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Menos crianças, mais idosos

Taxa de natalidade na região cai 34% em dez anos; diminuição impacta diretamente no nível de reposição populacional

Thainá Lana
07/11/2021 | 00:01
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A pirâmide etária da população do Grande ABC deverá mudar em apenas quatro anos, quando a região terá mais idosos, acima de 60 anos, do que crianças, de 0 a 14. Mesmo que o período seja relativamente curto até que ocorra a inversão, as causas deste fenômeno estão sendo construídas há muito tempo, com aumento da expectativa de vida das pessoas, melhoria na qualidade de vida do idoso e a diminuição nas taxas de natalidade – fator que impacta diretamente na reposição populacional de um território.

A escolha de não ter filhos sempre foi algo claro para Mariana Domin, 31 anos. A comunicadora de São Bernardo cresceu em lar marcado pela violência doméstica e esse fato mudou completamente sua visão sobre o que é ser mulher. Precisou amadurecer mais rápido que outras crianças da sua idade e precisou trabalhar ainda muito cedo, aos 11 anos.

Sua religião também era outro fator que impactava no desejo pela maternidade, já que segundo o conceito evangélico o filho está diretamente vinculado ao casamento. 

Aos 15 anos, Mariana foi diagnosticada com diabetes tipo 1, hipotireoidismo e com a doença celíaca, patologia autoimune causada pela intolerância ao glúten. Ela acredita que essa enfermidade pode ter causado infertilidade. “A ideia de ter um filho seria um sacrifício para o meu corpo e para a minha mente. Minha maternidade está em outros lugares, não necessariamente no gerar biológico. Me apropriei da minha esterilidade, uma aceitação que já vinha desde criança. O meu propósito de vida não é ser mãe”, assegura. 

Assim como Mariana, na região outras mulheres optaram por não ter filhos, conforme aponta a baixa taxa de natalidade do Grande ABC, que caiu 34% nos últimos dez anos – veja tabela abaixo. Em 2011 as sete cidades registraram 35.355 nascimentos, enquanto neste ano (de janeiro a novembro) nasceram apenas 23.306 crianças. A queda tem sido gradativa e com expressiva mudança do ano passado para este. Estima-se que nasceram 1.942 crianças por mês em 2021, enquanto em 2020 a média mensal era de 2.470 nascimentos – diminuição de 21,3%. 

EFEITOS DA CRISE SANITÁRIA
A pandemia da Covid-19 acentuou os aspectos que já vinham contribuindo para a redução da natalidade no último ano, conforme explica a ginecologista e obstetra, Ana Paula Tarsitano, 37. “Essa diminuição pode estar associada a questões financeiras e sociais. As dificuldades econômicas durante a pandemia, como aumento na inflação e nas taxas de desemprego impactaram na diminuição do poder aquisitivo das famílias, que passaram a adotar o planejamento familiar antes da chegada dos futuros filhos”, esclarece a médica. 

Planejar as despesas e elencar as prioridades antes da maternidade é a prioridade na relação de Caroline Dagnone, 26, e Leticia Mariana, 27. O casal mora junto há quatro anos em Diadema e quando conversaram sobre o futuro da relação descobriram um desejo em comum: viver novas experiências antes de aumentar a família.

“Ter filho não é uma vontade urgente nossa, não está no topo da lista de prioridades. Filho é um compromisso, algo intenso que ocupa 100% de você. Queremos proporcionar uma vida segura para a criança, com educação de qualidade e tudo que ela precisa, e no momento não conseguimos oferecer isso”, conta Caroline, que é educadora infantil. 

Caso o desejo de ser mãe mude, elas pensam em adotar uma criança, ao invés de optarem pela gestação. Na visão de Caroline, o mundo já está super populado e elas não pretendem contribuir ainda mais com esse aumento. 

Além da instabilidade financeira, a mudança cultural no padrão de família e o aumento no acesso aos métodos contraceptivos também podem ser responsáveis pela diminuição nos dados, conforme argumenta a obstetra Ana Paula. Segundo a médica, as pacientes que ela recebe em seu consultório, em Santo André, teriam condições financeiras de terem mais filhos, mas optam por qualidade de vida ao invés de quantidade.

CARREIRA PROFISSIONAL
A inserção da mulher no mercado de trabalho e a priorização da carreira profissional também podem impactar na queda da natalidade, acredita a ginecologista e especialista em reprodução assistida, Adriana de Góes Soligo, 47. “A mudança social e comportamental da mulher em cargos mais altos, que  demandam mais responsabilidades, pode influenciar na escolha da carreira profissional no lugar da maternidade”, complementa a especialista.  

A professora aposentada Maria Cristina Munhoz, 51, de São Bernardo, decidiu desde muito jovem que não queria ter filhos. Ela seguiu com seu objetivo de vida e se dedicou a profissão. “Estudei, trabalhei e me casei com uma pessoa com um histórico parecido com o meu. Enquanto formávamos nossas bases nunca sentimos vontade de sermos pais. Dizem que quem pensa muito não tem filhos, talvez nós pensamos e trabalhamos demais. Mas sou muito feliz com a minha decisão”, conta Maria, que também atuou como bancária. 

A dedicação à carreira profissional pode significar menos tempo disponível para criação dos filhos, razão que pode afetar na decisão da maternidade. “Vejo mulheres mais engajadas e com desejo de estarem mais disponíveis e atuantes na criação dos seus filhos. Essa equação: estar presente contra sustentar a casa e os filhos, pode ser simples em algumas famílias,  mas é motivo de grande aflição por parte de algumas mulheres”, finaliza a ginecologista e obstetra, Ana Paula Tarsitano. 


Taxa de fecundidade baixa eleva a redução de nascimentos

No Estado de São Paulo a taxa de fecundidade (estimativa do número de filhos por mulher ao longo da vida), diminuiu de 2,08 filhos para 1,56, entre 2000 e 2020, segundo estudo realizado pela Fundação Seade, do Governo do Estado, com dados retirados dos Cartórios de Registro Civil. Em 2000, nasceram 699 mil crianças e no ano passado foram 550 mil.

A baixa fecundidade eleva a redução de nascimentos, que impacta diretamente no nível de reposição populacional – fenômeno que será visto no Grande ABC já em 2025. A taxa de fecundidade ideal para reposição é de 2,1 filhos por mulher – quando duas crianças poderão substituir os pais, segundo a ONU (Organização das Nações Unidades). 

Conforme afirma a organização, a maioria dos casais ao redor mundo não consegue ter o número de filhos que deseja porque não possuem condições econômicas e sociais para criar as crianças ou por falta de acesso à métodos conceptivos, no caso de países mais podres. 

Em nível nacional, o País registra a média de 1,94 filho por mulher, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), número que vem caindo progressivamente ao longo dos anos e está abaixo da média mundial, que é 2,40 filhos, em 2019, segundo o Banco Mundial. 




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