Apesar de prevista há mais de dez anos na Política Nacional de Resíduos Sólidos, prática ainda não é tratada como gestão pública plena
Reduzir a quantidade de resíduos gerados é uma urgência em todo o mundo. A adoção de compostagem, que dá destino adequado aos resíduos orgânicos, pode diminuir em até 50% a quantidade de detritos recolhidos. Engenheiro ambiental e urbano e especialista em compostagem, Victor Hugo Argentino explica que compostagem é a reciclagem dos resíduos orgânicos, ou seja, a transformação de resíduos com origem vegetal e animal em composto orgânico, de maneira controlada.
“Considerando apenas resíduos urbanos, a adoção em massa da compostagem teria capacidade de reduzir mais da metade do volume destinados a aterros, cerca de 40 milhões de toneladas por ano, visto que a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) estima (no Panorama dos Resíduos sólidos urbanos no Brasil - 2018/2019) a geração nacional em 79 milhões de toneladas por ano”, afirmou. No Grande ABC, de janeiro a junho deste ano, foram recolhidas 401 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos.
A PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) determina que o município deve “implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido”, mesmo assim, as poucas iniciativas da região não atendem a todos os territórios da cidade.
“A PNRS estabelece que os governos municipais são responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos domésticos e de limpeza pública, além de ser responsáveis por implantar sistemas necessários para a reciclagem dos resíduos orgânicos urbanos, assim como incentivar que resíduos de origem não-urbana, como comerciais (de grandes geradores como supermercados, restaurantes, shopping, etc) também sejam reciclados”, reforça Victor Hugo.
Destinar os resíduos tem custo alto para os municípios e com a compostagem, esse valor também seria reduzido. Em 2019, as sete cidades do Grande ABC gastaram cerca de R$ 346 milhões para mandar o material para aterro sanitário. Para o advogado especialista em meio ambiente, Virgílio Alcides de Farias, o grande volume de dinheiro público que as administrações municipais gastam para enterrar os resíduos orgânicos é ato ilegal. “Atuam contra o erário e merecem responder por improbidade administrativa”, acusa.
Farias destaca que fazendo a coleta seletiva dos resíduos orgânicos e a compostagem conforme dispõe a legislação, os municípios podem reduzir em cerca de 50% os gastos que a população paga para enterrar. “Os prefeitos preferem fazer a gestão antiecológica e antieconômica que atende aos interesses privados”, concluiu.
Líder da Arco (Ações para Reciclagem e Compostagem), Natália Pietzsch afirma que é preciso falar em compostagem para melhorar efetivamente a taxa de reciclagem e o aproveitamento de resíduos nas cidades. “Deve ser internalizado pela população que não se trata de lixo, algo que não possui valor, mas de matéria-prima para a agricultura. A compostagem fecha o ciclo alimentar, devolvendo todos os nutrientes que estão nas cascas e polpa dos alimentos para o solo e, assim, permitindo produzir novos alimentos sem o uso de fertilizantes químicos”, ressalta.
Esta reportagem integra a série Destino do Lixo. Para ver materiais de edições anteriores basta apontar a câmera do celular para o QR Code.
Iniciativas municipais são tímidas
Apesar de estar previsto na PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) que os municípios deem destino adequado aos resíduos orgânicos, as iniciativas no Grande ABC são tímidas. Em Santo André, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) criou em 2017 o Projeto Compostagem nas Escolas, que tem caráter educativo e de sensibilização, para atendimento de 61 escolas. O objetivo era oferecer alternativas viáveis para o tratamento de resíduos orgânicos, incentivar a comunidade escolar a transformar resíduos em composto para hortas e jardins, além de reduzir a quantidade de material que vai para o aterro sanitário.
