Política Titulo Entrevista da Semana
‘Só aqui o ouvidor é eleito pela sociedade civil’
Tomaz de Alvarenga
29/08/2022 | 00:01
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Ouvidor municipal é o elo entre o munícipe e o Poder Público. Amanhã a Ouvidoria de Santo André completa 23 anos. Neste período foram mais de 162 mil atendimentos, 115 mil orientações a munícipes e 37 mil mediações entre os solicitantes e o Poder Público. Por meio da Ouvidoria, a população pode reclamar, elogiar, questionar, solicitar uma vasta gama de serviços. No cargo de ouvidor desde o ano passado, Ronaldo Martim esclarece a razão de a Ouvidoria de Santo André ser diferente e mais democrática do que todas as outras do País. E ainda narra alguns casos curiosos.

Qual a importância da Ouvidoria para a população de Santo André?

Toda Ouvidoria é muito importante, porque ela surge em um estágio onde a pessoa que a procura já está nervosa, com as demais instâncias esgotadas. Na Ouvidoria Pública é a mesma situação, ele vai em um determinado setor, pede um serviço, aí o serviço não é feito, ou demora pra fazer, ou é mal feito. Quando ele chega aqui, já chega bravo. Então (a Ouvidoria pública) tem essa importância, que é a principal missão nossa é que nós temos que ouvir, deixamos a pessoa falar à vontade, mesmo que a pessoa esteja errada e depois nós vamos analisar fato a fato. Nós costumamos dizer que o munícipe quando entra aqui na Ouvidoria ele entra com 100% de razão. Durante o atendimento é que nós vamos avaliar se ele vai continuar tendo os 100% de razão ou se ele vai perder a razão em algumas coisas, porque muitas vezes ele não tem a informação correta. E hoje o papel da Ouvidoria tem sido esse, de instruir e de dizer qual é a forma certa de pedir aquele serviço. Hoje o que nós mais trabalhamos aqui não é mais com processos, e sim com informação.

O sr. pode exemplificar?

Por exemplo, às vezes a pessoa vem aqui pra solicitar um desconto no IPTU. Chegou o carnê e não veio o desconto. Aí vem reclamar. Quando você começa a conversar com a pessoa, você vai fazendo outras perguntas e descobre que ela tem três imóveis na cidade, que não mora em nenhum deles e os imóveis são pra locação, enfim, que ela não tem direito ao desconto. Só que ela achava que tinha, por ser uma pessoa aposentada, mas dentro das faixas de renda ela não se encaixava e ela precisava morar no imóvel também. Antigamente casos como este nós abríamos um processo, hoje não mais. Explicamos que se for abrir um processo, ele vai demorar uns seis meses para tramitar e lá no final virá a resposta dizendo que a pessoa não tem direito. Então por que abrir um processo? Hoje a informação é o mais importante.

A Ouvidoria de Santo André está completando amanhã 23 anos. O que mudou desde sua implantação?

Nós percebemos uma mudança no tipo de reivindicação, hoje o cidadão é mais exigente, ele tem mais conhecimento dos seus direitos e quando vem pra fazer uma reclamação, já está pedindo uma qualificação maior em relação àquilo que acontecia anteriormente. Antigamente as pessoas vinham aqui e pediam pra resolver o problema de um buraco na rua. Hoje em dia, eles reclamam se tampam um buraco, se ele foi bem ou mal feito. 

Como a Ouvidoria atendeu no ápice da pandemia de Covid-19?

Passamos por situações que nunca tínhamos passado, como o trabalho remoto, de termos períodos em que nossos funcionários estavam trabalhando de casa, quando instalamos um software que transferia a ligação quando a pessoa ligava aqui pra Ouvidoria e ela ia direto pro telefone do funcionário... Foi difícil. Eles mesmos não estavam preparados pra isso. Começamos também a investir na capacitação dos funcionários, mas o mais importante neste aprendizado da pandemia foi a questão da empatia. Não teve quem não teve um parente, um amigo ou vizinho que pegou Covid-19 ou faleceu por causa da doença, então as pessoas começaram a se colocar no lugar das outras e ver as dificuldades. E isso mudou o nosso comportamento, a forma de atender mudou completamente, então hoje o atendimento é muito mais humanizado do que era, e não só aqui, creio que em todas as repartições públicas.

Como a modernização do atendimento está sendo feita?

A própria questão do digital está atrelada com a pandemia, então nós também tivemos que aprender a entrar neste ambiente digital. Estamos agora com um estudo pra começar a fazer um atendimento, na verdade um pré-atendimento pelo Whatsapp, que é algo que nunca trabalhamos. Também estamos investindo nas redes sociais, com perfis no Instagram e Facebook, respondendo os questionamentos. Tivemos também que adaptar o imóvel, pois estamos em um local antigo, que não está preparado para a estrutura com a quantidade de computadores, com a fiação, tomadas, aterramento, etc. 

A Ouvidoria itinerante. Já vai começar a atuar?

