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Tanta casa sem gente, tanta gente sem casa
Luiz Felipe Xavier
13/05/2022 | 01:00
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Na 21ª Carta de Conjuntura da USCS tratei da questão das políticas públicas habitacionais no Grande ABC. A nota na íntegra pode ser obtida em https:/www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs. Este artigo é uma síntese daquela nota.

Uma preocupação que nos assola é um tema reivindicado há muito tempo por muitos ­ a habitação ­, sobretudo pelos que ainda não acharam um lugar para morar...um lugar no mundo. Em essência, a busca por um lugar, seja na cidade ou no campo, é o local onde famílias possam se assentar para realizar suas necessidades, expectativas...seus sonhos.

O que observamos em muitas cidades é que a alocação de recursos públicos coincide com a localização da alta renda acarretando dois fenômenos bem distintos: sobrevalorização do território onde há uma sobreposição de recursos públicos, que é captado pela alta renda; sobreposição de carências socioambientais em territórios onde os recursos públicos são escassos ou são mal utilizados.

O deficit habitacional (cerca de 20,9% da população das cidades do Grande ABC) pode ser mensurado de diferentes formas e em diferentes categorias: deficit habitacional quantitativo trada da necessidade de construção ou aquisição de novas unidades habitacionais; o deficit habitacional qualitativo demanda ações locais voltadas à melhoria das moradias e regularização fundiária; deficit qualitativo em nível agravado é um detalhamento opcional e diz respeito a inadequações mais relacionadas às questões de mercado (inadequação do custo da moradia) e mobilidade (inadequação quanto à localização e à acessibilidade), que aumenta os índices de privação.

Para enfrentar a complexidade que envolve a temática ''habitação'' é preciso colocar um cardápio de opções mais completo de atendimento, posto que a situação das famílias em situação de risco socioambiental é muito abrangente e que muitas das soluções que observamos não tocam nas razões estruturais que criam estas distopias, que foram forjadas desde a gênese do Estado brasileiro.

O território onde se situa a moradia tem que ser bem localizado e suprido de infraestrutura pública, bens e serviços públicos, de forma que as pessoas não sofram grandes deslocamentos para realizar suas atividades, para que não tenham seu tempo de vida útil comprometido. Ações que reafirmem a função social da propriedade e consolidam a ocupação do espaço de forma mais heterogênea (através da mistura de classes) ajudam a corrigir as distopias históricas deste padrão de reprodução de desigualdades, agravado com a pandemia.

Desde a Lei de Terras, em 1850, já se definiu quem seria convidado ''para a ceia''. É possível traçarmos uma breve linha do tempo relacionada à questão habitacional para termos uma ideia de quantos programas foram criados no processo histórico, no âmbito municipal (várias prefeituras), estadual e federal. A extinção da renda até R$ 1.800, por exemplo, na criação do Programa Casa Verde e Amarela, em 2020, apenas reitera que cerca de 80% da população (que se enquadra como deficit) simplesmente não cabe na Constituição!

Tratar de um tema amplo como a habitação exige diferentes formas de atendimento, que podem ser conhecidos na plataforma da Athis (Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social), com famílias que se organizaram de forma associativa na conquista da habitação. Verificamos que há diferentes formas e abordagens para se tratar a temática da habitação nos municípios do Grande ABC mas que ainda são insuficientes para dar conta do deficit habitacional e da produção de bens e serviços públicos.

A construção e constituição histórica do espaço urbano e metropolitano calcado em baixos salários, onde a habitação e outros bens e serviços públicos (educação, saúde, esporte, lazer, cultura, transporte, emprego etc) que deveriam ser encarados como ''direito humano'' não são incluídos no salário do trabalhador, evidencia o quanto este processo de criação do desenvolvimento a partir do subdesenvolvimento produz e reproduz desigualdades (sociais, urbanas, territoriais e ambientais), distopias e diásporas.

Se não tocamos em questões como distribuição de riquezas, não fazemos com que a terra urbana cumpra sua função social, não fazemos a auditoria cidadã da dívida (que compromete cerca de 40% dos recursos da União), não revertermos este processo de desmonte generalizado de tudo que é público continuaremos a reproduzir esta máquina de moer gente para manter um padrão de consumo...para poucos.

É preciso enfrentar esta forma histórica que temos experimentado para que não haja ''tanta casa sem gente...tanta gente sem casa''.
 




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