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Grande ABC ganha fôlego com duas novas livrarias

Depois de perderem mega lojas, shoppings abrem espaço para redes estrearem em Sto.André e S.Caetano

Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
10/10/2020 | 23:11
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Claudinei Plaza/DGABC

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Pelo menos uma vez por mês a professora de línguas Sandra Cristina Reducino de Camargo, 47 anos, de São Bernardo, costumava visitar uma livraria. A frase está no passado porque com a chegada da pandemia do novo coronavírus no País o ‘compromisso’ da professora, apaixonada por leitura, teve de ser tirado da rotina. E mais um fator a afastou das prateleiras: o fechamento de duas lojas da Saraiva no Grande ABC, em Santo André e São Caetano, ambas em shoppings. 

Mas sua preocupação durou pouco. É que duas novas redes, a Livraria da Vila e a Leitura, estão para chegar na região. A primeira deve ser inaugurada em dezembro, no ParkShopping São Caetano e, a outra, na primeira quinzena de março, no Shopping ABC.

“Nós, que somos leitores, não ficamos felizes de comprar livros on-line. A gente faz pela praticidade. Mas o leitor fica órfão quando fecha uma livraria. Ele gosta daquele ambiente, de conversar com quem atende, que ajuda a fazer conexão com outros títulos, até mesmo com obras de arte. A livraria é lugar único”, sintetiza a professora, que está passando temporada no Rio de Janeiro e admira a maneira como este tipo de comércio é feito por lá. “Na Prefácio (livraria) você chega e pode pedir café, vinho ou refeição. As pessoas passam horas lá. Rezo para que um dia este conceito chegue a São Paulo.”

É de olho neste tipo de consumidor que o sócio e presidente da rede de livrarias Leitura, Marcus Teles, investe. “O Grande ABC é uma região muito forte e tende a dar frutos. As cidades ficaram sem uma livraria de grande porte e nós vamos abrir especialmente para suprir esta necessidade. Além disso, estamos estudando outras opções de loja na região”, adianta Teles, que nesta semana inaugurou a 76º loja da rede no Rio de Janeiro e quer, até o fim de 2021, ter 90 pontos em todo País. “Quando se tem crise temos também oportunidades. O livro, diferentemente do que se pensa, está crescendo em vendas em diversos países como China, Alemanha e França. No Brasil, passamos por crises e quando estava em crescimento veio a Covid. Com isso, duas grandes redes que estavam em recuperação judicial (Saraiva e Livraria Cultura) acabaram sofrendo com isso. Mas o mercado já está mostrando sinais de recuperação”, prevê. 

O otimismo e senso de oportunidade também levou o presidente da Livraria da Vila, Samuel Seibel, a abrir sua primeira unidade na região. Ela funcionará no mesmo espaço onde foi a Saraiva, no ParkShopping, mas em tamanho, segundo ele, ‘mais realista’. “Nós temos de saber a realidade das livrarias no Brasil. Não temos megalojas. A gente acha que é uma maneira de estar mais próximo, de termos atendimento que interage com o cliente, arquitetura que permite acesso fácil, onde se pode manusear o livro de maneira tranquila.” Com matriz na Vila Madalena, na Capital, a rede já tem dez lojas e pretende, em seis meses, abrir mais três, incluindo a de São Caetano. 

Pesquisa feita pela Nielsen Brasil e Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) apontou que, de janeiro a setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado, o volume de vendas cresceu 25,6% – de 3.192.489 para 4.010.644 livros vendidos. O número, porém, compreende todos pontos de venda, inclusive a internet. 
A policial militar Debora Sales, 31 anos, que trabalha em Santo André, costuma contribuir com estes números. Pelo menos três vezes por mês vai à Saraiva do Grand Plaza Shopping, em Santo André, para comprar livros para ela e seus três filhos. “Gostava muito de ir na Saraiva na Oliveira Lima (Santo André). Quando fechou fiquei triste. É importante ter mais ofertas de livraria na região.”

FUTURO
O presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias) Bernardo Gurbanov diz que livraria, para sobreviver, terá de atender bem fisicamente e na internet. “Nós vamos para modelo híbrido. A sensação que temos é que é um modelo que chegou para ficar. A loja física precisa ter este canal de comunicação em vendas, essa vitrine virtual, mesmo porque ela funciona 24 horas e não tem limite geográfico. É importante para o comerciante ter esta extensão da loja”, comenta. “Temos de nos diferenciar, no atendimento, com a qualidade do trabalho que sempre vai ter o reconhecimento dos consumidores”, acrescenta.

É justamente isso que procura o professor de políticas públicas Marcos Pó, de Santo André. Como geralmente precisa de títulos específicos, técnicos, tem de procurar em unidades da Capital, ou mesmo em sites. Ainda assim, ele gosta de frequentar as livrarias da região, inclusive pelo tratamento personalizado.  “A grande vantagem (de ir a uma livraria) é ter um atendimento mais caloroso, a indicação por parte dos vendedores e a possibilidade de encontrar coisas que não estava procurando. Isso, na internet, não existe.” 

Reforma tributária propõe acabar com insenção e elevar imposto sobre livro

O projeto de reforma tributária feito pelo governo federal propõe, entre outras determinações, o fim da isenção de contribuição para livros. A ideia defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é unificar a cobrança do PIS/Pasep e do Cofins em um novo imposto sobre o valor agregado, com nome de CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços), com alíquota de 12%. Se essa mudança for aprovada, impactará no preço dos livros. 

O presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), Marcos da Veiga Pereira ressalta que imunidade de impostos do livro é garantida pela Constituição. É com base nisso que diversos setores estão se manifestando contrários à cobrança da taxa que, segundo ele, acarretará no valor que chegará ao consumidor e, consequentemente, na queda de vendas. 

“Trata-se de decisão deliberada do governo que, quando questionado, teve fala equivocada. (Paulo Guedes) Disse que ‘o livro é coisa para rico, para quem pode pagar imposto’. O nosso trabalho tem sido desconstruir este discurso. A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou o contrário entre 2017 e 2018: famílias que ganham abaixo de R$ 5.700, ou seja, 75% do total das famílias, consomem 45% do total do consumo de livros. É um número muito significativo”, explica. 

Para barrar a alteração foi entregue aos parlamentares que estão discutindo a reforma tributária abaixo-assinado com mais de 1 milhão de assinaturas. Pereira está otimista com a receptividade do Congresso. “Isso não pode passar, porque vai afetar diretamente no varejo, que já está fragilizado pela pandemia. E isso terá impacto nas editoras. Sem vendas, os editores não vão apostar em novos nomes e haverá diminuição de ideias circulando. O prejuízo para a sociedade é muito maior do que qualquer ganho tributário em um País que tem deficit de investimento da leitura”, conclui.

Siciliano foi pioneira na década de 1960

Uma das primeiras livrarias que se tem registro no Grande ABC foi inaugurada em 1958: a Germania, localizada na Avenida 15 de Novembro, em Santo André. Antes disso, as publicações, segundo o historiador da região e colunista do Diário, Ademir Medici, eram comercializadas em armazéns de secos e molhados.  

Já a rede pioneira data de 1961, a livraria Siciliano. Da matriz, na Rua Coronel Oliveira Lima, 526, a marca teve quatro lojas no Grande ABC (duas em Santo André, uma em São Bernardo, outra em São Caetano). A Siciliano chegou a ter 70 livrarias em todo País, uma editora e 1.200 funcionários. Em 2008 a rede foi vendida para a Saraiva.




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