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Je m'appelle Renault R16
Marcelo Monegato
Do Diário do Grande ABC
22/12/2010 | 07:22
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A inebriante e sedutora beleza francesa passou desapercebida em 1965. Marie-Thérèse Tullid sequer chegou à semifinal do concurso de Miss Universo, vencido pela tailandesa Apasra Hongsakula. Já a indústria automobilística apresentava um dos mais ‘feinhos', porém extremamente carismáticos, veículos da sua história, o Renault R16. De linhas retas, vincos marcantes e inovações peculiares, o modelo foi um sucesso de venda e crítica durante mais de 15 anos de fabricação, totalizando algo em torno de 2 milhões de unidades.

O hatchback produzido em Sandouville nunca foi importado oficialmente para o Brasil. Além do ‘Velho Continente', circulou por Austrália, Estados Unidos e até mesmo Venezuela. No entanto, por uma dessas obras do destino que as lendas automotivas não conseguem explicar, como um R16 TS 1972 veio parar em solo brasileiro e hoje vive pelas ruas de Santo André sob a tutela de Osmar Mateus Martins.

O proprietário de 46 anos, dono de uma loja de autopeças no bairro Campestre, ficou sabendo por um amigo, em setembro de 2004, que o francês estava à venda em São Mateus, Zona Leste de São Paulo. "Quando o vi pela primeira vez, ele estava em estado deplorável. Para tirá-lo de lá, tive que arrastá-lo, pois as rodas estavam travadas", conta Martins. "Tão ruim ele se encontrava que na saída um senhor que passava me disse: ‘Eu não dou R$ 1 nessa ‘lata-velha'".

Em seis anos, o modelo foi inteiro restaurado nas oficinas do Grande ABC. Assoalho, funilaria, motor, câmbio, pintura, teto. Tudo foi refeito. "As peças são originais e vieram de todos os cantos do planeta. O para-choque dianteiro, por exemplo, veio da Austrália. Já o traseiro, dos Estados Unidos. Tudo eu comprei pela internet após muita pesquisa", detalha Martins, que se orgulha de ter feito muitos amigos pelo mundo durante a saga atrás das peças. "Um senhor da Áustria ficou tão feliz ao ver o R16 que me mandou dois painéis e uma grade de graça."

Assim como muitos antigos, a história deste notável Renault é obscura. Martins tentou descobrir como este modelo veio parar aqui, já que nunca foi importado oficialmente para o Brasil, apesar de uma revista tê-lo flagrado em testes pelo País. "Mandei carta para uma suposta ex-proprietária, mas nunca obtive retorno. Acredito que ele tenha sido de alguma embaixada", revela.

CARISMÁTICO - O Renault R16 TS é extremamente simpático. Tem a aura dos clássicos. Desfilando pelas ruas da região, sua quadradisse de ângulos agudos destoa em meio aos cantos arredondados dos automóveis do século 21. "Lembra muito o primeiro Corcel", reconhece Martins - apesar de o Renault R12, derivado do R16, ser mais semelhante ao sedã da Ford. A cor verde musgo e detalhes em aço inox complementam o charme.

Apesar dos 38 anos, o ‘coração' 1.6 de dupla carburação a gasolina (83 cv) pulsa forte e ‘conversa' muito bem com a transmissão manual de quatro velocidades e manopla na coluna de direção. As arrancadas são fortes e as respostas rápidas.

Um detalhe interessante deste francês é a disposição da caixa de câmbio, posicionada entre o radiador e o propulsor. Estranho? Com certeza! Mas fundamental para a boa distribuição de peso do francês.

"A velocidade máxima dele é de 160 km/h, mas não sei se chega", explica o proprietário, que carrega no peito o broche do xodó sobre rodas.

E pasmem. A distância entre os eixos do lado esquerdo e do lado direito são diferentes. Segundo a ficha técnica, são 2,65 metros do lado direito e 2,72 metros do lado esquerdo - diferença de sete centímetros. Isso ocorre pois o sistema de suspensão independente nas quatro rodas utiliza barra de torção em vez de molas, e como são dispostas paralelamente na traseira, acaba por existir a diferença.

Internamente, o revestimento dos bancos é em tom bege claro. Há descanso de braço central e o painel de instrumentos traz quatro relógios circulares. "Olha que coisa horrível linda. Existe uma entrada de ar sob o capô que leva o calor do motor para dentro da cabine, funcionando como um tipo de ar quente", exalta o proprietário, no mesmo instante em que aciona o vidro elétrico de série.

Atrás, os bancos traseiros são rebatíveis, algo inovador para a época. E o curioso é que são possíveis três configurações diferentes. Os faróis dianteiros têm lentes brancas, mas as lâmpadas são amareladas, assim como as luzes de neblina. As rodas são de 14 polegadas e vieram diretamente da França. "Acredito que este carro tenha 95% de originalidade, por isso penso que conseguirei a placa preta", diz Martins, enaltecendo que o tanque de combustível, por exemplo, é do Corcel com algumas adaptações.

Sobre valores, Osmar Mateus Martins não fala. Dinheiro, definitivamente, não é o que importa. É um antigomobilista na essência. "Algumas pessoas não entendem que não importa quanto foi investido, mas sim a satisfação de ver a história preservada. De ver o carro renascer das cinzas". Sábias palavras. Uma aula de quem, ao contrário de muitos, sabe a importância de preservar a história sobre rodas.

Ah! ‘Je m'appelle' significa ‘eu me chamo' em francês.




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