jovens e Adultos). A rede municipal de Educação tem profissionais capacitados para este atendimento, inclusive que trabalha com braile. A rede tem máquina de braile, livros adaptados e recursos didáticos falados”, informa.
Prefeituras oferecem cursos de braille; 41 já se formaram
Os cursos gratuitos de braille promovidos pelas Prefeituras de Diadema e Ribeirão Pires formaram 41 pessoas em braille ao longo de 2023. Neste ano, o município de Santo André também disponibilizará aulas no CRPD (Centro de Referência da Pessoa com Deficiência), localizado na Vila Guiomar.
Coordenadora de revisão de braille da Fundação Dorina Nowill para cegos, Regina Oliveira é cega desde os 7 anos de idade e ressalta que o ensino do braille não deve se restringir a pessoas com deficiência visual.
“O professor que sabe braille tem uma interação melhor com os alunos que utilizam esse sistema. Ele também ajuda os pais a explicarem as tarefas de casa para os filhos com deficiência visual. Além do mais, é muito gostoso quando você recebe cartão de Natal ou bilhete de aniversário de um amigo, parente ou namorado e está escrito em braille, que é o nosso meio de leitura. Isso ajuda muito no nosso convívio e autoestima.”
O CRPD de Santo André (Rua Carnaúba, 150), foi inaugurado em outubro do ano passado. Por isso, ninguém ainda concluiu o curso de braille na unidade. Atualmente, há uma turma em andamento com dois alunos. As aulas, com duração de uma hora, acontecem a cada 15 dias, na primeira e na terceira quinta-feira do mês. O curso tem duração de um semestre. Há opção de horários às 13h30, 14h30 ou 15h30. As inscrições podem ser feitas pelos telefones (11) 4433-1986 ou (11) 4433-1987.
As turmas do curso em Diadema começarão em março. Na cidade, as oficinas são ministradas na Biblioteca de Inclusão da Vila Nogueira (Rua Bernardo Lôbo, número 263). As aulas do Básico I são às sextas-feiras, das 8h às 9h30; e do Básico II, no mesmo dia da semana, mas das 10h às 11h30. Também é disponibilizado curso de braille na Biblioteca Central (Galeria Praça da Moça, na Avenida Alda, 81), às segundas-feiras, das 19h às 20h30. As inscrições abrirão em meados de fevereiro. Em 2023, 11 estudantes se formaram graças às oficinas municipais.
Em Ribeirão, as aulas e inscrições são realizadas nas dependências da Secretaria de Educação e Cultura, que fica na Avenida Prefeito Valdírio Prisco, número 193. Em 2023, 30 alunos participaram do curso. Atualmente, sete estudantes com deficiência visual (cegos e baixa visão) estão matriculados. Há previsão de novas turmas para o início de fevereiro, com horários nos períodos matutino, vespertino e noturno. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 4828-9600.
Docentes se dedicam ao estudo para inclusão
A educação é a chave para promover desenvolvimento, sociabilidade e inovação. Convictas disso, as professores Elaine Gomes Vilela, da Universidade Metodista de São Paulo, e Tamires Grossi, do CRPD (Centro de Referência da Pessoa com Deficiência) de Santo André, desenvolvem trabalhos que buscam fazer com que o processo de aprendizagem seja mais inclusivo.
Professora de braille no CRPD andreense, Tamires Grossi é terapeuta ocupacional especialista em deficiência visual. De acordo com ela, os lugares públicos ainda precisam se adaptar para atender melhor pessoas com baixa visão ou cegas. Nesse processo, os mapas e pisos táteis podem ajudar. “Eles contribuem para que a pessoa se localize melhor no espaço onde está e identifique onde ficam as placas em braille”, analisa. “O braille permite que o estudante tenha acesso a todo conteúdo escolar de forma didática, seja sobre o que está nos livros ou o que é passado na lousa.”
O CRPD de Santo André tem dois alunos no curso de braille. Segundo Tamires, eles não possuem deficiência visual e mesmo assim desejam aprender. “É desafiador. Primeiro, eles aprendem a escrever. Depois, a ler, o que é muito difícil porque necessita de tato bem apurado. Os pontinhos são pequenos. Além do braille, temos o reglete, em que se escreve de trás para frente e vira para poder ler o que escreveu. Também tem a máquina com as teclas do braille e os sistemas de voz nos celulares, que ajudam a dar maior autonomia.”
Já Elaine Gomes Vilela é doutora em educação pela Universidade Metodista de São Paulo e pesquisa sobre comunicação de pessoas surdocegas. “Se o cego se tornar surdo também, ele pode utilizar o braille na palma da mão (braille tátil). Os pontos em relevo do braille serão passados para as falanges dos dedos indicadores e médios. Um surdocego que ainda tem um pouco de resíduo auditivo pode utilizar a fala ampliada. Então, a pessoa fala perto do ouvido dele com uma audição mais amplificada para que ele possa entender. São diversas formas para conversar.”
Elaine tem um grupo de estudos sobre comunicação social háptica, ramo que utiliza o toque em partes do corpo, como costas e braços, para realizar sinais e descrições, possibilitando informações visuais e auditivas. “No Brasil, ela complementa a comunicação que o surdocego já utiliza. Os sinais realizados auxiliam no processo de inclusão total dessas pessoas mesmo que ainda faltem políticas que obriguem a acessibilidade completa de pessoas com deficiência", explica.
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