Política Titulo Legado
Celso, pai da regionalidade

Passados 20 anos de sua morte, legado do prefeito andreense continua a servir de inspiração

Wilson Moço
Daniel Tossato
20/01/2022 | 05:47
Compartilhar notícia
Andréa Iseki/DGABC


Vinte anos após a morte do prefeito Celso Daniel, sequestrado em 18 de janeiro de 2002 e encontrado morto dois dias depois em Juquitiba, na Grande São Paulo, o legado do petista, que comandou Santo André por três vezes – a última interrompida no começo do terceiro ano –, ainda serve de inspiração aos chefes dos Executivos do Grande ABC. Para além de administrador preocupado com as situações de momento, o engenheiro vislumbrava o futuro e se tornou líder de um movimento coletivo que ajudou a manter a região como polo industrial e referência econômica no País. Não por acaso ainda é considerado o pai da regionalidade, que para ele seria a garantia de um Grande ABC forte e desenvolvido, inclusive em políticas públicas que permitissem inclusão e melhoria da qualidade de vida.

Desde sua primeira eleição a prefeito, em 1998, Celso defendia que a região precisava enfrentar determinados problemas de forma conjunta, pois muitas das situações adversas que ocorriam em uma cidade produziam reflexos em municípios vizinhos, caso de enchentes, poluição e degradação do meio ambiente. A visão de que o Grande ABC deveria agir como se fosse apenas uma cidade na resolução de problemas comuns levou o petista a idealizar e liderar a criação do Consórcio Intermunicipal, no fim de 1990, colegiado de prefeitos que, inicialmente, tinha como principais bandeiras a destinação de resíduos sólidos e a preservação ambiental, sobretudo da Represa Billings e seu entorno. Sem problemas com cor partidária, conseguiu apoio dos outros seis prefeitos, inclusive do são-caetanense Luiz Tortorello, que sempre foi um dos mais ferrenhos adversários do PT.

Projetos para garantir o sucesso das duas bandeiras ainda patinam, apesar de alguns avanços, e o Consórcio sofreu pequenos abalos em seus pouco mais de 30 anos de atuação, mas se mantém, provavelmente, como o maior legado da regionalidade defendida por Celso Daniel. O petista tinha o olhar no futuro e para além das fronteiras andreenses, mas também vivia e respirava Santo André. Criou políticas sociais e programas de complementação de renda, modelo que serviu de base para o Bolsa Família do governo Lula. Também investiu em saúde e educação, urbanizou favelas e aprimorou o Orçamento Participativo, sistema pelo qual a população de todas as regiões da cidade podia participar de reuniões e apresentar suas demandas. E ele ia aos encontros, porque queria saber quais eram as prioridades dos moradores.

O homem que seria o coordenador da campanha de Lula à Presidência em 2002 foi o responsável pela quebra de paradigmas no PT. Contestou o radicalismo ao garantir políticas consideradas neoliberais, como privatização e captação de recursos estrangeiros. Também obteve créditos internacionais que viabilizaram projetos voltados à retomada do desenvolvimento econômico, como Cidade Pirelli e Eixo Tamanduatey, em áreas ao longo da Avenida dos Estados e entorno. 

Criação do Consórcio é a principal marca

Os prefeitos que estão à frente das administrações do Grande ABC são praticamente unânimes ao apontar Celso Daniel como fundamental para o fortalecimento do sentimento de regionalidade nas sete cidades, sobretudo entre os agentes públicos, principalmente com a criação do Consórcio Intermunicipal. A atuação do petista em defesa da união dos municípios, independentemente de partidos, é elogiada pelos atuais chefes de Executivos. “Ele deixou um vazio que nunca será ocupado. Era unanimidade entre os políticos da região”, comenta Clóvis Volpi, de Ribeirão Pires (PL). 

