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Governo está tímido, afirma deputado petista
Roney Domingos
Do Diário do Grande ABC
16/02/2003 | 19:46
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“O governo está sendo tímido” afirma o deputado federal Ivan Valente (PT), de São Caetano – uma das lideranças da chamada esquerda do partido mais críticas às medidas de corte de gastos e aumento de juros anunciadas nos primeiros dias do governo Lula. “O que estamos fazendo é disputar desde agora um direcionamento da política econômica.” Para Valente, “mudar a política econômica que pautou o governo Fernando Henrique é uma preocupação de todos os que elegeram Lula e que querem que esse governo dê certo.”

Valente faz uma avaliação crítica, mas afirma que o partido do presidente terá condições de enfrentar o debate com o governo. “Eu espero que episódios que possam ter causado mal-estar já tenham passado.” Para Valente, a melhor atuação do governo Lula até agora tem sido na área internacional, por conta da nomeação de embaixadores que perderam prestígio no governo anterior por afrontar posições dos Estados Unidos e a Alca. Também elogiou a ajuda à Venezuela citada pelo presidente do PT, José Genoíno, como exemplo a não ser seguido. Valente afirma que o governo de esquerda de Hugo Chávez errou na condução política e acertou no programa.

DIÁRIO – Como ficou o clima dentro do PT após a crítica da esquerda às ações da equipe econômica e da reunião da direção do partido para acalmar os ânimos?
IVAN VALENTE – Nós temos insistido com a direção do partido e do governo que o nosso debate tem de ser um debate de programa sobre os rumos da política, e particularmente da política econômica. De modo que no PT, que é um partido plural, democrático, nós vamos ter sempre espaço para debater um projeto global. Nós achamos que devemos deixar as questões de forma de fora e discutir o conteúdo. No nosso ponto de vista, está na hora de sinalizar uma mudança de política econômica. Isso pode se manifestar na diminuição da taxa de juros porque, através dela, a gente consegue sair da recessão, gerar emprego e distribuir renda, que é o programa originário do partido. Nós temos de ter recursos para gastos sociais. Não podemos fazer um superávit primário em US$ 8 bilhões para satisfazer o mercado, quando nem o FMI pediu um aumento de superávit primário. Não adianta agradar ao mercado, que é voluvel, instável e irracional. Que impede a tomada de medidas que tenham repercussão imediata. Por isso é que o governo tem de afirmar sua política econômica, manter o controle sobre o Banco Central e, de outro lado, garantir que nossa política é de mudança, ou seja, tem de ter recursos para geração de emprego e distribuição de renda.

DIÁRIO – Mas, depois da eclosão das primeiras críticas públicas, que causam desgaste ao governo, poderá haver mais reserva nas discussões?
VALENTE – No dia 17, o Congresso voltará a funcionar normalmente e aí é o momento de maior intensidade dos debates lá. Não há nenhuma recomendação de parte do partido que os ministros não venham à Câmara ou que não se inicie o debate. Eu espero que episódios que possam ter causado mal-estar já tenham passado.

DIÁRIO – Como o sr. vê o encaminhamento da proposta de reforma da Previdência via Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social?
VALENTE – O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, esteve no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sem uma proposta formatada. A discussão da Previdência ainda é um conjunto de idéias sem amarras. Do meu ponto de vista, se é para debater a Previdência, ela tem de ser feita do ponto de vista da proteção social. Nós não podemos começar o debate discutindo quanto se vai cortar de direitos, quanto se vai arrochar dos trabalhadores para cumprir um ajuste fiscal. Isso é um erro grave. Acho que a Previdência não é a agenda prioritária da União. A prioridade deveria ser a reforma tributária. Em segundo lugar, a globalidade da política econômica. Se for para discutir a Previdência, primeiro temos de estar de posse de números confiáveis sobre o déficit. Temos de evitar, de qualquer forma, a manipulação que se faz sobre orçamento e déficit da Previdência. Esta manipulação faz com que o déficit apareça como conjunto do déficit da seguridade social: ou seja, inclui os gastos com saúde e com assistência social, o que não é verdadeiro. Também não podemos entrar no debate demonizando o servidor público. Neste momento, a reforma que vem sendo pedida pelo mercado – que é Previdência única – provocaria queda e não aumento da arrecadação. A não ser que se entre no corte de direitos adquiridos dos trabalhadores. Mas isso não é a proposta do PT.

DIÁRIO – O sr. ficou frustrado com o fato de o governo não ter um projeto de Previdência?
VALENTE – Não estou frustrado. Acho apenas que a discussão começou sem um projeto inicial, e aí se cometeu alguns erros, porque começam-se a fazer algumas colocações que não estão fixadas ou definidas. É o caso, por exemplo, dos militares. O governo teve de recuar quando não tinha colocado posições. Deve-se discutir com tranqüilidade isso, e não pela pressão da mídia, do mercado e do FMI (Fundo Monetário Internacional).

DIÁRIO - Como fica então a posição da esquerda do PT com relação ao PL-9?
VALENTE - O PL-9 já está na Câmara e estabelece o teto único para os servidores que entrarem agora. Acho que isso não resolve o problema da Previdência do ponto de vista futuro e nem do ponto de vista da igualdade. Eu sou favorável que essa discussão logo no início venha à tona, porque não há nem unidade e nem uma deliberação do PT de votar esse projeto. O PT apresentou mais de 20 emendas a esse projeto no Senado.

DIÁRIO – Até onde dá para ir com a equipe econômica e onde as posições são inconciliáveis?
VALENTE – A equipe econômica começa agora. Não nos cabe nem intransigência nem impaciência. O que estamos fazendo é disputar desde agora um direcionamento da política econômica. Porque nós achamos que o rumo da política econômica agora pode definir o rumo geral do governo Lula. Esse início pode definir os quatro anos do governo. Ou nós descolamos do modelo agora, sem grande rupturas, mas com sinalizações e rupturas que indiquem um outro caminho, ou então nós vamos aprofundar a dependência em relação ao capital estrangeiro e nos viciar nas exigências do mercado. Eu quero crer que a equipe econômica de Lula vai rever seu direcionamento. É isso que está em disputa. Nós devíamos nos colocar como diferenciados do projeto FHC-Malan-Fraga. E não como continuadores e aprofudadores dessa política.

DIÁRIO – Mas o endurecimento não prejudica o governo justamente no momento em que ele precisa ter prestígio para que possa se fixar como governo?
VALENTE – Nós entendemos que o governo Lula goza hoje de um grande prestígio, de modo que Lula tem imenso capital político junto à sociedade. Achamos que é hora de fazer mudanças, porque ele tem força, representatividade e credibilidade para avançar. Nesse sentido, o governo está sendo tímido. Mudar essa política agora é uma preocupação de todos os que elegeram Lula e que querem que esse governo dê certo.




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