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Causos de mulher

Dramaturgo são-bernardense Evill Rebouças estreia
duas montagens na Capital: 'Maria Miss' e 'OhAmlet'

Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
28/05/2012 | 07:02
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As agruras do sertão mineiro não são meros recursos paisagísticos na recriação do universo opressivo que Guimarães Rosa desvelou em 'Esses Lopes', conto que pelas mãos do dramaturgo são-bernardense Evill Rebouças vira 'Maria Miss' e estreia amanhã, no Teatro Eva Herz, em São Paulo.

Assim como no sagrado pedaço de chão do escritor mineiro, onde sempre algo pode florescer em meio à rudeza, invade a história da sofrida protagonista um sopro de vida que a fará perservar na saga de humilhações impostas.

Tania Casttello, Daniel Alvin e Cacá Amaral integram o elenco da montagem, que tem direção de Yara de Novaes.

"Quando menina ela é negociada como propriedade para a família dos Lopes e passa as piores atrocidades", comenta Rebouças, que se apropriou também do que Rosa não diz (mas quer dizer) para traçar o enredo da menina que cresceu ao lado de uma família de homens que se aproveitou dela em todos os sentidos, mas que, apesar das submissões, preservou o sonho de viver e fez da vingança o meio de fugir.

Foi assim quando o são-bernardense criou a cena da vaca que foge do controle de um dos Lopes, deixando o homem enfurecido. "A impressão que me dá é que esses caras veem Maria Miss como propriedade, demarcam o seu chão e a tomam. É como tratá-la como uma vaca, eles a deixam cheia de hematomas para dizer que ela os pertence", diz o autor.

"Aproveito o que ele me dá como diálogo, mas procuro potencializar as imagens que ele coloca por meio de outras situações. Dá para criar uma cena de dez minutos com uma frase de Guimarães Rosa. Sinto ele muito imagético, mas imagético de alma também", completa.

Depois de pequenos desajustes entre o proseado de Rosa e o seu, Rebouças (que também atua e dirige), convidado a integrar o elenco do longa 'A Hora e A Vez de Augusto Matraga', filmado no ano passado, concatenou melhor a alma mineira à sua. "Na primeira versão do texto era muito claro o que era dele e o que era meu. Deixei de lado e fui estudar. Quando apareceu o filme, fiquei 15 dias em uma serra mineira, um interiorzão, e pude perceber melhor ainda o que era meu e o que era de Guimarães. Comecei, então, a estudá-lo de outra forma, enxergar o que ele escreve, suas inversões de sujeito, objeto."

SABEDORIA
Apesar de passar por uma vida de sofrimento até decidir dar cabo dos seus carrascos, para Rebouças Maria Miss não é mulher que silencia. "Esses homens agem pela força. Essa mulher age pelo pensamento. Ela não mata com bala de revólver, mata com sabedoria. Vejo muito isso na alma sertaneja. Diante de um microcosmo, sem salvação aparente, o seu negócio foi não perder a esperança", acredita o escritor.

Maria Miss - Teatro. No Teatro Eva Herz do Conjunto Nacional - Avenida Paulista, 2.073, São Paulo. Tel.: 3170-4059. Ter. e 4ª, às 21h. Ingr.: R$ 30. Até 25 de julho.

Releitura de Hamlet reestreia

O dramaturgo Evill Rebouças reestreará outro espetáculo de sua autoria na Capital. 'OhAmlet - Do Estado de Homens e de Bichos', inspirado na obra de Shakespeare e na fábula 'Amlet', do historiador Saxo Grammaticus, faz temporada gratuita a partir de domingo.

A montagem, realizada pela Cia Artehúmus de Teatro - formada por Rebouças -, explora outras facetas dramatúrgicas do são-bernardense.

A investigação da materialidade, do corpo e de elementos cênicos, corrobora com a palavra em busca de outras traduções para a saga do príncipe dinamarquês que deseja vingar o assassinato do pai.

"São elementos que podem reverberar discursos para a cena. Tem alguns casos, como quando o protagonista segura uma língua, quando Ofélia pisa em cacos de vidro ou o das coroas feitas de ossos. Essa materialidade vem com a intenção de provocar alguma leitura para quem assiste. Se não for consciente, pelo menos que promova algum sentimento", diz Rebouças.

"A obra é aberta, cede espaço para que o espectador a complete. Fazemos dele, nesse processo, um cúmplice nosso, que não distingue o que é teatro e ator, não tem medo da gente", completa.

Política nacional e o ofício artístico viram painel de discussão na releitura, que ocupa espaço não convencional. Hamlet é visto como um mimado que deseja reencenar a morte do pai para conseguir provar, através da reação do tio vendo a dramatização, que foi ele o responsável pelo crime.

"Ele vive todas as regalias do poder, fica indignado com o sistema, mas está instalado nele. A gente provoca, mostra o poder instaurado e pergunta se todos compactuam com a situação."

OhAmlet - Teatro. A partir do dia 3. Na Oficina Cultural Oswald de Andrade - Rua Três Rios, 363, São Paulo. Tel.: 3221-4704. Dom., às 18h e 2ª, às 20h. Grátis. Até dia 24.




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