ABC da Economia Titulo Coluna
Trabalhadores para conselhos de administração
Rita Serrano
18/03/2022 | 00:02
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Na próxima Carta de Conjuntura da USCS, nota técnica de minha autoria tratará, detalhadamente, da participação dos trabalhadores nos conselhos das empresas. Trata-se de tema complexo tanto no que se refere à sua formulação teórica (ambiguidade dos termos e sobreposição de institutos), quanto no que diz respeito às experiências práticas verificadas no mundo (pluralidade de regulações e suscetibilidade a fatores exógenos às relações de trabalho – como crises políticas e econômicas). Do ponto de vista sindical, é um instituto que apresenta oportunidades e ameaças: instrumento para influenciar as decisões gerenciais versus conflitos de interesses, capacitação, responsabilidade civil e criminal pelas decisões tomadas, desequilíbrio de forças entre os membros dos órgãos diretivos. A constante evolução do direito de participação, somada à sua relativamente recente implementação, recomendam que o movimento sindical se aproprie do tema para decidir sobre uma ação estratégica. Afinal, embora o uso de mecanismos de participação comporte riscos, é uma ferramenta adicional de luta por melhores condições de trabalho e de vida, que pode ser imprescindível em contextos de crises econômica e financeira.

Existem estudos que sugerem os benefícios dos sistemas de participação para o enfrentamento dos períodos de crise econômica – como teria ocorrido, por exemplo, na Alemanha por ocasião da crise de 2008. 

Com a conquista de lei específica no governo Lula as eleições ficaram garantidas, mas ainda há muitas dúvidas sobre aspectos legais que orientam tal função. 

Nas empresas públicas federais, existem hoje em torno de 461 conselheiros indicados pelo governo, desses, 50 são eleitos pelos trabalhadores. As poucas empresas públicas estaduais, com mais de 200 empregados, também contam com eleitos.

É preciso destacar que existem poucas mulheres no cargo – a presença feminina não ultrapassa os 12% no Brasil, no conjunto do setor empresarial. Nas estatais federais alcança 28% entre os eleitos por trabalhadores. 

Assim como nos anos FHC, é preciso frisar, ainda, que no atual governo de Jair Bolsonaro os conselheiros que representam os trabalhadores nas estatais vivenciam ataques ao desempenho de suas funções, seja por se posicionarem contrariamente às privatizações, seja pela defesa intransigente do papel da empresa pública e da valorização de seus funcionários. São situações que colocam em risco a própria democracia, já que atentam contra um representante legitimado nos pleitos. 

Está claro que esse espaço de participação ainda carece de debate mais profundo sobre o papel a ser desempenhado e sobre quais ferramentas são necessárias para garantir ao eleito, especialização e independência da gestão da empresa, para efetivamente levar o olhar dos trabalhadores e os interesses sociais para a alta administração, melhorando, dessa forma, a governança, fiscalização, respeito a diversidade, ao meio ambiente e, consequentemente, o aprimoramento da democracia.

De fato, estimular a participação de representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas, que são instâncias que definem seu direcionamento estratégico, pode ser uma boa prática e também pode criar um contraponto importante à visão de curto prazo e de resultados imediatos imposta por dirigentes focados em cumprir somente a agenda dos acionistas, sem preocupação com a sustentabilidade e perpetuidade da empresa e com suas responsabilidades junto a outros atores, como empregados, fornecedores e a própria sociedade.

Isso vale tanto para empresas públicas quanto privadas. Tal discussão incorpora plenamente o conceito ESG (Environmental, Social and Governance), surgido em 2005, em uma conferência liderada por Kofi Annan, então secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Esse conceito, resumidamente, expressa que a operação das empresas deve ser socialmente responsável e sustentável, e que as empresas devem ser corretamente gerenciadas, sempre atentas aos impactos gerados ao meio ambiente, à sociedade e aos parceiros e colaboradores.

Sustentabilidade e perenidade das empresas certamente serão defendidas fortemente por seus empregados presentes em seus conselhos de administração.

Essa pauta deve ser incorporada pelos sindicatos, que podem ousar e encampar o debate para garantir ampliação da representação no setor público e a conquista desse espaço de representação no setor privado.

O conteúdo desta coluna foi elaborado por Rita Serrano. mestra em administração, representante dos empregados no conselho de administração da Caixa, conselheira fiscal da Fenae (Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa) e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. É pesquisadora voluntária do Observatório Conjuscs da USCS.




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