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Rede de corrupçao pode atingir regiao, diz Blat
Sérgio Saraiva

Da Redaçao

27/03/1999 | 21:15
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Sistemas semelhantes ao vasto esquema de corrupçao descoberto na capital podem estar instalados em outras cidades de Sao Paulo, incluindo a regiao do Grande ABC, conforme denúncias recebidas pelo Gaeco (Grupo de Atuaçao Especial contra o Crime Organizado). "Só nao tivemos ainda condiçoes de checar as denúncias com profundidade", explicou um dos coordenadores do grupo, o promotor José Carlos Guillem Blat, em entrevista exclusiva ao Diário. O Gaeco reúne apenas cinco promotores para atender a todo o Estado.
Só no caso da chamada máfia dos fiscais, o trabalho da força-tarefa formada por promotores e dois delegados já resultou em 38 pessoas denunciadas e 50 presas, além de três suspeitos foragidos, 65 funcionários afastados e 50 exonerados até a última sexta-feira. De acordo com Blat, todas as pessoas apontadas nos depoimentos serao chamadas a depor, se necessário, em clara referência aos pesos-pesados Calim Eid e Paulo Salim Maluf, citados por Silvio Rocha de Oliveira, suposto avô de uma filha ilegítima do ex-prefeito. A seguir, os principais trechos da entrevista.
DIARIO - O Ministério Público tinha idéia, no início dos trabalhos, da dimensao que o caso da chamada máfia dos fiscais iria atingir?

JOSÉ CARLOS BLAT - Nao. Num primeiro momento sabia-se do envolvimento de pessoas atreladas ao primeiro escalao do governo municipal, mas nao se imaginava tudo isso.
DIARIO - Já se pode falar numa Operaçao Maos Limpas na capital?

BLAT - A chamada máfia dos fiscais revela a base de todo o esquema de corrupçao e acaba apontando para agentes públicos e pessoas ligadas à política que se locupletaram. Hoje já é mais do que isso. É uma máfia da Prefeitura.
DIARIO - Era corrente entre a populaçao que havia um esquema de corrupçao. Por que nenhuma providência foi tomada antes?

BLAT - O que acontecia antes do episódio da prisao do chefe da Regional de Pinheiros, Marco Antonio Zeppini, é que a lei do silêncio imperava. As vítimas e alguns agentes públicos atrelados ao esquema que queriam deixar de praticar os crimes temiam represálias. A partir desta prisao, da criaçao do disque-denúncia e do apoio irrestrito da imprensa, o quadro foi revertido.
DIARIO - As vítimas, no caso, nao sao culpadas como corruptoras?

BLAT - Nao é bem assim. O que observamos até agora é que os acusados criavam dificuldades para vender facilidades. As pessoas até imaginavam estar participando de um esquema de corrupçao. Mas, na verdade, o esquema armado pela máfia era de extorsao. A máfia impossibilitava qualquer outra via de soluçao para as dificuldades criadas. A grande maioria dos que dava dinheiro era vítima. Mas há casos de corrupçao clássica, como no caso das empresas de lixo. Constataram-se benefícios mútuos entre corruptores e fiscais.
DIARIO - Até onde pode chegar o caso? Quantos estao presos, quantos sao suspeitos e quantos estao sendo investigados?

BLAT - Sao números assustadores. Sao mais de 38 denunciados, mais de 50 prisoes, 30 pessoas permanecem presas preventivamente e há três suspeitos foragidos. Há mais de 65 funcionários afastados e 50 já foram exonerados. Devemos contar também a CPI (Comissao Parlamentar de Inquérito) instalada e vários processos administrativos e judiciais em andamento.
DIARIO - É a primeira vez que é decidida a prisao de um vereador, no caso Vicente Viscome?

