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Pesquisa: negro tem mais medo de morrer precocemente
Do Diário do Grande ABC
04/06/2000 | 23:32
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O que o jovem negro paulistano mais teme é morrer precocemente. Esta é uma das conclusoes da pesquisa qualitativa O Adolescente Negro em Sao Paulo, feita pelo Instituto Opiniao, a pedido da Fundaçao Cultural Palmares. Realizada com base na técnica de entrevistas em profundidade, com 18 jovens de grupos sociais diferentes, a pesquisa será um dos referenciais do governo federal para a discussao de políticas públicas que beneficiam a populaçao negra.

O medo de morrer cedo - em conseqüência da violência urbana ou sexual e até da poluiçao - aparece como o grande temor dos jovens na pesquisa. Fome e desemprego sao problemas que "perturbam", mas nao amedrontam. A presidente da Fundaçao Cultural Palmares, Dulce Pereira, disse ter ficado impressionada com os resultados da pesquisa, que também será um dos referenciais de encontros que o governo realizará este ano, como preparaçao para a Conferência Mundial sobre Racismo e Xenofobia, em setembro, na Africa do Sul.

A pesquisa abordou vários temas. Para os jovens negros de Sao Paulo, a percepçao sobre as drogas relaciona-se à idéia de que pode haver caminhos mais fáceis e rentáveis do que o longo processo de formaçao escolar. Experimentar droga é uma "questao de tempo e coragem". Resistir aos seus apelos é "uma questao de reflexao."

Os jovens negros nao têm um modelo para reagir ao preconceito. O racismo "parece inexistir no universo do professor", segundo conclusao da pesquisa, a partir da média das respostas. Temas como esse sao geralmente evitados, em vez de ser enfrentados ou discutidos, visando a definir uma conduta.

Os jovens acabam largando a escola como resultado do cansaço e estresse da dupla jornada - que inclui o trabalho - para sustentar a família. A vantagem representada pela escolarizaçao é "distante" e apenas "teórica". Os negros acham que os cursos e diplomas nao sao garantia de emprego nem de remuneraçao à altura do investimento e do esforço.

Segundo a diretora do Instituto Opiniao Raquel Moreno, a pesquisa reflete o pensamento de um jovem que vivencia a sexualidade e os riscos mais cedo, com perspectivas "sombrias" de mercado de trabalho, educaçao e inserçao social. Quanto à gravidez, os adolescentes acreditam que há todas as condiçoes para a evitar. Assim, a culpa pela gravidez precoce é da grávida.

Quando falam do país, os adolescentes destacam os problemas. A violência é percebida como conseqüência do desemprego e da miséria. A imagem do governo é negativa. "Muita promessa", diz a pesquisa. Para eles, a corrupçao substitui a honestidade e o respeito ao interesse público; as expectativas cedem espaço à frustraçao em relaçao a todas as instâncias de poder. Nas classes mais baixas, a paciência chegou "ao limite", segundo a pesquisa.

Os jovens negros acham que escola com segurança, esporte e lazer, além de emprego, sao a maior necessidade do Brasil. Alguns acham que a soluçao passa por igualdade salarial.

Em uma coisa os jovens negros concordam com o presidente Fernando Henrique Cardoso: há uma percepçao de que parte da soluçao teria de partir do cidadao e da sociedade. Os jovens acham que a soluçao também passa pela valorizaçao do próprio país, administrado por "governantes adequados".

Entre as políticas diferenciadas para negros, os jovens sugerem maior puniçao da discriminaçao, mas sempre tentando lidar com o problema de forma preventiva. Somente dois entrevistados sugeriram a criaçao de cotas para negros em universidades.

Dulce enviou cópia da pesquisa à Presidência da República na sexta-feira e encaminhará outras a todos os ministros. Entre as políticas públicas que a presidente da Fundaçao Palmares quer discutir com o governo estao a ampliaçao da segurança nas escolas brasileiras, assunto que deverá entrar no Plano Nacional de Segurança Pública. Dulce acredita que as polícias deveriam ser treinadas para lidar melhor com os jovens negros.

A pesquisa mostrou ainda que os negros de Sao Paulo consideram o rap e o hip hop as duas melhores formas de referência cultural - recebem delas mais "conselhos" e nelas expressam seus sentimentos. Dulce acha que com um pouco de investimento em eventos culturais nas diferentes localidades de Sao Paulo seria possível melhorar as condiçoes de lazer dos jovens. A presidente da Fundaçao Cultural Palmares também pretende discutir com o governo um projeto de capacitaçao na área cultural, como forma de valorizar a cultura negra.




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