Como praticamente todo segundo capítulo de uma trilogia que conta um enredo só, Piratas do Caribe 2 – O Baú da Morte sofre da síndrome do filme-passarela, do filme-conduíte, sujeito a colar o início e o fim do universo ficcional que aborda e que, por ser intermediário, tem a própria história inacabada. Mas é divertido como poucos foram na crescente lista dos filmes-do-meio, a mencionar De Volta para o Futuro II, Matrix Reloaded e O Senhor dos Anéis – As Duas Torres. Outra vantagem: tem sido muito mais agressivo nas bilheterias que seus colegas de gênero.

É o novo fenômeno financeiro de Hollywood. Nos três primeiros dias de exibição nos Estados Unidos botou Homem-Aranha 2 para correr da liderança no ranking de mais lucrativas estréias da história. Hoje, 12 dias depois, já soma US$ 399 milhões em todo mundo. E ainda tem lenha para queimar.

Retoma o trio central do primeiro filme; o pirata Jack Sparrow (com a afetada interpretação de Johnny Depp que era metade do prazer da obra de Gore Verbinski), o ferreiro Will Turner (Orlando Bloom) e sua noiva, Elizabeth (Keira Knightley). Verbinski também retorna na direção, agora para contar as aventuras dos três diante da ameaça de Davy Jones (Bill Nighy), bucaneiro que arrancou o próprio coração por amor a uma senhorita e o guardou dentro do tal baú enunciado pelo título. Hoje, condenado, recruta marinheiros à beira da morte para sua tripulação de piratas monstruosos, mutações de criaturas marítimas.

E o próximo vestibulando para o exame de pirata-bagre é justamente o capitão Sparrow, que deve a alma a Davy Jones depois que este permitiu que comandasse por 13 anos o Pérola Negra, navio que era objeto do desejo no primeiro filme da trilogia. Para evitar que se transforme no Fausto dos sete mares, Sparrow começa a rastrear, com falcatruas e velas enfunadas, o tal baú e seu conteúdo. Assim terá poder de barganha junto a seu credor.

Essa negociata espiritual é só um pretexto e é de uma tal maneira vulgarizado por Verbinski que seu emprego reforça o filme como paradigma da obra levada às gargalhadas, da grande piada estruturada sobre um argumento que de genial tem só o ponto final. Isso não é censurável neste caso. Pelo contrário.

Voltando no tempo, às origens de Piratas do Caribe. A rigor, não é inspirado nem em livro, nem em peça, nem em videogame, nem em quadrinhos. Sua fonte – mais iconográfica, na verdade, do que ficcional – é um parque temático da Disney, cuja mobilidade o novo filme tenta apreender nas cenas do duelo sobre um moinho e da corrida dentro de uma jaula esférica. Ou seja, bonecos articulados eletronicamente e passeios de montanha-russa viram referenciais numa arte que já tentou de tudo.

Piratas do Caribe 2 valoriza os trejeitos do personagem de Depp e o absurdo anatômico das criaturas digitais que povoam o barco do antagonista, para se situar como novo esforço simultâneo de paródia e narrativa de espetáculo genuína, sem aderir ao estereótipo – prova disso está em uma cena-chave com a mocinha de Keira. Está entre as grandes tentativas de ressurreição das matinês, com uma pontinha de revolução ética e auto-pilhéria. Se Verbinski soubesse filmar, e não só adesivar imagens para passar de ano, seria excelente.

PIRATAS DO CARIBE 2 – O BAÚ DA MORTE (Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest, EUA, 2006). Dir.: Gore Verbinski. Com Johnny Depp, Orlando Bloom, Keira Knightley, Bill Nighy, Naomie Harris, Geoffrey Rush. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 1, 5 e 9, Shopping ABC 4 e 5, Extra Anchieta 1, 3 e 4, Metrópole 3, Mauá Plaza 1, 3, 4 e 5, Central Plaza 1, 4 e 10 e circuito. Duração: 151 minutos. Censura: 12 anos.