Setecidades Titulo Retificação
Por mês, nove moradores da região alteraram
nome e gênero no registro

No primeiro semestre, foram realizadas 56 retificações no Grande ABC; população trans explica importância do processo para garantia de direitos

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
24/07/2022 | 00:01
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Agência Brasil/Marcello Casal Jr


Dália, Alexya e Léo são moradores do Grande ABC e já realizaram a mudança de prenome e gênero em suas certidões de nascimento. Esses foram os nomes que eles escolheram e preferem ser chamados. O processo de retificação no registro civil formalizou esse desejo. “A alteração foi a chave para entender e me compreender enquanto cidadã de São Bernardo. A mudança de nome é um enorme passo para uma vida mais digna para pessoas trans e travestis como eu”, descreve Dália Mendes e Silva, 33 anos.

Assim como ela, outras 56 pessoas trans ou travestis da região solicitaram a retificação dos seus documentos aos cartórios da região no primeiro semestre deste ano. Segundo levantamento da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), por mês nove moradores conseguiram realizar a alteração em cinco cidades – com exceção dos cartórios de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra que não formalizaram processos desta natureza durante o período. O número de retificações deste ano é 12% maior que 2019, período pré-pandemia, quando foram realizadas 50 alterações.

Para ajudar outras pessoas trans e travestis a retificarem seus registros, Dália criou o projeto Me Chame Pelo Meu Nome. “A sociedade é muito cruel com a população trans. E o Brasil é o País que mais mata trans e travestis no mundo. Decidi ajudar minhas irmãs para que elas possam viver com um pouco mais de dignidade. Basta a sociedade aceitar e respeitar o nosso direito que já é garantido”, defende Dália. 

Desde junho de 2018 que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece o direito de pessoas trans e travestis de mudar o nome e gênero nos documentos, sem a necessidade de comprovar cirurgia de redefinição sexual ou tratamento para mudança de gênero. O entendimento do Supremo foi a base para regulamentação de número 73 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). No total, são exigidos 17 documentos para retificação, entre identificações e certidões e os valores variam para cada Estado. 

Antes desta decisão, o cartório não realizava a retificação, a pessoa que queria mudar o nome e gênero precisava entrar com um processo na justiça, porém, na época não havia padronização nas decisões, ou seja, um juiz poderia autorizar a mudança apenas se a pessoa realizasse a cirurgia de redesignação sexual, enquanto outro magistrado poderia liberar o processo sem solicitar o procedimento cirúrgico. O bacharel em direito e administrador de empresas, Léo Paulino Barbosa, 52, relata que precisou enfrentar transfobia estatal para poder conseguir garantir a mudança de nome, em 2017. 

“Para que o juiz reconhece meu direito, de mudança de nome e gênero, era necessário fazer uma espécie de negociação com ele. Eu teria que reconhecer que tinha transtorno psicológico para poder receber minha retificação. Porém, mesmo com laudo psicológico e psiquiátrico, o juiz do meu caso pediu mais dois laudos, da assistência social e da psicóloga do Fórum, e seis cartas de pessoas que reconhecessem que sempre fui do gênero masculino e, mesmo assim, meu direito só foi reconhecido após dois anos. Quando penso na transfobia estatal que vivi, sinto nojo”, desabafa Léo, que hoje é ativista de direitos humanos com ênfase em transgeneridades e co-fundador da ONG (Organização não governamental) Transformações, que auxilia pessoas da comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexual, entre outras identidades e expressões de gênero e orientações sexuais). 

MUTIRÃO

Para as pessoas cisgêneros (indivíduos que se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram) a alteração pode parecer apenas um procedimento padrão e formal, porém, quem não se identifica com o seu gênero de nascença (transexuais e travestis) o processo interfere na garantia de direitos deste grupo, descreve Alexya Manente, 25, de Ribeirão Pires. 

A atriz e cantora da Estância participou de uma campanha de retificação promovida pela Casa Neon Cunha, ONG que atende a população LGBTQIA+ da região. 

“Se não fosse por essa campanha não conseguiria realizar a mudança sozinha, tanto pela questão financeira quanto pela quantidade de documentos necessários. A vontade de mudar o nome começou quando tive a certeza que eu era uma pessoa trans e não somente gay, pois sentia que ia muito além de orientação sexual”, completou Alexya. Ela pontua ainda quais serão as primeiras medidas quando estiver com o novo registro em mãos. “Vou poder ir ao médico sem passar por constrangimentos em relação ao nome na ficha de atendimento. Além disso, poderei tomar as providências legais com quem desrespeitar o meu nome.”

Integrante da Casa Neon Cunha, Rai Neves, 40, conta que a organização pretende ampliar as ações de retificação e crítica os valores para retirada dos documentos solicitados. “A maioria das pessoas que participaram da ação são mulheres trans e pretas que vivem em extrema condição de vulnerabilidade. Muitas não teriam condições financeiras para fazer o processo se não fosse por campanhas. Por isso, pretendemos continuar oferecendo ao longo do ano suporte para mudança de nome dos que mais precisam”, finaliza Rai. 

Estudante denuncia episódio de transfobia na UFABC

“A identidade de alguém começa com o nome. Porém, o meu não foi respeitado, justamente em um espaço de conhecimento.” O desabafo é de Mycaell Allegreti, 24 anos, estudante de planejamento territorial da UFABC (Universidade Federal do ABC). Ele denuncia a instituição por transfobia, por parte de um docente de neurociências da universidade. 

Segundo Mycall, seu nome social não foi respeitado na sala de aula, mesmo com a apresentação do RG já retificado, além do mesmo nome já constar na lista de provas. 

O aluno acusa ainda a instituição de demora para atualizar seu nome social no sistema interno, gerando assim diversos constrangimentos.

“As pessoas, alunos, professores e funcionários, aproveitaram que o sistema demorou para atualizar para continuarem me chamando pelo outro nome. Apesar de existirem cotas para pessoas trans na universidade, faltam políticas públicas que assegurem a permanência dessa população no espaço. A mudança só ocorreu porque expus o caso nas redes sociais, senão até agora estaria desatualizado”, afirma.

Procurada pelo Diário, a UFABC alegou, por meio de nota, que “a universidade respeita e oferece suporte incondicional aos direitos humanos, e tem dado especial atenção aos direitos das pessoas que compõem a comunidade LGBTQIA+. A direção tomou conhecimento do caso, por meio de correspondência eletrônica recebida em 15 de julho. Como providências imediatas, considerando toda a responsabilidade institucional em assegurar a ampla compreensão do fato relatado, foi atendida a solicitação de agendamento de reunião entre a reitoria e entidades representativas estudantis para tratar do assunto, incluindo o Coletivo Prisma - Dandara dos Santos.”




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