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Escritor relata acontecimentos de 'O Resgate da Soldado Lynch'
Do New York Times
06/10/2003 | 18:50
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No mês passado Steve Young, um escritor que mora em Los Angeles, falou sobre os acontecimentos pelos quais passou enquanto escrevia o roteiro de Jessica – ou O Resgate da Soldado Lynch, como tem sido chamado informalmente. A história já está sendo filmada (será uma fita para a TV) e o autor ressalta que, se pudesse receber agora os direitos para os acontecimentos que envolvem Jessica Lynch na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, há coisas que ele certamente mudaria: “O livro dela pode sair a qualquer momento (editora Alfred A. Knopf) e contradizer tudo neste filme. Eu só posso dizer que este é o ponto mais próximo da verdade a que pude chegar. Se há uma idéia que eu quero passar para o público é: por favor não atirem no mensageiro.”

Young conta que, antes de redigir o texto, reuniu todas as reportagens que haviam sido publicadas sobre Jessica. Depois pediu que a NBC enviasse todas as transcrições e tudo que havia sido dito sobre a militar nos serviços de notícias: “Naquele ponto eu ainda não tinha direitos sobre nada. Apenas me abastecia de reportagens.”

O jornal Washington Post, então, relatava tudo em estilo Rambo. A história teve início em 23 de março deste ano. Era toda sobre como Jessica, naquele dia, aos 19 anos, supostamente ferida a tiros e a facadas, teria esvaziado seu rifle e sua pistola, além de esfaquear três iraquianos e foi, depois, vítima de atos brutais. Em 1º de abril, no entanto, contra todos os problemas, as forças militares dos Estados Unidos a resgataram de um hospital de Nassiriyah (sul do Iraque).

Segundo Young, o primeiro rascunho de seu roteiro, anunciado publicamente dez dias após o resgate, foi baseado na história do Post. “Estava absolutamente seguro em relação a ela”, afirmou. A princípio, todos estavam atrás de Jessica para conseguir seus direitos, que não podiam ser vendidos até que ela saísse do exército. “Quando me dei conta de que ela não poderia vender os direitos, compramos os direitos de Mohammed al-Rehaief, o advogado iraquiano que viu Jessica no hospital. Ele a viu sendo estapeada por um coronel iraquiano e saiu correndo para o deserto até que encontrou alguns marines. É preciso lembrar sempre que esta é a versão de Mohammed. Eu o entrevistei pessoalmente”, afirmou o escritor.

A partir desse momento, um ponto fundamental se apresentou a Young: por que Mohammed fez o que fez? “Quando soube que sua filha e sua mulher estão nos Estados Unidos com ele, comecei a entender. Esta é a questão do filme para mim: um civil iraquiano que arriscou sua vida para salvar uma norte-americana porque ele também tinha uma filha e quando viu esta jovem no hospital achou que deveria salvá-la”, explica o roteirista.

Do ponto de vista do autor, existia a necessidade de encontrar algo que humanizasse a história e a tornasse apolítica. Caso contrário, Young disse que não teria aceitado o trabalho: “Eu tenho de escrever um filme no qual o personagem trabalhe dramaticamente, não importando se ele estava me contando a verdade.”

Protegida – Ao mesmo tempo, Jessica, ou O Resgate da Soldado Lynch, também é a história de uma menina norte-americana que, pelo fato de a economia de seu país estar ruim, não conseguiu nem mesmo um emprego no Wall Mart após concluir o ensino médio. Então ela foi para o exército, acreditando que conseguiu uma ocupação na qual estaria protegida: atendente de suprimento.

“Eu escrevi o primeiro rascunho de Jessica em dez dias e levei a Jeff Zucker (presidente de entretenimento da NBC) e Jeff Gaspin (produtor). As anotações de Gaspin pediam que se começasse com o ataque e voltasse em flashback para mostrar como ela entrou no exército. O roteiro acabou sendo mais sobre como ela foi resgatada do que sobre sua entrada nas Forças Armadas”, afirma Young.

O escritor também teve de dar aos advogados da rede de TV todas as informações, cena a cena, sobre qual revista exatamente, qual reportagem, qual página estava sendo usada como referência. Seu relatório, então, foi para o departamento legal da empresa com uma cópia das reportagens.

“Eles checavam duas, três vezes para dizer qual versão poderia ser usada. Na verdade, nunca fui influenciado por ninguém sobre a realidade, porque a realidade como conhecíamos mudava a cada dia. Nos primeiros três meses eu tinha de reescrever os textos a cada dois dias. Uma reportagem era publicada e a rede e seu departamento legal faziam com que eu reescrevesse o roteiro baseado em uma nova verdade”, diz o roteirista.

No momento em que Young e a equipe da NBC tiveram de ir ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos com Jessica para perguntar se seria possível alugar alguns de seus tanques de guerra para locações, o general do Comando Central, de onde saíam as ordens para a guerra no Iraque, deu uma olhada no roteiro. “As únicas anotações que fizeram foi sobre o protocolo militar. Questões simples, como deveriam ser as saudações ou como um soldado falaria com um sargento. Eles foram simpáticos e apenas não queriam que esta parte não fosse acurada”, afirma Young.

Segundo o escritor, foi publicada uma reportagem afirmando que a história da soldado Jessica Lynch iria apenas ser usada como propaganda para o exército dos Estados Unidos. “Mas será que o exército faria uma propaganda dizendo que manda seu pessoal com mapas inadequados e máquinas de GPS em mau funcionamento para uma tempestade de areia, deixando os soldados em uma situação em que acabam por pegar a estrada errada e indo parar no meio de uma cidade ocupada?”, questiona o roteirista. Além disso, a companhia de Jessica Lynch era de manutenção e deveria aparecer apenas depois das batalhas para distribuir café para todos. “No fim das contas, se este filme acabasse sendo sobre o exército, seria sobre um enorme erro do exército.”

Mas essa é a verdade? No roteiro, o ataque contra a unidade de Jessica surgiu tendo como base um relatório divulgado pelo Departamento de Defesa e entrevistas com os sobreviventes (dos 15 militares do comboio, dois foram mortos; a BBC chegou a informar que foram nove mortos). Estes se declaram como não favoráveis ao exército. “Então, talvez seja a verdade. A parte sobre Mohammed e o que ele fez, como já afirmei, me foi contada por ele próprio. Eu acredito que há um pouco da vontade dele de se fazer mais heróico do que foi, mas eu diminuí o apelo da sua história. Sua participação no episódio é tratada no roteiro mais no sentido de alguém que colocou a humanidade acima de sua raça ou país”, conclui o roteirista.




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