BLAT - Em Sao Paulo, certamente. É a primeira vez que é decretada a prisao temporária (cinco dias) de um vereador em pleno exercício do mandato, sob a acusaçao de corrupçao. O inquérito está sendo concluído e o Ministério Público pode pedir a prisao preventiva (prazo indefinido) ao oferecer a denúncia à Justiça. A cada dia que passa se complica mais a situaçao do vereador Vicente Viscome. O pior é que tudo indica que o vereador deve saber demais, o que coloca sua vida em risco.
DIARIO - O sr. acha que o esquema de corrupçao de Sao Paulo ocorre em outros municípios do Estado?

BLAT - É bem provável. Temos denúncias de outras cidades, inclusive do Grande ABC, mas nao tivemos ainda condiçoes de checá-las com a profundidade necessária. Seria leviano afirmar que existe esquema semelhante, mas essa possibilidade nao pode ser descartada.
DIARIO - A ligaçao, no passado, da Enterpa - empresa coletora de lixo que admitiu o pagamento de propinas - com a Pau Brasil, empresa que foi acusada de coletar dinheiro para a campanha de Paulo Maluf, pode levar a uma convocaçao do ex-prefeito para depor?

BLAT - Todas as pessoas apontadas nos depoimentos, no momento oportuno, se for necessário, serao chamadas a depor, sim. Estamos verificando a partir de quando se instalou esse esquema organizado de corrupçao na cidade de Sao Paulo.
DIARIO - Quais crimes podem ter ocorrido no caso de Silvio Rocha de Oliveira, que se disse avô de uma suposta filha ilegítima de Maluf e denunciou um esquema montado para abafar o caso?

BLAT - Na verdade, Rocha foi ouvido na CPI da Câmara por ter sido citado em vários depoimentos como parte do esquema de corrupçao da Regional da Penha. Ele já tinha sido ouvido anteriormente pelo MP, no ano passado, quando revelou a história de caráter privado (sobre sua neta) que nao permitia qualquer iniciativa do ponto de vista criminal. Como envolvia um caso de uma menor com mais de 14 anos, qualquer denúncia de seduçao deveria partir da vítima ou de sua família. Mesmo assim, já na época o crime estaria prescrito. Depois, Rocha voltou ao MP e se retratou, retirando a denúncia de ameaça.
DIARIO - O que o MP está investigando entao?

BLAT - O que estamos verificando é se houve realmente uma vontade de se retratar ou se Rocha foi forçado àquela retrataçao. Se foi forçado, ocorreu uma coaçao no curso do processo. Também estamos observando a questao de ele ter sido atrelado, por apadrinhamento, à Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município) sem saber informática e, estranhamente, prestar serviços na Regional da Penha, sem qualquer funçao. Investigamos se houve compra de silêncio, por qualquer que seja o motivo. E, se positivo, queremos saber de onde surgiram US$ 50 mil para a aquisiçao de uma casa e se o erário público era usado para comprar silêncio.
DIARIO - Qual é exatamente o papel do Gaeco?

BLAT - O Gaeco foi criado pela Procuradoria Geral de Justiça. É integrado atualmente por cinco promotores de carreira que coordenam operaçoes especiais, visando combater o crime organizado. O Gaeco coordena as operaçoes especiais que reúnem agentes de diversos órgaos, dependendo da frente que está sendo combatida. Já tivemos resultados extremamente positivos, inclusive no Grande ABC, como no flagrante da Seccional de Santo André, no ano passado.
DIARIO - Quem faz parte de uma força-tarefa?

BLAT - Sao agentes das polícias civil e militar e suas respectivas corregedorias, da Secretaria da Fazenda, da Receita Federal e, se necessário, de qualquer outro órgao imprescindível numa investigaçao.
DIARIO - A falta de uma lei de proteçao a testemunhas mais abrangente tem prejudicado as investigaçoes?

BLAT - Primeiro: a falta de uma legislaçao eficiente sobre o crime organizado é um grande problema. Segundo: excesso de formalismo no recebimento de denúncias do Gaeco, porque elas sao oriundas de um procedimento investigatório, e nao de inquéritos policiais. Terceiro: nao existe um programa efetivo de proteçao à testemunha capaz de dar proteçao permanente a pessoas que delatem os esquemas criminosos. Falta também uma legislaçao mais eficiente para combater a organizaçao criminosa.




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