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Diagnóstico tardio ajuda autistas adultos a se compreenderem

Transtorno psíquico tem diferentes níveis de manifestação, e informação é a chave para garantir a inclusão e também combater o preconceito

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
02/04/2022 | 00:33
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André Henriques/DGABC


O antropólogo Guilherme Falleiros, 45 anos, mora em Santo André e desde 2020 passou a entender melhor diversas situações que passou na sua vida. Seu jeito de se comunicar, suas percepções sensoriais, tantas coisas fora do que se chama de padrão. A cineasta, fotógrafa e palestrante Letícia Soares, 28, moradora de São Bernardo, também só entendeu na idade adulta por que tinha tanta dificuldade em se comunicar verbalmente com as pessoas. Os dois foram diagnosticados com TEA (Transtorno do Espectro Autista), distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por evolução atípica, mas com grande variedade de manifestações.

Hoje é celebrado o Dia Mundial do Autismo, que tem como objetivo chamar atenção para a causa. Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil sejam autistas, mas a falta de estudos prejudica em muito essa projeção. O que se sabe é que, com a formação de mais profissionais capacitados a identificar as características das pessoas que convivem com o transtorno, têm se registrado aumento nos diagnósticos, não apenas em crianças, mas também em adultos. “Muitos pais descobrem o próprio autismo depois de ter filhos”, explica a doutora em distúrbios do desenvolvimento e diretora na Premium Tismo, centro de desenvolvimento comportamental com foco em autismo, Talita Pazeto.

Para Falleiros e Letícia, o diagnóstico os ajudou a se entender, se aceitar e lidar melhor com diversas situações das suas vidas. O antropólogo relatou que passou a se importar menos com a opinião de quem não aceita as suas peculiaridades. Já a fotógrafa define com objetividade uma coisa que mudou muito: depois do diagnóstico as pessoas pararam de tentar obrigá-la a parecer normal. “Preconceitos e discriminações sempre senti, mas não sabia de onde vinham, agora sei que tem a ver com capacitismo, ou com a dificuldade de interagir diante de situações de atenção compartilhada”, define Falleiros.

Também diretora da Premium Tismo, a mestre em distúrbios de desenvolvimento Naiara Adorna destaca que, para um diagnóstico em fase adulta, é preciso que haja um mergulho no passado para identificar características que sempre estiveram presentes. “O autismo é um espectro, tem desde casos mais graves até mais leves e quando as características são leves, isso vai passando ao longo do desenvolvimento. A pessoa tem uma dificuldade, mas não sabe que nome tem”, relata. “Comportamentos rígidos, no ambiente de trabalho, nas relações. Pessoas que na infância eram taxadas de preguiçosas. Porque o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, significa que as características já estão presentes na primeira infância, até os 6 anos. Já tinha alguma característica e as vezes os pais não percebiam”, detalha a especialista.

Tutora do curso de psicanálise da Uninter, a professora Raquel Berg destaca que em adultos é preciso que seja feito o que chama de diagnóstico diferencial. “O autista tem dificuldades de traduzir informações sociais. Mas não pode recortar um comportamento e expandir para um todo. O comportamento da pessoa autista se repete em diversas situações diferentes”, pontua a especialista. “Se o marido tem um comportamento de incompreensão com a esposa, mas compreende a família, os amigos, nos sugere que não é um problema de autismo”, completa, ressaltando a importância de se consultar profissionais especializados.

Atendimento na rede pública é precário, afirmam especialistas

Um dos maiores desafios para que uma pessoa portadora de TEA (Transtorno do Espectro Autista) possa se desenvolver plenamente nas suas capacidades é o diagnóstico precoce. Profissionais da área consultados pelo Diário afirmam que, na rede pública, o acesso ainda é muito precário e, muitas vezes, quando a criança começa a receber algum tipo de tratamento e intervenção, tempo precioso já foi perdido.