Em 2019 a iniciativa foi ampliada, passando a se chamar Composta Santo André, integrando também 26 entidades assistenciais, duas unidades de saúde e dois Cras (Centros de Referência de Assistência Social). Atualmente, a ação acontece em 91 locais da cidade. Santo André reaproveita 100% dos resíduos de praças e áreas verdes para composto. Os trabalhos de limpeza e poda nesses locais geram, aproximadamente, 7,33 toneladas por dia de resíduos, os quais são coletados, transportados e triturados pela Prefeitura. O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos prevê como meta a implantação de uma usina de compostagem.
O Semasa iniciou tratativas junto à Prefeitura com o objetivo de desenvolver modelo de compostagem condominial para projetos de habitação de interesse social.
A Prefeitura de São Bernardo informou que encaminha todos os resíduos provenientes de podas e remoções de árvores, assim como das podas de raiz, à Asiite (Associação Santo Ignácio para Integração do Trabalhador Excepcional), localizada no bairro Batistini. No espaço, os resíduos passam por processo de trituração e são transformados em compostagem, que é utilizada na horta comunitária do local.
Mauá informou que incentiva a compostagem por meio de cursos realizados no viveiro da Escola de Jardinagem, que pertence a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, no entanto, devido à pandemia, a ação foi paralisada. Já a Secretaria de Segurança Alimentar, que distribui hortifrúti, reaproveita o pouco que é descartado como compostagem em sua horta própria e também em hortas escolares.
Em Ribeirão Pires, a Prefeitura iniciou projeto piloto de compostagem no Viveiro Municipal. Neste ano, junto ao projeto de educação ambiental nas unidades da rede municipal, seria iniciado trabalho de incentivo à compostagem, que será retomado no reinício das aulas presenciais. Diadema não tem nenhuma iniciativa nesse sentido. São Caetano e Rio Grande não responderam aos questionamentos do Diário.
Instituto Pólis quer mobilizar os candidatos de São Paulo
O Instituto Pólis, atuante em políticas de resíduos sólidos desde 1991, em parceria com 41 organizações, preparou cartas-compromisso, destinada aos pré-candidatos aos cargos nos poderes Legislativo e Executivo da Capital. As cartas apresentam propostas consideradas fundamentais para mudar e melhorar o modelo de gestão municipal dos resíduos orgânicos.
A iniciativa integra a campanha São Paulo Composta, Cultiva, que tem o intuito de aumentar o nível de comprometimento do governo da Capital com as políticas públicas que envolvem a reciclagem dos resíduos orgânicos.
Entre os compromissos sugeridos aos candidatos está a revisão do PGIRS (Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos). Apoiar projetos de lei, normas e iniciativas que obriguem a reciclagem de orgânicos, fiscalização de contratos de concessão e implantar programas de compostagem e biodigestão também configuram propostas das cartas que podem ser conferidas no link https://polis.org.br/projeto/sp-composta-cultiva
RESÍDUOS ORGÂNICOS
Em 2019, a cidade de São Paulo gerou cerca de 15,4 mil toneladas de RSUs (Resíduos Sólidos Urbanos) por dia. Atualmente, menos de 1% são reciclados na cidade, com o restante sendo depositado em aterros sanitários a quilômetros de distância da Capital.
O tratamento atual dado aos resíduos gera despesa corrente em torno dos R$ 2 bilhões à prefeitura anualmente, sendo que R$ 1,2 bilhão são gastos na gestão de resíduos domésticos. O depósito de lixo orgânico em aterros é considerado a terceira maior fonte antrópica (causada por atividades humanas) de emissões de gás metano no mundo, um dos gases de efeito estufa de alto impacto. Em São Paulo, os aterros representam 8,2% do total de emissões.
Se a Capital aumentasse a reciclagem dos RSUs, não só diminuiria o impacto ambiental como incentivaria a economia circular e inclusiva da cidade e da Região Metropolitana. Isso porque, a partir da reciclagem dos resíduos orgânicos é possível gerar compostos que podem ser utilizados como fertilizantes naturais, usados pelos pequenos produtores agrícolas no cultivo de alimentos saudáveis. Estima-se que a adubação orgânica já é praticada em 78% das unidades de produção agrícola da Região Metropolitana, muito superior à média do Estado de 28%.
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