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‘O Brasil foi um desastre na gestão da pandemia, mas deu show na vacinação’
Francisco Lacerda
Do Diário do Grande ABC
10/01/2022 | 08:30
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Divulgação


Com aumento de novos casos de Covid, crescimento vertiginoso de ocorrências relacionadas à variante ômicron, o vírus da Influenza potencializando sintomas gripais e levando à lotação unidades de saúde e ainda com presença de outras cepas, o Brasil corre risco de sofrer nova onda de contaminações. É o que assegura o médico infectologista José Ribamar Branco, fundador e diretor do IBSP (Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente). O profissional diz ainda que a situação se agrava aos não vacinados e classifica como "desnecessária" polêmica sobre vacinação de crianças na faixa etária entre 5 a 11 anos. "É inaceitável esse tipo de politização de coisa tão séria."

O que ''sobrou'' da Covid-19?

A gente pode imaginar que, com a Covid, já temos dois anos depandemia,ou18 meses.Parece tempo muito longo, mas, para doenças infecciosas, é tempo muito pequeno. A gente sabe muito mais agora do que há 18 meses, mas ainda existem muitas coisas a serem definidas sobre esta pandemia. Há incertezas sobre origem do vírus e sua evolução futura. Ainda estamos aprendendo sobre essa nova variante e outras variantes surgirão. Precisamos neste momento não criar falsas expectativas em relação ao futuro. O pós-Covid é mudança muitogrande no mundo, que vai se dar igual quando teve gripe espanhola, ou fim da Segunda Guerra. O mundo mudou muito pós esses eventos.

Pode explicar o que são variantes (delta, ômicron etc)?

A gente precisa relembrar que todos os vírus, incluindo o que causa a Covid-19, mudam com o tempo e com muita frequência. A maioria das mudanças tem pouco ou nenhum impacto na propriedade do vírus, no entanto, algumas dessas alterações podem afetá-la. A OMS (Organização Mundial da Saúde) tem rede de especialistas que monitoram essas mudanças e dão alertas importantes, se a variante é interessante, se é preocupante. E eles classificam a variante para que a gente possa entender isso melhor. Por isso que nós temos a primeira variante pós-vírus original, que foi a alfa, que surgiu em setembro de 2020, na Inglaterra. Depois veio a beta, em maio de 2020, na África do Sul, e a gama, no Brasil, em novembro de 2020. Depois surgiu, em outubro de 2020, a delta, que era anteriormente a dominante. Mas com o surgimento, no fim de novembrode 2021, da ômicron, ela hoje já domina em torno de 60% ­ em alguns países 90% ­ dos casos novos do coronavírus.

Como surge a variante?

O vírus vai mudando, mudando até que uma hora essa mudança causa impacto maior e aí fica-se monitorando (a variação). O grande desafio agora é que essas variantes são muito maisgraves para aqueles pacientes não vacinados,ou para aqueles países que têm baixa taxa de vacinação.

O que é esta síndrome gripal que tem lotado as unidades de saúde da região?

Toda mudança de estação temos o aparecimento das síndromes gripais. São quadros virais respiratórios nos quais se tem febre, dor de garganta, coriza. E o que nós estamos vivendo hoje no Brasil, principalmente na Grande São Paulo (onde está inserido o Grande ABC) é a ocorrência de dois vírus circulando, o da influenza ­ da gripe comum ­ e o da Covid (coronavírus). E isso faz com que prontosocoros estejam lotados porque muita gente tem sintoma respiratório e procura orientação médica.

Quem deve procurar orientação médica?

Os pacientes de grupos de risco, ou seja, aqueles com mais de 65 anos, aqueles que têm doenças crônicas e as gestantes, que, devido (ao perigo da) influenza, têm quadro mais grave. Muitas dessas consultas podem ser feitas por telemedicina, muitos hospitais privados estão disponibilizando isso, através de teleconsulta.

O que vem a ser a ''flurona''?

Nada mais é do que infecção pelo influenza, o H3N2, que é o vírus que circula atualmente, e o da Covid. E quando se faz o painel viral, aquele exame diagnóstico pelo cotonete no nariz, tem-se o diagnóstico, que vai apontarse a pessoapode ter o vírus da influenza e o vírus da Covid. Mas não se sabe qual é o impacto da ''flurona'' no Brasil porque estamos testando muito pouco. Na rede privada a gente consegue fazer esse painel viral em quase todo mundo. Já na rede pública temos ainda dificuldade. E desde que os hackers invadiram o site do Ministério da Saúde a gente tem apagão do número de casos hoje no Brasil.

A ''flurona'' potencializa o risco de contágio e até de mortes?

Hoje, momento em que se tem síndrome gripal, ou seja, febre, coriza, dor de garganta, sinais respiratórios simples, (o infectado) deveria se isolar ou usar máscara para tentar não transmitir isso a outras pessoas.

Quais são os grupos de risco para ter mortes?

São os de pessoas acima de 65 anos, os com doenças crônicas e as grávidas, que têm potencial maior de risco de morte. Daí a importância de, qualquer sintoma mais grave, procurar ajuda médica. O mundo tem enfrentado novamente recordes diários de Covid agravada pela variante ômicron.

Qual o risco de o Brasil sofrer de novo essa situação?

O Brasil corre risco, sim, de ter epidemia. Já estamos vendo na Grande São Paulo número absurdo de casos de influenza e de Covid. A Covid aumentou nas últimas semanas quase 41% em novos casos e a influenza vem dominando o cenário nos hospitais privados. Há grande risco de agente ter procura enorme de pacientes nos prontos-socorros devido aos sintomas dessa síndrome gripal.