Doutora em distúrbios do desenvolvimento e diretora na Premium Tismo, centro de desenvolvimento comportamental com foco em autismo, Talita Pazeto pontua que não há indícios de que estejam aumentando os casos de autismo, mas que, sim, mais profissionais estejam se capacitando para identificar os sintomas. Talita aconselha que quando os pais percebam algum tipo de atraso no desenvolvimento da criança, dificuldade em estabelecer o contato pelo olhar, comportamentos repetitivos, que um profissional seja imediatamente procurado.

Segundo especialistas, há possibilidade de se fechar diagnósticos em crianças muito novas. Mas, enquanto isso não ocorre, também é possível que já sejam realizadas intervenções precoces a fim de auxiliar o indivíduo com TEA no seu desenvolvimento, desde que haja o suporte de profissionais especializados.“É muito importante que os pais fiquem atentos a comportamentos repetitivos com o corpo, braços, pernas, mãos, ou comportamento repetitivo com o brinquedo; dificuldades na comunicação tanto verbal quanto na parte de compreensão”, ponta Talita.

Crianças autistas podem apresentar atrasos de linguagem e entender que o autismo é um espectro, que não vai acontecer da mesma forma em todas as crianças, porque são diversos os comportamentos, auxilia no diagnóstico. “Dificuldade de atender pelo nome, se interessa mais por objetos do que por pessoas. Qualquer sinal que se observe no atraso de desenvolvimento é importante procurar um especialista na área: neuropediatra, psiquiatra infantil, fonoaudiólogo, mas com especialização na área do desenvolvimento. Psicólogos também precisam ser especializados”, aconselha a mestre em distúrbios de desenvolvimento Naiara Adorna.

Psicóloga da Clínica Arte Psico, Alyne Dini reforça que um maior número de casos de autismo está diretamente relacionado a uma maior oferta de profissionais especializados, ainda que em sua maioria, apenas na rede privada de saúde, aliado a mais informações sobre o tema. “Podemos perceber que isso contribui não para aumento de casos, mas, sim, para um olhar atento dos transtornos do desenvolvimento e intervenção já nos primeiros sinais”, conclui.


Mostra, palestra e caminhada marcam o Dia Mundial do Autismo na região

Hoje, data em que se celebra o Dia Mundial do Autismo, Ribeirão Pires sedia a exposição Meu Super-Herói, campanha do Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil), que chama a atenção para valores como o respeito e a inclusão. Até o dia 30 de abril, a Casa do Origami, que fica no Parque Oriental, sediará a mostra (sábados e domingos, das 9h às 16h), que conta com crianças portadoras de TEA (Transtorno do Espectro Autista), que traz à tona suas rotinas e habilidades. A entrada é gratuita.

Amanhã será realizada em Santo André a 4ª Caminhada do Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A concentração será às 9h em frente ao espelho d’água do Paço Municipal. O grupo segue pela Avenida José Caballero e termina o trajeto no estacionamento do prédio da Prefeitura, onde acontece o Domingo no Paço, programa que oferece atividades psicomotoras para estimular a criançada. A caminhada é uma realização da Prefeitura, por meio da Secretaria da Pessoa com Deficiência, e vai contar com a participação de profissionais da gerência de educação inclusiva da Secretaria de Educação e dos alunos da rede municipal, que atende cerca de 650 alunos com TEA, além dos arte-educadores que atuam nos Cesas (Centros Educacionais de Santo André) e vão realizar atividades como malabarismos e truques de magia.

A Câmara de São Bernardo recebe no dia 9 evento com diversas atividades cuja proposta é promover políticas públicas para as pessoas com TEA. As atividades começam a ser realizadas às 14h e não é preciso inscrição prévia. Estão previstas palestras sobre o autismo e tratamentos baseados em evidências científicas, manejo de comportamento inadequado, habilidades sociais, direitos dos autistas, fonoaudiologia aplicada ao TEA, entre outros temas.

Além das palestras com profissionais da área, também será realizado circuito de brinquedos para as crianças com profissionais mediando as interações, brindes, exposição de stands pedagógicos, plantão de dúvidas para famílias, sorteio, entre outras atividades. A Câmara de São Bernardo fica na Praça Samuel Sabatini, 50, no Centro.




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