Esportes Titulo Entrevista da Semana
Em busca do sucesso fora das quadras
Artur Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
24/10/2022 | 00:01
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Reprodução/Twitter


Um dos melhores jogadores da história do basquete brasileiro, campeão da NBA em 2016 e eleito o melhor sexto-homem da temporada de 2006/2007 na liga norte-americana, Leandrinho agora tenta uma carreira fora das quadras. Campeão na última temporada como técnico de desenvolvimento de jogadores do Golden State Warriors, o ex-ala agora é o principal auxiliar do treinador de outro time da NBA, o Sacramento Kings.

Em entrevista exclusiva ao Diário, o ex-jogador falou sobre o início de carreira fora das quadras, o momento do basquete brasileiro e o camp organizado por ele em São Bernardo no fim da década de 2000.

Raio-X

Nome: Leandro Mateus Barbosa

Idade: 39 anos

Local de nascimento: São Paulo-SP e mora em Sacramento, nos Estados Unidos

Hobby: Estar com os filhos

Local predileto: Quadra de basquete

Artista que marcou sua vida: Michael Jordan

Profissão: Assistente técnico

Onde trabalha: Sacramento Kings

Em 2009, você realizou um evento em São Bernardo, o Leandrinho Basketball Camp. Como esse evento ajudou na formação de novos atletas e por que não teve continuidade?

Quando eu era criança, participei de alguns camps como esse que nós realizamos em São Bernardo e vários outros pelo Brasil, e isso me ajudou na formação como atleta. Me dediquei para assimilar o máximo de informação passada pelos organizadores e falo com convicção que eventos como esse me ajudaram a chegar aonde cheguei. Infelizmente não conseguimos prosseguir com o camp por questões de agenda. Comecei a preparação para as Olimpíadas de 2012, me transferi de equipe na NBA e tudo ficou acumulado. E eu achei que não faria sentido fazer um Leandrinho Camp sem o Leandrinho.

Como descreveria a sua primeira experiência como assistente técnico no Golden State Warriors?

Foi uma grande experiência. Graças a Deus eu tive o privilégio de ter o respeito dos jogadores, principalmente aqueles com quem eu joguei por dois anos e fui campeão, como Stephen Curry, Klay Thompson, Draymond Green, Andre Iguodala, entre outros. Isso me permitiu ter a liberdade para adotar meu método de treinamento e obviamente facilitou a minha comunicação com eles. Meu papel era treinar aqueles jogadores que estavam voltando de lesão, para ajudá-los a dosar o ritmo e não se machucarem novamente. Às vezes eu até treinava com o grupo, substituía alguém que deixava o treinamento com dores ou estava sendo poupado. O Stephen Curry não tinha o hábito de treinar todo dia, então eu o substituía com bastante frequência. Foi muito divertido e, graças ao elenco e toda a comissão técnica, conseguimos ser campeões contra o Boston Celtics. 

Como recebeu a proposta para ser assistente no Warriors?

Eu tinha voltado ao Brasil em 2017 para jogar o NBB (Novo Basquete Brasil). Joguei pelo Franca e pelo Minas, até que em 2020 o Warriors me convidou para exercer uma função fora de quadra. Como eu conhecia todos por lá, sabia que a adaptação seria fácil e então aceitei. O Steve Kerr (treinador) até perguntou o que eu achava de assinar um contrato para ser um veterano vindo do banco e, de início, eu gostei da ideia. Claro que não estava mais no auge, mas estava em forma, não tinha lesão e vinha de boas temporadas no NBB. Eu poderia ser útil entrando alguns minutos em determinados jogos. Infelizmente, por outras questões, isso não rolou, então fiquei como assistente mesmo. No final das contas, deu certo porque fomos campeões. 

Agora está em um time que não é protagonista há muito tempo e tem uma base bastante jovem. Como a sua experiência como jogador pode ajudar o Sacramento Kings a ter uma boa temporada?

É normal um time jovem sentir a pressão em alguns momentos. Na temporada passada, fizemos, no Warriors, a final contra um elenco extremamente jovem do Celtics. Após o nosso título, alguns dos principais jogadores de Boston vieram falar comigo e disseram que lembram de me ver jogar. Eles nunca tiveram aquela experiência antes e isso nos ajudou a derrotá-los. O treinador deles até que era bastante experiente e graças a ele o Celtics quase nos venceu. Mas no final das contas, a experiência do nosso elenco fez a diferença. E, veja, não estou depreciando os jogadores do Boston Celtis, eles são fantásticos. O Jayson Tatum, Jaylen Brown, Marcus Smart, todos excelentes. Mas são jovens e isso conta. Pode ter certeza que na próxima vez que eles chegarem à final novamente, a história será diferente. Agora, no Sacramento Kings, eu quero dar essa experiência aos nossos atletas. Tem coisas no basquete que você só aprende jogando, ganhando e perdendo partidas, e eu estou aqui para mostrar a e eles que isso é completamente natural. Faz parte do jogo e da vida.