Tem alguma boa notícia?

Tem. A ômicron, variante nova, não causa hospitalização nem óbito. É muito baixa a taxa em pessoas vacinadas. Nas não vacinadas há risco enorme de causar dano semelhante ao que ocorreu no início do ano passado em relação àquelas pessoas que não tinham nenhuma imunidade contra a Covid.

Festas de fim de ano, liberação de blocos de rua e desfiles de Carnaval podem agravar a disseminação do vírus e a influenza?

Existem muitos trabalhos bem definidos que (apontam que) não podemos liberar festas de fim de ano, como foram liberadas,nem shows, grandes aglomerações, porque temos grande risco de disseminação dos dois vírus que circulam atualmente (influenza e coronavírus). O Carnaval é um dos grandes problemas para o Brasil nos próximos meses, deve haver grandes aglomerações, é festa que envolve muitas pessoas. Há grande risco de isso gerar grande número de casos de Covid e de influenza.

Como especialista na área, o que sugeriria às autoridades para evitar esse risco?

Acho que o grande desafio é que os políticos respeitem as orientações da ciência. A comunidade científica tem trabalhado muito contra a desinformação que existe sobre a Covid. As autoridades devem seguir as orientações da comunidade científica.

O que o senhor tem a dizer às pessoas que são contra a vacina?

Há discussão entre os profissionais de saúde sobre tanta desinformação sobre a Covid. Nos últimos dois anos enfrentamos enorme desafio global. Precisamos reconhecer que há vasta quantidade de pessoas no mundo que confiam na ciência, talvez mais do que confiam em políticos, e estão dispostas a aceitar a ciência, incluindo a aceitaçãode vacina que foi desenvolvida em dez meses. Mais pessoas conseguem entender a diferença entre vacina e medicamento e podem definir o que é um vírus. No entanto, há sempre pessoas que questionam a ciência, duvidam dela e desafiam, isso tem sido verdade ao longo da história. Precisamos reconhecer que haverá algumas pessoas que nunca serão persuadidas, por causa de suas crenças, e provavelmente há grupo muito maior de pessoas que simplesmente não têm certeza, por motivos pessoais perfeitamente compreensíveis. Elas não estão convencidas, não são totalmente contra. É esse grupo que a gente tem de trabalhar. João Doria, governador do Estado, assinou decreto que determina que todos servidores públicos estaduais deverão apresentar comprovante de vacinação.

Acha a medida válida? Não fere o direito da individualidade?

As repartições públicas têm de obrigar a vacinação, não tenho a menor dúvida. A própria Itália determinou que todas as pessoas acima de 50 anos são obrigadas a se vacinar. É medida assertiva. A vacina é segura, tem eficácia. Onde a gente viu que a mortalidade diminuiu foi nos países onde o grau de vacinação foi muito alto. À medida em que temos 60%, 80%, 90% da população adulta vacinada, houve queda na mortalidade.

Sobre a polêmica da vacina a crianças de 5 a 11 anos, o senhor acha importante?

Essa é polêmicatalvez atédesnecessária. Primeiro porque a Anvisa(Agência Nacional deVigilância Sanitária) já autorizou a vacinação de crianças, existem evidências de que a vacina é segura e eficaz para criança. O benefício da vacina contra a Covid para criança de 5 a 11 anos é muito maior do que o risco de não vacinar. Há evidências científicas que asseguram o uso da vacina. Desnecessária essa discussão,que foi colocada pelo governo federal. É inaceitável esse tipo de politização de coisa tão séria, para a gente poder controlar esta pandemia no Brasil.

O Brasil comemora queda no índice de casos de contaminações e mortes por Covid. Mas ainda convive com delta, ômicron e agora surto de H3N2. Existe risco de o País enfrentar nova pandemia?

O risco de termos novos surtos está presente, mas provavelmente teremos surtos por meio de pequenas ondas e não de casos, como foi no começo de 2021. Vamos ter outras variantes, como a ômicron agora. O mais importante é que a gente possa vacinar o maior número de pessoas globalmente, com isso a gente vai reduzir a chance de aparecimento de cepas resistentes, de variantes resistentes e que causam danos maiores. Estamos no caminho. O Brasil, por enquanto,ganhou a primeira batalha. Foi muito ruim o Brasil no começo da pandemia, na gestão da pandemia foi desastre, mas na vacinação deu show, mostrou capilaridade para fazer vacinação em massa e tem demonstrado em várias oportunidades.

Os cuidados devem ser mantidos ou há necessidade de novas medidas para enfrentamento a tudo isso?

O conselho é que a gente precisa vacinar o maior número de pessoas, principalmente aquelas que não receberam a segunda dose, devem receber, completar seu calendário vacinal. As que precisam da dose de reforço devem procurar postos de saúde e completar seu esquema vacinal. Isso é fundamental para a gente ter controle desta pandemia. 

Raio X

Nome: José Ribamar C. Branco Filho

Idade: 58 anos

Local de nascimento: Pedreiras, no Maranhão

Formação: médico, pela Universidade Federal do Maranhão ­- residência médica em doenças infecciosas e parasitas no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo

Hobby: ler

Local predileto: praia

Livro que recomenda: Ruído ­ Uma Falha no Julgamento Humano, de Daniel Kahneman e Olivier Sibony e Cass R. Sunstein

Profissão: médico infectologista Onde trabalha: Hospital Leforte/Dasa e AACD e na minha clinica Epitheli




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