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Golas-vermelha da Ford amadurecem em nove anos
Alessandra Ber
Da Redaçao
09/01/1999 | 16:50
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Os golas-vermelhas. Assim ficou conhecido um dos mais longos movimentos grevistas do Grande ABC. O nome era justificado pela gola do uniforme de 300 trabalhadores do setor de manutençao da Ford. Nove anos se passaram, muitos já têm fios de cabelo a menos, mas hoje ainda estao entre os que tentam reverter a demissao de 2,8 mil pessoas na montadora.   

Em julho de 1990, durante uma greve por salários, a Ford deixou de fazer o pagamento de 300 trabalhadores da manutençao que estavam trabalhando. Isso causou revolta e gerou dias movimentados com 51 veículos destruídos e incendiados, computadores quebrados e salas devastadas. Atualmente, na tática para reverter as demissoes, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC segue por um rumo diferente dos freqüentes atos ecumênicos e das passeatas da década de 80.  

A ordem é a seguinte: todos (demitidos ou nao) entram na empresa, vestem os uniformes e se colocam à disposiçao da chefia para produzir. No fim do dia chegam à conclusao de que jogaram muito dominó e conversaram bastante: as máquinas nao foram ativadas pela montadora. A disposiçao do sindicato é para um movimento longo, que contará, inclusive, com passeata e ceia de Natal simbólica no dia 13.  

De acordo com o presidente da CUT (Central Unica dos Trabalhadores) estadual, José Lopez Feijóo, a saída para a recessao é o trabalho. "Por isso tem de dizer quero produzir e nao fazer greve." Em 1990, Feijóo foi eleito secretário geral da CUT, tendo ficado na Ford até 1987. O movimento de agora, na sua opiniao, é muito mais urgente, já que luta pela manutençao dos empregos e nao pelo reajuste salarial. "É um ciclo: queremos preservar o emprego para ter estabilidade e mais consumo. Só depois disso é que podemos partir para a redistribuiçao de renda", explicou.  

Um detalhe que chama a atençao do sindicalista nas relaçoes trabalhistas com a Ford é o fato de que a empresa alterna períodos de conversas e negociaçoes com enfrentamentos. "A montadora foi a primeira empresa a permitir a eleiçao de Cipa e comissao de fábrica, em 1981", relembrou. Em seu cronograma, as relaçoes seguiram com a diluiçao da comissao em 1986, a Operaçao Cambalacho (carros eram produzidos com defeitos) e a volta da comissao. Depois disso, segundo Feijóo, houve um período de tranqüilidade até 1990. Saudosista - Joao Ferreira Passos, o Bagaço, coordenador da comissao em 1990, está na Ford há 26 anos. De lá para cá, um fator que contribuiu muito para o sindicalismo negocial foi o respeito crescente entre as partes. "Antes, o patrao dizia que nao tinha de conversar com trabalhador. Decidia e pronto. O sindicato, por sua vez, só questionava. Agora, apresenta propostas." Bagaço destacou a renovaçao da frota, a câmara setorial e os bancos de horas como frutos dessas discussoes.  

Apesar de considerar conjunturas diferentes, Bagaço chama a atençao para um ponto que coloca em desvantagem a atual situaçao. Com a câmara setorial, em 1992, a produçao se mantinha elevada. "Você saía de uma montadora e conseguia emprego em outra, apesar da inflaçao alta." Hoje, o metalúrgico nao vê essa possibilidade. "É uma crise aguda a atual e sem sinais de ser uma curva decrescente", complementou Feijóo.  Saudosista, Bagaço afirma que os empresários acabaram tirando boas liçoes da greve dos golas-vermelhas. "Ela abriu espaço para discussoes salariais", diz, satisfeito.  

Alberto Eulálio, o Betao, da comissao de fábrica da empresa, passou pelos golas-vermelhas de fora, na CUT, mas concorda quando se fala na evoluçao do sindicalismo. "Hoje, nao há mais greve pela greve como nos anos 70 e 80. Os trabalhadores estao mais politizados." Para ele, esse amadurecimento é comprovado por estatísticas. Segundo o sindicato, 80% dos trabalhadores da base ainda nao têm 40 anos. Betao avalia que mesmo entre os mais jovens há a cultura da negociaçao.




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