Na última semana o Ministério da Educação anunciou que oficializará um grupo de trabalho para reavaliar a reforma do ensino médio. O objetivo é corrigir algumas alterações promovidas na estrutura dessa modalidade e propor um novo desenho.
A iniciativa decorre do protesto de mais de uma centena de entidades solicitando a revogação da reforma realizada no ensino médio. Aprovada em 2017 com prazo de dois anos para adaptação das escolas e sua implantação, a reforma aprovada no governo do presidente Michel Temer trouxe como principal alteração a possibilidade de os alunos escolherem parte das disciplinas. Esta escolha se daria por meio da oferta de itinerários de conhecimento a serem ofertados pelas escolas. A alteração busca, especialmente, ampliar a atratividade do ensino médio aos jovens e tentar reduzir a taxa de evasão neste ciclo.
Diante deste debate, gostaria de convidar os leitores à reflexão para desvendar algumas das questões envolvidas.
Mais desigualdade
Entre as principais críticas em torno da reforma, inclusive pelos especialistas da área, está a potencial ampliação da desigualdade, dado que as diversas escolas não conseguem oferecer a mesma diversidade de itinerários de conhecimento, mesmo dentro da rede pública de educação. Ou seja, as escolas mais estruturadas, tanto com relação a estrutura física quanto pelo corpo docente, conseguirão disponibilizar trilhas mais robustas e diversificadas. Do outro lado, alunos das escolas menos estruturadas terão ao dispor variantes menores de trilhas de conhecimento, potencialmente menos sólidas. Isso sem necessariamente comparar as estruturas da rede pública de ensino com a rede privada.
Outro ponto importante consiste na importância que a escolha dos alunos em relação às trilhas do conhecimento traz para sua formação. De um lado, abre-se uma possibilidade de participação mais ativa dos alunos na construção da própria formação. Contudo, de outro lado, estas escolhas também impõem aos alunos a escolha de quais conteúdos de conhecimento estão dispostos a abrir mão. Esta calibração entre os conteúdos obrigatórios e os conteúdos que irão incorporar as trilhas de conhecimento deve ser extremamente bem planejada. Alem disso, os alunos, ao realizarem as escolhas, teriam a correta informação sobre a composição dos conteúdos e a complexidade desta escolha?
Outro ponto essencial é avaliar de que forma o sistema de educação está criando condições para cumprir algumas das funções atreladas aos serviços públicos. A primeira já citada acima refere-se à função distributiva das ações de política pública, cujo objetivo central deve ser minimizar as disparidades de acesso dos cidadãos às oportunidades do mercado de trabalho e melhoria da qualidade de vida.
A disponibilidade de um sistema educacional eficiente tem se mostrado mecanismo essencial para alavancar empregos e o bem estar da população em diversos exemplos ao redor do mundo. Ao que parece, a reforma do ensino médio colocada em prática nos últimos anos, segundo especialistas da área, caminha em sentido contrário.
Baixa produtividade
Também deve fazer parte das funções a serem cumpridas pelas políticas públicas a "função alocativa". Ou seja, criar mecanismos que melhorem a eficiência no uso dos recursos econômicos. Um dos problemas centrais da economia brasileira tem sido a baixa e estagnada produtividade dos fatores de produção, incluindo mão de obra. Um sistema educacional de baixa qualidade, inevitavelmente, irá gerar indivíduos com menor capacidade de aprendizado, que se tornarão profissionais, na média, com maior dificuldade de absorver novas técnicas de trabalho e menos produtivos, como vários exemplos mundiais também demonstram.
As diversas provas realizadas para medir o grau de aprendizado dos alunos no Brasil demonstram resultados pífios. É preciso ter diretrizes claras sobre qual formação se quer oferecer aos jovens para pensar na estrutura do sistema educacional, o que vai muito além de reduzir a taxa de evasão apenas.
A realidade está colocada, e não é agradável. Mudanças na melhora qualitativa da formação dos jovens são urgentes e seus resultados não vêm no curto prazo. No atual processo de transição demográfica, em poucas décadas teremos poucos jovens chegando ao mercado de trabalho e, ao que tudo indica, grande parcela deles com formação questionável.
Alguém se arrisca a refletir sobre os efeitos econômicos e sociais desta realidade?
Material produzido por Sandro Renato Maskio, coordenador de Estudos do Observatório Econômico e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Metodista de São Paulo
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