Antes do início da temporada, a expectativa era de que houvesse quatro jogadores brasileiros na NBA este ano. Mas apenas o Raulzinho está disputando o campeonato. A que atribui essa dificuldade dos brasileiros se estabilizarem na liga?

A gente teve um momento muito bom no basquete brasileiro, com oito ou nove jogadores na NBA na mesma temporada. Só que o basquete é um esporte muito cíclico, é difícil manter isso. Todo país não chamado Estados Unidos passa por diferentes momentos, gerações boas e ruins, isso faz parte. Os últimos quatro MVPs (melhor jogador da temporada) da NBA foram dados para jogadores europeus. O basquete se globalizou, o que faz com que a concorrência seja muito maior do que antes. Se a gente pegar a Argentina, que tinha quase toda a base daquela seleção campeã olímpica em 2004 na NBA, também está com poucos jogadores aqui neste ano. O melhor jogador argentino hoje é reserva aqui. Antes de vir para cá, ele era titular no Real Madrid. A adaptação é difícil para todos. Até os europeus sentem dificuldade, porque o jogo aqui é muito acelerado. Em outras regiões do mundo, seja na América do Sul, na Europa ou na Ásia, o jogo é mais voltado para a defesa. Na NBA, é raro um jogo não chegar aos 200 pontos. O ritmo do jogo é diferente e da temporada também. Aqui nós fazemos de quatro a cinco jogos por semana, jogamos em casa na sexta-feira e viajamos de madrugada para jogar fora no sábado. Não tem descanso de outubro até abril, é uma rotina que não existe em nenhum outro lugar no mundo. Isso pesa, é necessário tempo para se adaptar. Mas nós temos uma boa geração e tenho certeza que logo eles irão conquistar o espaço deles. 

Na sua visão, o que falta para o basquete brasileiro voltar a ser protagonista no cenário mundial?

Precisamos de um projeto sério de categoria de base. E quando eu digo isso não é apenas na formação de atletas, mas também em estrutura. Precisamos de mais campeonatos, mais jogos. Se o atleta jovem não joga, ele dificilmente irá evoluir seus fundamentos. Nós temos uma liga muito forte e competitiva no profissional e precisamos levar esse sucesso para a base. Ter campeonatos fortes, fazer com que os jovens cheguem ao profissional já com a experiência de jogos internacionais, de títulos, de partidas mata-mata. Eu sei que isso não virá da noite para o dia, demanda um certo tempo, mas temos que fazer acontecer. O Brasil precisa parar de viver de uma ou outra geração boa. Nós sempre tivemos muita mão de obra, mas quanto menos investimentos em categoria de base, mais ao acaso a gente fica. Não podemos esperar um talento raro surgir do nada, temos que ir atrás dos jovens e dar a eles condições de terem o desenvolvimento adequado. 

O Brasil recentemente foi vice-campeão da Copa América de basquete. Como avalia o desempenho da seleção no campeonato?

Eu achei que o Brasil fez um grande campeonato. Infelizmente perdemos para a Argentina na decisão, mas é aquilo que falei sobre experiência. O time dos caras disputou a final da Copa do Mundo em 2019, enquanto o nosso ainda está amadurecendo. Mesmo assim, o jogo foi bem parelho. Perdemos por apenas dois pontos e tivemos chances de vencer. Mas é com jogos assim que você adquire experiência. O Brasil está disputando as eliminatórias para o Mundial do ano que vem e já ter uma final de Copa América, mesmo com a derrota, pode fazer toda a diferença nessa caminhada. Nosso elenco é muito jovem, a maioria joga no Brasil. A maturação deles virá com o tempo, mas estamos no caminho certo. 

Hoje, você é o principal assistente do técnico do Sacramento Kings, então imagina-se que tenha a aspiração de ser treinador um dia. Pensa em treinar a Seleção Brasileira mais à frente?

Olha, a experiência tem sido ótima até aqui, fomos campeões na última temporada e a atual tem tudo para ser um sucesso. Mas não vou mentir, não tenho tanta vontade de ser um técnico principal. Convivi por muito tempo com o Steve Kerr, que é um dos melhores técnicos da história, e sei o que ele passa para ser o que ele é. É um trabalho muito estressante, não é fácil como a maioria pensa. Não é só estudar o adversário para o próximo jogo. Ser treinador vai muito além de segurar a prancheta na lateral da quadra. Você precisa saber se comunicar, ser uma espécie de psicólogo para não deixar uma derrota abalar seus jogadores, ou uma vitória fazer com que eles pensem que são invencíveis. Ser técnico é muito mais sobre se relacionar com as pessoas, engolir algumas coisas que você não concorda, cortar jogadores do elenco contra a sua vontade para obedecer as regras de teto salarial. Tudo isso está envolvido na função de treinador. É claro que não vou fechar as portas para absolutamente nada e ficaria muito feliz de ter meu nome lembrado para o cargo em algum momento. Mas, hoje, eu quero ficar quietinho ali no banco auxiliando nosso treinador. 




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