Em total contraste com a animação dos homens, muitos dos quais tiraram os turbantes e correram para as barbearias, para eliminar as até então obrigatórias barbas, as poucas mulheres que saíram às ruas continuavam usando a burka, que as cobre da cabeça aos pés.
Entretanto, a longamente esperada emancipação das mulheres afegãs proporcionou um dos momentos mais emotivos e simbólicos da inesperada guinada da situação ocorrida nesta terça, quando duas locutoras leram o primeiro boletim de notícias na Rádio Afeganistão, reaberta depois de cinco anos.
"Somos livres outra vez e agora, que os talibãs se foram, podemos sonhar com uma vida melhor. Mas não podem esperar que depois de tantos anos de crueldade, nos livremos de repente das burkas", declarouJamila Asyaat em frente ao Ministério de Defesa. "Durante demasiado tempo, estivemos fechadas, fomos proibidas de trabalhar e até de ir para a escola, obrigadas a usar esta vestimenta e chegou nossa hora de recomeçar a viver", acrescentou.
A opositora Aliança do Norte, que ontem se apoderou de Cabul, prometeu abolir a proibição para as mulheres de trabalhar ou instruir-se. "Os mujahedines deram a boa notícia a todas as irmãs e mulheres do Afeganistão que podem continuar sua educação e trabalhar conforme o ensinamento islâmico e e com base em nossa honrada tradição", declarou a oposição através de um comunicado.
Uma das pioneiras afegãs da rádio, Farida Hila, não expressou sua alegria por ter dado os primeiros passos no novo mundo pós-talibã, explicando que durante cinco anos sua educação universitária foi desperdiçada devido à falta de oportunidades. "Trabalhei como locutora durante um ano e meio até a chegada dos talibãs em 1996, mas a partir de então estive fechada entre quatro paredes", disse. "Este país pagou minha educação universitária, mas os talibãs impediram que devolvesse essa dívida servindo às pessoas".
Raella Kola foi uma das primeiras mulheres a inaugurar a nova era no Afeganistão, montando em uma bicicleta atrás de seu marido para ir procurar trabalho no bazar da cidade. Com apenas um pano verde cobrindo a cabeça, esta antiga dependente, de 25 anos, disse que é importante que as mulheres sejam incluídas na vida afegã. "Tudo está mudando. Inauguramos uma nova página em nossa história, mas as coisas jamais melhorarão se não aprendermos de nossos erros, que nos causaram tanta infelicidade", acrescentou, retirando ostensivamente o pano por um momento para arranjar os cabelos.
Mais de duas décadas de guerra deixaram um trágico balanço de vítimas entre a população masculina do Afeganistão, segundo algumas estimativas, e as mulheres representam agora 65% da população.
Em dezembro, será realizada em Bruxelas uma cúpula de paz de mulheres afegãs, da qual deve sair uma lista de líderes que eventualmente poderão participar na futura vida política do Afeganistão.
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