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Uma denúncia, dois desfechos

Acusação de fraude no contrato da merenda avançou no MPF e resultou na Prato Feito

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
16/08/2020 | 07:00
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 Em agosto de 2017, o munícipe Rogério e Silva encaminhou denúncia sobre suspeita de irregularidades em contratações emergenciais para fornecimento de merenda escolar e alimentação na rede de saúde de São Bernardo. Mandou carta e CD com documentações que garantiam que o governo Orlando Morando (PSDB) estava deliberadamente provocando situação emergencial para que empresas ligadas a um de seus secretários pudesse ser contratada sem licitação.

As acusações foram feitas ao Gaeco ABC (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), órgão de investigação criminal do Ministério Público paulista. Também ao MPF (Ministério Público Federal). Na primeira instituição, o trabalho ficou sob responsabilidade do então promotor substituto Bruno Servello Ribeiro. Na segunda, da procuradora federal Fabiana Rodrigues de Souza Bortz.

O destino das duas seria diferente. Em outubro daquele ano, o Gaeco ABC optou pelo arquivamento da denúncia, etapa aprovada em definitivo em fevereiro do ano seguinte pelo Ministério Público estadual (toda promoção de arquivamento precisa ser homologada por instâncias superiores da instituição). Em maio de 2018, as informações prestadas ao MPF balizaram a Operação Prato Feito em São Bernardo, que provocou crise profunda no governo Morando.

O Diário teve acesso a documentos que mostram a dualidade da investigação nos dois órgãos. Foi com base nessa movimentação que foi registrada, na semana passada, representação contra promotores paulistas à ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público.

A denúncia feita por Silva ao Gaeco ABC resultou no processo de protocolo 38.0531.0000283/2017-7. A acusação de Silva era a de que figuras do governo de Orlando Morando, que havia assumido o poder no dia 1º de janeiro de 2017, agiam para provocar a contratação emergencial para fornecimento de merenda escolar e alimentação à rede hospitalar. Os contratos em curso estavam prestes a vencer e, conforme relato do denunciante, série de episódios orquestrados levaria à contratação sem licitação das empresas Pró-Saúde Alimentação Saudável (merenda escolar) e da Nutrivida Alimentação e Serviços (alimentação hospitalar).

As empresas, narrava Silva, eram administradas por laranjas para ocultar o real proprietário: Fábio Mathias Favaretto, genro de um dos homens mais fortes da gestão tucana, o advogado Carlos Roberto Maciel. Maciel era secretário de Assuntos Governamentais e havia sido indicado naquele ano por Morando para presidir a FUABC (Fundação do ABC), que faz a gestão de equipamentos de saúde de São Bernardo e de outras cidades.

No dia 24 de outubro de 2017, Bruno Servello Ribeiro, então promotor substituto do Gaeco ABC, escreve seu relatório sobre a denúncia que havia recebido dois meses antes. “Narra o denunciante Rogério e Silva que sempre foi presente nas questões municipais, sendo que sempre participou e fiscalizou as contas públicas, tendo ele supostamente falado com o prefeito Orlando Morando a respeito da situação. O denunciante alega que os contratos do setor de educação e de saúde foram manipulados com o envolvimento do atual prefeito Orlando Morando para que os contratos se tornassem emergenciais”, diz, no início, citando que CD e prints de conversas via WhatsApp foram anexados.

Ribeiro cita que nos “arquivos constam somente contratos de licitação e alguns prints screens de conversas no WhatsApp onde o denunciante cobra informações do prefeito Morando. Quanto ao vídeo, nada mais é do que a filmagem da posse dos secretários de Orlando Morando na Prefeitura”. Ele prossegue: “Diante dos fatos narrados e da ausência de provas, observa-se que não há elementos mínimos de autoria ou de materialidade dos crimes envolvendo uma organização criminosa ou até mesmo uma quadrilha”. Foi com esses argumentos que determinou o arquivamento, confirmado pelo MP na edição do dia 10 de fevereiro de 2018 do Diário Oficial do Estado.

Uma semana antes, no dia 19 de outubro, Fabiana Bortz, do MPF em São Bernardo, tornava público seu primeiro relatório parcial de denúncia recebida por Silva. Nele, a procuradora lista série de inconsistências no processo de contratação conduzido pelo governo Morando. Traça relação entre Maciel e Favaretto com as empresas vencedoras, vê estranheza em mudanças de nome, endereço e sócios das companhias às vésperas da posse de Morando e coloca na condição de investigados série de agentes públicos, entre eles Morando e Maciel.

Esse relatório parcial norteou a Operação Prato Feito, deflagrada no dia 9 de maio de 2018. A PF (Polícia Federal) e o MPF fizeram buscas e apreensões, divulgaram conversas telefônicas e acusaram a existência de organização criminosa para supostamente fraudar os contratos. Em 2019, a PF indiciou alguns dos investigados, entre eles Morando e Maciel. Em março, o MPF denunciou o prefeito, seu ex-secretário e mais 11 pessoas, reforçando, na visão da instituição, a instalação de organização criminosa. Morando nega as irregularidades a ele imputadas.

Bruno Servello Ribeiro hoje é promotor titular da Capital e ainda atua no Gaeco ABC – antes passou por Campos do Jordão e Francisco Morato. O MP não respondeu às questões enviadas pela equipe do Diário e disse reforçar a nota pública apresentada nesta semana, na qual diz que “cerca de 2.000 promotores e procuradores de Justiça em todo o Estado combatem, de maneira incansável, todos aqueles que insistem em agir à margem da lei”. “As manifestações e posicionamentos do MP-SP, quer no curso de investigação policial, quer no curso do devido processo legal, se pautam pela realidade fática examinada à luz da legislação penal e processual penal.”

Morando declarou “que nunca teve contato, tampouco conhece o promotor Bruno Servello Ribeiro” e que o MP é “instituição respeitada pela população paulista”. Sobre a transmissão de imóvel para abrigar a Promotoria de São Bernardo – inclusa na representação ao Conselho Nacional do MP como suspeita de influência do tucano sobre a instituição –, o político disse que o ato “foi devidamente autorizado pela Câmara, assim como ocorreu com os demais imóveis públicos transferidos para outras instituições comprometidas em servir a população de São Bernardo.”




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