Martha Coolidge tem carreira consolidada atrás das câmeras bem como junto às entidades de classe no cinema. Diretora, entre outros, da comédia Academia de Gênios (1985), foi a primeira presidente mulher do Directors Guild of America (sindicato dos cineastas norte-americanos). Transformou-se em modelo de penetração feminina em território essencialmente masculino.
Em Um Príncipe em Minha Vida, conduz para as telas esse questionamento do paternalismo fossilizado na sociedade. Sua heroína é Paige Morgan, universitária norte-americana que rejeita qualquer envolvimento romântico mais perene, por crer que isso seria futilidade e/ou uma digressão desnecessária de sua meta: tornar-se médica. O papel foi dado a Julia Stiles e eis outra coincidência – a atriz esteve lado a lado com Julia Roberts no inócuo O Sorriso de Mona Lisa, que igualmente se aventurava a peitar a sujeição da mulher e sua “vocação” para dona de casa.
Enquanto Paige cultiva sua alergia pelo sexo oposto, em outras latitudes o príncipe Edvard (Luke Mably) fere tudo o que exige o protocolo para um herdeiro do reino da Dinamarca: em vez de acompanhar as demandas econômicas e estruturais do país, diverte-se em rachas automobilísticos e em numerosos namoricos, fazendo a alegria dos paparazzi e da imprensa marrom.
Martha faz seu próprio A Princesa e o Plebeu, agora pela íris feminina. Edvard viaja disfarçado para os Estados Unidos com o pretexto de que irá aprumar sua vida, para alívio do rei e da rainha da Dinamarca. Conhece Paige, estranha-se com ela, apaixona-se por ela – a velha história dos empedernidos tornados sensíveis.
Um bom trecho de Um Príncipe em Minha Vida fala desse amor incompatível. Mas então a diretora lembra que precisa marcar postura e Paige, apaixonada, vai à Dinamarca após descobrir a identidade de seu amor. Martha coloca à prova as convicções de sua heroína, um protótipo de Lady Di inclinada a realizar-se profissionalmente. Expõe a protagonista às benesses de ser rainha, aos bailes, às jóias, ao conforto. Começam os atropelos, e a diretora hesita entre a heroína contemporânea (independente, dona de si) e a romântica (comum aos contos de fada).
Sua imprecisão transparece nos conflitos de seus personagens – entre a rainha e sua futura nora, entre o príncipe e seus futuros cunhados etc. –, que são insinuados mas resolvidos com a ingenuidade da literatura pré-escolar. Martha conseguiu até engarrafar a rebeldia, seja a do príncipe em relação a seus pais, seja a de Paige em relação ao posto de rainha. E inibe esses atritos de uma forma bem canhestra, pois sugere que Edvard, futuro rei, aprendeu a governar somente depois de ouvir uma ou duas coisas sobre interdependência econômica durante sua visita a uma fazenda localizada no Meio-oeste dos Estados Unidos. Inadvertidamente, Martha prega que se irradie pelo mundo um único padrão de democracia – o norte-americano, mesmo que em sua versão rural.
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