A Polícia Federal encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres uma minuta de decreto presidencial de estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo, de acordo com o rascunho, era reverter o resultado da eleição em que Jair Bolsonaro foi derrotado pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A informação foi divulgada pela Folha de S.Paulo e confirmada pelo Estadão. A minuta imputa abuso de poder, suspeição e medidas ilegais ao TSE na condução do processo eleitoral. O tribunal é presidido por Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro hostilizou seguidamente durante o governo. O ministro conduz inquéritos sensíveis e estratégicos que miram aliados do ex-presidente e o envolvem também em denúncias.
O documento foi encontrado na terça-feira, 10, quando a PF cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa de Torres, em Brasília, na investigação sobre os atos golpistas na Praça dos Três Poderes, no domingo. Além das buscas, Moraes também mandou prender o ex-ministro por ver "fortes indícios" de que ele foi "conivente" com a ação dos extremistas na capital federal.
Torres, que foi ministro de Bolsonaro, havia assumido a Secretaria da Segurança Pública no dia 2 deste mês e, logo em seguida, saiu de férias. Antes de ocupar o posto na Esplanada, Torres já havia sido chefe da mesma pasta na gestão do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que foi reeleito em outubro.
Em razão de suposta leniência das autoridades e da Polícia Militar durante o levante que deixou um rastro de destruição no Palácio do Planalto, no Congresso e na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), Moraes mandou prender também o ex-comandante da corporação, coronel Fábio Augusto Vieira. Ibaneis foi, ainda, afastado do cargo, por 90 dias, e a decisão de Moraes foi chancelada pelos pares na Corte.
Torres está nos Estados Unidos, com a família, na Flórida - mesmo Estado para onde viajou Bolsonaro antes da posse da Lula. Em uma rede social, o ex-ministro afirmou que voltará para o Brasil para se apresentar à Justiça e preparar a defesa. Ao desembarcar, deverá ser preso pela PF.
'Descarte'
Também nas redes sociais, Torres disse que a minuta apreendida pela PF "muito provavelmente" estava em uma pilha de documentos para descarte. "Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública). O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá, vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim", escreveu. "Respeito a democracia brasileira", afirmou.
O estado de defesa, contido na minuta apreendida na casa do ex-ministro, está previsto no artigo 136 da Constituição. O mecanismo permite que o presidente intervenha em "locais restritos e determinados" para "preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".
Torres afirmou, ainda, nas redes sociais, que debates eram comuns enquanto ocupava a pasta na Esplanada no governo Bolsonaro. "No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil."
De acordo com o ex-ministro, a pasta da Justiça sob seu comando foi a primeira a contribuir para a transição do governo Lula. "Tenho minha consciência tranquila quanto à minha atuação como ministro", afirmou Torres.
'Prisão'
Já o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que, se recebesse uma minuta semelhante, prenderia a pessoa em flagrante. "Se um dia alguém me entregar um documento desta natureza, na condição de ministro da Justiça, será preso em flagrante, porque se cuida de uma ideia criminosa contra o estado democrático de direito", afirmou em entrevista à CNN Brasil.
De acordo com Álvaro Palma de Jorge, professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, a possibilidade do uso do instrumento do estado de defesa para intervir na Justiça Eleitoral é uma discussão "sem precedente" desde a promulgação da Constituição de 1988. "Sob qualquer ponto de vista, essa minuta de decreto é absolutamente esdrúxula e inovadora no ordenamento jurídico", afirmou.
De acordo com Jorge, a previsão constitucional do estado de defesa não se confunde com a subversão do resultado eleitoral. "Não se coaduna, de forma alguma, com o instituto previsto na Constituição, que é para a garantia da ordem pública e de outros valores que nada têm a ver com o funcionamento do Tribunal Superior Eleitoral", disse o professor.
Jorge, no entanto, afirmou que a minuta, por ser um rascunho, não tem valor jurídico. Na avaliação dele, ainda é cedo para falar de uma eventual responsabilização do ex-ministro e do ex-presidente em razão da proposta de decreto. "É um papel em um armário. Não tem valor jurídico nenhum. É preciso seguir com a investigação para entender exatamente em que contexto a minuta foi produzida", disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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