Nós tínhamos postos fixos espalhados pela cidade, mas agora nós pensamos em um trabalho que será feito em feiras livres. Nós mapeamos todas as feiras da cidade, quando elas acontecem, quais são as feiras maiores e menores e vamos montar o material e todos os dias nós vamos estar em uma feira diferente. Vamos rodar por todas elas e quando voltar na última, vamos regressar para a primeira da lista. E faremos o atendimento e também a divulgação, para a pessoa já ter o material pra quando ela precisar da Ouvidoria, ela saber onde ir. Nós já queríamos começar este projeto agora no segundo semestre, mas nós fizemos algumas reuniões internas e avaliamos que ele poderia ter um conflito em relação com o período eleitoral. Nós estaríamos na feira livre distribuindo material e ao mesmo tempo no mesmo local vão ter candidatos distribuindo material de campanha, que as pessoas poderiam assimilar de alguma forma. Então resolvemos deixar passar as eleições. Provavelmente faremos no início de janeiro.

Como é o processo eleitoral para ser ouvidor?

Temos o diferencial de ser a única Ouvidoria do País onde o ouvidor é eleito pela sociedade civil e não é indicado pelo prefeito. Sem lista tríplice, nem indicação direta do mandatário. Passamos por um processo eleitoral, que é o colegiado, formado por 19 pessoas/segmentos da sociedade civil, que abre inscrição, sabatina os candidatos, elege e dá posse. Depois de tudo feito, o prefeito apenas é informado, ele não pode nem nomear e nem destituir o ouvidor. Após a posse, temos 45 dias para apresentar o plano de trabalho, que precisa ser aprovado por eles. Temos que cumpri-lo em três anos. Isso dá um grau de independência muito grande para a Ouvidoria de Santo André, que infelizmente não ocorre no resto do País. 

E a partir daí como vocês definem o plano de trabalho?

Há demandas que são mais rápidas em serem efetivadas do que outras. Então quando citamos percentuais, o fato de 45% do plano de trabalho já ter sido efetuado no primeiro ano, é porque tivemos demandas que eram rápidas de resolver, como por exemplo a manutenção do imóvel, da fachada, são coisas que são mais práticas e fáceis para resolver. E já há outras que demandam um tempo maior e que estão em andamento, como as feiras livres, temos uma parceria que queremos fazer com as escolas municipais, que demanda tempo. Também temos a comemoração de 25 anos da Ouvidoria, pois hoje nós somos a mais antiga do país em funcionamento. Nós tínhamos algumas Ouvidorias que surgiram antes da nossa, como a de Curitiba, mas que deixaram de existir. 

O sr. se recorda de algum caso emblemático? 

Nós passamos uma imagem de bastante credibilidade. Por exemplo, tivemos um caso de uma senhora, em 2009 ou 2010, com uma boa quantidade de remédios de alto custo, alguns em caixas fechadas, que eram utilizados pela mãe, que faleceu. Ela queria devolver estes remédios, que recebia pelo SUS, mas não confiava em devolver diretamente em uma unidade de saúde. Ela queria devolver diretamente pra gente. Nós também não podemos receber os remédios, mas é possível intermediar. Marcamos com a Secretaria de Saúde, vamos junto acompanhar a devolução, documentar e registrar. Ela concordou, foi conosco até lá e tudo deu certo.

Algum outro caso curioso?

Também tivemos um caso muito interessante de um senhor que nos procurou. Ele estava furioso. Ele trabalhava muitas vezes fora do município, ele viajava pela empresa. Um belo dia ele voltou e tinham arrancado a árvore que ficava em frente da casa dele, mas ele não queria, no máximo ele desejava que fizessem uma poda, jamais que a retirasse. Ele registrou a reclamação e fomos averiguar de onde surgiu o pedido. Nós resolvemos um problema e criamos um outro (risos), pois quem tinha feito o pedido tinha sido a esposa dele, que não gostava da árvore e aproveitou que o marido estava fora da cidade e pediu para retirá-la. 

A Ouvidoria já foi procurada para cumprir funções que fugiam completamente das competências dela?

Uma vez fomos procurados pelo Consulado da Itália, pois estavam procurando algumas pessoas específicas que eles sabiam que tinham morado por muito tempo em Santo André. Eles tinham algumas poucas informações e queriam confirmá-las conosco, se em um determinado endereço morava tal pessoa, enfim, não é um serviço característico da Ouvidoria mas nós fomos. E uma das pessoas que estavam sendo procuradas foi localizada, na rua Santo André, que na verdade morava lá a filha da pessoa que eles estavam procurando (a pessoa já tinha falecido). Colocamos os dois lados em contato, pois parece que haviam alguns parentes na Itália que estavam buscando notícias e não conseguiam localizar aqui no Brasil, e não sei o porquê, procuraram a Ouvidoria para isso. Alguém deve ter comentado que “eles resolvem” (risos), então ocorrem essas coisas pitorescas.

Qual é o lema da Ouvidoria?

O que costumamos dizer aqui é que o munícipe nem sempre tem razão no que ele pede, mas ele precisa de uma resposta. Essa é a nossa maior briga. Nem sempre a gente consegue resolver. Mas uma resposta a gente tem que dar ao munícipe, ele é o consumidor dos serviços da Prefeitura, ele paga todos os funcionários municipais com os impostos, inclusive os salários da Ouvidoria. Então ele tem que ter uma resposta.




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