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Cabral expoe sua trajetória na Pinacoteca
Do Diário do Grande ABC
21/06/1999 | 15:13
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O grande interesse de Antônio Hélio Cabral sempre foi a pintura. Em seus quase 30 anos de carreira, o artista dedicou-se a desvendar os mistérios dessa linguagem universal, explorando incansavelmente o que ele chama de "desafios do métier". Ou seja, procurou aprender as minúcias do desenho, do ritmo, descobrir as estruturas cromáticas e formais que compoem uma obra. De sua primeira exposiçao, em 1970 até os trabalhos recentes - realizados nos últimos dois anos - que expoe na Pinacoteca do estado de Sao Paulo foi um longo trajeto.

Como explica Leon Kossovich no livro da série "Artistas Brasileiros" sobre a obra de Cabral, lançado pela Edusp em 1995 "a relaçao de Cabral com a tela é de confronto". Nessa trajetória, o artista seguiu diferentes caminhos, experimentando materiais, investindo em diferentes estilos, como o expressionismo e o fauvismo, seguindo os passos e estudando os paisagistas paulistas das décadas de 30 e 40, como seu mestre Raphael Galvez, e até mesmo saindo dos limites da pintura por meio da apropriaçao de objetos em construçoes tridimensionais.

No entanto, a atual pesquisa de Cabral concentra-se sobre um segmento clássico da pintura: o retrato. Mas em vez de explorar esse estilo da pintura universal de forma clássica, ele utiliza o modelo para exprimir algo bastante impulsivo, que pode até ser confundido com o abstracionismo. Isso se dá de forma ainda mais evidente nas telas de dimensoes monumentais que ocupam a última sala da mostra. Curiosamente, esses trabalhos nao têm o impacto e a carga matérica das obras menores - nelas o artista retira o excesso de tinta em vez de adicioná-la, deixando as marcas de raspagens - , tornando evidente que seu processo de construçao da figura está intimamente vinculado ao acúmulo de tinta, trabalhado de forma a criar uma espécie de topografia do rosto retratado.

Labirinto e confronto - Essa materialidade da obra reforça o caráter processual e gestual de seu trabalho. "É como se eu trabalhasse no sentido contrário do minimalismo, desenvolvendo uma espécie de maximalismo", brinca o artista, alegando que no primeiro caso os artistas evitam ultrapassar as fronteiras da neutralidade, temem o confronto, enquanto que ele precisa chegar à contradiçao para que o trabalho adquira um rumo. "Acabo criando um labirinto de pinceladas, que se estruturam à semelhança daquele jogo de palitinhos que você tem de puxar um sem desmanchar o conjunto", resume.

Esse embate com a tela é encerrado pela "impossibilidade de continuaçao", diz o artista, mostrando como exemplo um auto-retrato em tons de cinza, laranja e rosa, no qual cada pincelada tem sua funçao precisa para a estruturaçao formal do conjunto e para sugerir ao espectador a idéia de que ali há um rosto. A cor tem uma importância vital na obra de Cabral, mas nao "como uma relaçao absoluta entre superfícies e sim como dado que remete ao corpo da obra e ao corpo do retratado". Em outras palavras, o artista explica da seguinte forma sua relaçao com a questao cromática: "Quando a matéria se casa com a cor você tem a plasticidade absoluta, cada pincelada já define toda uma situaçao espacial".

Os tons que ele utiliza nao têm nada de vibrantes, predominando os cinzas e os ocres. Seus retratados, cujas fisionomias sao bastante difíceis de identificar num primeiro momento, exigindo um recuo do espectador em relaçao à tela - também têm fisionomias tensas e algumas delas chegam a estar fazendo caretas. Segundo a curadora da exposiçao, Mayra Laudanna o fato de Cabral nao seguir o caminho do retrato negociado, procurando agradar, tornar mais atrativo o objeto que está pintando, e preferir exprimir na tela uma visao bastante particular e pessoal dos rostos que pinta é um aspecto interessante de sua obra.

O retrato é, na verdade, a forma encontrada pelo artista de investigar questoes formais da pintura. "O desafio de Cabral é superar a distância entre a figura e o fundo; o volume na sua obra é quase como um relevo e o interessante é que a tela muda conforme o ponto de vista do espectador", ressalta.

Além das pinturas, Cabral também aproveitou a oportunidade para lançar um álbum reunindo cinco litografias. Nesses trabalhos fica ainda mais evidente a importância do gesto em sua obra, já que ao tirar a materialidade garantida pela tinta, resta apenas uma espécie de radiografia do gesto. Também foi organizado um ciclo de palestras sobre sua obra, com a participaçao de Sérgio Miceli, Mayra Laudanna e Leon Kossovitch.

Exposiçao - "Antônio Hélio Cabral". De terça a domingo, das 10 às 18 horas. R$ 5,00. Pinacoteca do estado. Praça da Luz, 2, tel. 229-9844. Até 1.º/8. Abertura e lançamento de álbum nesta terça (22), às 19h30, para convidados.




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