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Gould evoluiu a partir de Darwin
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
24/05/2002 | 19:07
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Fazer o homem perceber que é parte de um todo, e não o centro do universo, era o trabalho do biólogo e paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002), morto em Nova York na segunda-feira passada, aos 60 anos, 22 deles batalhando contra o câncer. Gould adquiriu fama de grande divulgador científico em uma coluna mensal na revista Natural History, na qual misturava minúcia histórica e uma coleção de esquisitices do mundo animal com um humor refinado e frescor didático. Suas obras mais conhecidas são Vida Maravilhosa, O Polegar do Panda, Os Dentes da Galinha e O Mundo Depois de Darwin, todos publicados no Brasil, entre outros.

Na ciência, Gould é um dissidente iconoclasta. O darwinismo, em que pese suas modificações sofridas ao longo do tempo, ainda domina o pensamento na biologia, na psicologia e na sociologia. Sua lida diária como professor na Universidade de Harvard e como autor produtivo de livros consistia em protestar contra essa rigidez.

Gould falava em equilíbrio ponderado e não decretou o fim da seleção natural apontada por Charles Darwin em sua teoria como principal mecanismo da evolução. Para Darwin, dizia, bastava o peso de defender a origem animal do homem e nossa evolução a partir de espécies inferiores.

O termo “inferiores” era questionado por Gould: “O que quer dizer exatamente? Menos complexo, menos importante? Quem mede o grau de importância dos seres? E como dizer, do ponto de vista da vida (ou ecossistema), que uma existência vale mais do que outra?”. Gould dizia que a evolução não tinha caráter linear e direção definida. A variação das espécies seria antes de tudo um processo caótico, “uma colcha de retalhos, e não um bordado”.

A seleção natural reaproveitaria matérias-primas (órgãos, características e comportamentos preexistentes) sem uma finalidade dada. Ao reinterpretar os fósseis da pedreira de Burgess Shale, no Canadá, descobertos no início do século XX, provou que o começo da vida se caracterizou por uma abundância de espécies, das quais foram selecionadas ao acaso apenas algumas – aquelas que incluem hoje todos os animais do planeta. Nós, inclusive. Isso contrariou as até então incontestáveis bases darwinistas e evolucionistas tradicionais – que propunham a progressão de poucas formas simples de vida para espécies mais complexas.

Para Gould, um século e meio depois da teoria da evolução, o homem não consegue assimilar a idéia de que é apenas parte de um todo, inserido no universo, que não começa nem termina com sua extinção. A idéia de que o homem era o ápice da evolução provocava asco em Gould. Vida é diversidade, dizia, e evolução quer dizer variação e não complexidade. Exemplificava com as imprevisibilidades da vida – a sua própria – e com a falsa precisão das estatísticas.

Em julho de 1981, Gould soube que sofria de mesotelioma abdominal, uma forma fatal de câncer. Pesquisou a doença e escreveu na revista Discover em 1985: “A literatura não podia ser mais brutalmente clara. O mesotelioma é incurável, com uma mortalidade média de apenas oito meses depois do diagnóstico. A maioria das pessoas sem nenhuma prática em estatística leria uma afirmação dessas como: provavelmente estarei morto em oito meses. Todos os biólogos evolucionistas sabem que a variação é a única essência da natureza... Tenho que me colocar entre a variação”.




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