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‘Tratava-se de um homem enorme. Em tamanho e em biografia’
Jayme Brener
Especial para o Diário
18/12/2022 | 09:00
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Divulgação


 “É a última peça que ele nos prega”, disse o jornalista Boris Casoy, quando soube da morte de Carlos Brickmann. Duvido. Onde quer que esteja, Carlos Brickmann, o Carlinhos, deve estar morrendo de rir de nós todos, aqui, a escolher palavras para falar sobre sua vida gorda e ancha.

Chamá-lo de Carlinhos já é uma gozação, já que se tratava de um homem enorme. Em tamanho e em biografia. Nascido em Franca, no Interior de São Paulo, foi um autodidata, como tantos outros jornalistas brilhantes. Começou – e não terminou –a faculdade de Direito, mas a verdade é que tinha tinta de impressão nas veias.

Passou pela Folha de S.Paulo, Rede Bandeirantes, mas foi na extinta Folha da Tarde que se destacou mais, ao popularizar a análise internacional e de política. Os mais velhos lembrarão do prêmio que entregou ao último colocado nas eleições para prefeito de São Paulo em 1985, ao mais que obscuro Rivaílde Ovídio. O mote da campanha de Ovídio era: “onde está você, Franco Montoro?”, ao referir-se ao então governador paulista. Pois Carlinhos, ao entregar o prêmio de consolação, não aguentou: “onde está você, Rivaílde Ovídio?...”.

“Quando fui procurá-lo, em 1983, para tentar uma vaga na Folha da Tarde, levei comigo alguns dos meus textos da então Resenha Judaica”, conta a jornalista Desirée Nacson. “Muito sério, ele me fez uma única pergunta: ‘sabe que pra trabalhar aqui você vai ter que escrever em Português....’. Olhei sem entender e logo ele começou a rir e disse. ‘seus textos são ótimos, mas têm muito hebraico... aqui, só usamos Português’.”

Carlinhos saiu do jornalismo diário, assessorou Paulo Maluf, montou uma empresa de consultoria em comunicação e um blog/coluna de sucesso, o Chumbo Gordo, reproduzido por diversos jornais Brasil afora, inclusive o Diário. O gordo do título tinha a ver com o tamanho de Carlinhos, muito reduzido após um acidente doméstico bobo, em São Paulo.

Conheci Carlinhos na Folha de S.Paulo, em meados dos anos 1980. Depois, brigamos muito, eu defendendo o governo de Luiza Erundina, como assessor na área de transportes e ele defendendo o jornalismo sério. Nos fizemos amigos, mas seguimos brigando muito, vida afora. Por exemplo, nas últimas eleições. Carlinhos não admitia apoiar Jair Bolsonaro (“judeu não vota em fascista”, dizia). Mas detestava o PT e Lula. Eu teimava: “Mas se é pra derrotar Bolsonaro, não resta alternativa senão votar em Lula!”, Mais uma briga. E duvido que ele, na hora H, tenha apoiado Lula. Danado, esse Carlinhos.

Isso tudo mesmo odiando a permanente ode que Bolsonaro fazia à ditadura. Afinal, Carlinhos foi com o tio reconhecer o corpo do primo, Chael Charles Schreier, militante da luta armada morto sob tortura pelos esbirros da ditadura militar (essa que os bolsonaristas dizem não ter existido), em 1969.

Brigamos muito. Mas estivemos em muitos debates, juntos, onde eu sempre dizia que nos unia “a verdadeira fé”. O judaísmo? – perguntavam. “Sim, mas estou me referindo principalmente ao Corinthians”, eu respondia. Carlinhos era corintiano roxo. Como roxos somos todos os corintianos. Quando o Corinthians foi rebaixado no Campeonato Brasileiro, em 2007, eu o procurei, arrasado, em busca de consolo.

“Jaimele”, ele me disse, usando um sufixo judaico europeu que indica carinho. “A primeira divisão será sempre onde o Corinthians estiver”. Estava certo, esse Carlinhos.

“Carlos Brickmann esteve presente nos momentos mais difíceis da vida judaica”, lembra o presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil, Claudio Lottenberg. “Nem sempre estivemos de acordo, mas ele era um grande analista político, dono de um ótimo texto e, acima de tudo, de um refinado senso de humor”, emenda Fernando Lottenberg, comissário da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a luta contra o antissemitismo. “Fará muita falta”, conclui.

Não parece ser coincidência a morte de Carlinhos Brickmann ocorrer no momento em que a Folha de S.Paulo demite o colunista Janio de Freitas. São dois episódios do processo de falência do jornalismo sério e investigativo no Brasil. Substituído por blogueiros, blogueirinhas, modelos/atrizes, influencers e por um bando de palpiteiros ignorantes. Não por acaso, palpiteiros que prosperam num mundo distópico em que partes ponderáveis da população acredita em reptilianos, anõezinhos que vivem no centro da série e jacarés amamentados por vacinas. Carlinhos diria: “Jaimele, são todos trisdraitn”, doidos, em idish, idioma falado pelos judeus da Europa Central e Oriental.

Uma velha lenda diz que um grande comediante judeu da Polônia do século XVIII, em seu leito de morte, ao perceber a chegada dos funcionários do cemitério, cometeu a piada final: “por favor, não me carreguem pelas axilas, tenho cócegas.

Por favor, não carreguem Carlinhos pelas axilas, ou ele morrerá de rir de nós. A Bertha, sua companheira, aos dois filhos, à Marli, escudeira fiel, e ao gato Vampeta, um grande abraço.

Jayme Brener é jornalista, sociólogo, escritor e um dos muitos amigos de Carlos Brickmann.




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