 O prefeito andreense Paulo Serra (PSDB) diz que “Celso, como gestor, tinha ideias à frente do seu tempo”, e cita o conceito de regionalidade que resultou na criação do Consórcio como uma, entre muitas. “Podemos lembrar da modernização administrativa que ele fez na cidade, como a praça de atendimento (agrega serviços no térreo do Paço). E até hoje ele é lembrado como um dos melhores prefeitos da história de Santo André.”

 Processo iniciado pela Prefeitura para planejar a cidade até 2053, ano em que completa 500 anos, o Marco Regulatório da Política Urbana aposta na participação popular em reuniões para apontar problemas e encontrar soluções em todas as áreas. A ideia tem formato semelhante ao orçamento participativo, modelo iniciado no Rio Grande do Sul e aprimorado por Celso Daniel. “Santo André já teve com mais força essa marca. A gente está retomando e atualizando. Não dá para, no mundo que a gente vive hoje, imaginar que vai ser nos mesmos formatos das reuniões da década de 1980 e 1990. As ferramentas são outras e a sociedade é outra”, disse o prefeito quando do lançamento do projeto, em novembro.

 José Auricchio Júnior (PSDB), prefeito de São Caetano, também avalia que “Celso Daniel é, sem dúvida, uma das figuras políticas mais importantes da história do Grande ABC, e cita como grande legado do petista o Consórcio, que nasceu porque ele era incentivador da integração regional. “Estudioso e arrojado, ainda está presente nas políticas públicas inovadoras que implementou”, aponta. 

 Já Orlando Morando, de São Bernardo (PSDB), comenta que a cidade perdeu, à época, “um prefeito que fazia uma boa gestão, deixando a sensação de que até hoje está presente na vida das pessoas”. “Infelizmente, foi assassinado de forma cruel.”

 O prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior (PT), diz que teve o privilégio de conviver com Celso Daniel por mais de dez anos, e que ele foi um dos melhores prefeitos que o Grande ABC já teve. E comenta que até hoje sente “a morte prematura de um gestor e um ser humano que faz muita falta não só ao PT, mas à região e ao Brasil.”

 Claudinho da Geladeira (PSDB), de Rio Grande da Serra, lembra que o início de sua militância política foi justamente no PT, e com Celso Daniel, a quem considera “um grande professor” e político visionário, “com um olhar diferenciado”, ao qual atribui o maior legado do petista, a criação do Consórcio, “que tornou-se exemplo para todo o País e fortaleceu a regionalidade.” O prefeito de Mauá não respondeu.

Irmão e ex-prefeito João Avamileno destacam a visão progressista

Com ideias e propostas inovadoras, Celso Daniel revolucionou metodologias de políticas públicas ao implementar novos programas e lançar olhar atento às necessidades de moradores, empreendedores e empresários. Não por acaso, o irmão Bruno Daniel afirma que é “justificável que as pessoas ainda lembrem dele como gestor”, inclusive porque “sempre teve visão progressista em se tratando de políticas públicas”, avalia. 

 Pensamento corroborado pelo ex-prefeito petista João Avamileno (hoje no SD), que à época do assassinato era o vice e teve de assumir a vaga deixada por Celso. “Ele trouxe novas visões de administraçao pública quando foi prefeito. Deixa um grande legado, principalmente na questão regional e a criação do Consórcio. Aprendi muito da política com ele. Vim do chão de fábrica e percebi o quanto ele tinha visão bem à frente em diversas coisas Tive que substituí-lo, mas foi muito difícil, ainda mais do jeito que aconteceu”, comenta Avamileno, que depois foi eleito prefeito.

 Ainda segundo Bruno Daniel, o legado do irmão não ficou restrito a Santo André e região, porque muitas das iniciativas implementadas em suas gestões se espalharam para vários pontos do País. Frisa que Celso ia além dos limites de Santo André, e avalia que o “Consórcio é mais um exemplo de como ele pensava regionalmente”, porque tinha a visão de que alguns problemas não eram restritos a uma cidade, pois impactavam a todas. Entre outras áreas, ele cita que o então prefeito “pensou nos problemas ambientais ou em questões voltadas à mobilidade urbana da região”.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;