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Taquarussu, um vilarejo com história para contar

Entre Paranapiacaba e Mogi das Cruzes, vila quase abandonada preserva detalhes do início do século passado

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
20/07/2020 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Não fosse a presença do caseiro José Roberto da Silva, 40 anos, e de alguns poucos turistas que frequentam o local aos fins de semana, poderia-se dizer que a vila Taquarussu, localizada entre Paranapiacaba, em Santo André, e Mogi das Cruzes, na região do Alto Tietê, seria um vilarejo fantasma. Com casas bem conservadas e decoração mantida em seus interiores, o lugarejo em meio a Mata Atlântica tem cheiro de história e, tanto pelo difícil acesso, como pela paz que é sentida ali, pelo menos naquela área de 45 alqueires, a pandemia da Covid-19 chega a ser quase esquecida.

A equipe de reportagem visitou o local que, além da vegetação nativa, conta com uma capela, um lago, três casas e dois espaços que, antigamente, eram usados pelos moradores, um como venda e depois virou escola, e o outro como espécie de posto de combustível – inclusive preservando as bombas manuais utilizadas para abastecer os caminhões de transporte da época. Há também uma cachoeira que, segundo turistas, tem água milagrosa.

Zé Roberto, como prefere ser chamado, saiu de Camocim de São Félix, em Pernambuco, há 13 anos, e foi morar em São Mateus, na Zona Leste da Capital. Com experiência com o serviço de caseiro, há pouco mais de seis meses foi contratado para tomar conta da vila e, ao lado de sua mulher, Luciana de Fátima Ferreira, 46, mantém o lugar com carinho. “Aqui é quase impossível chegar doença. Se eu preciso sair para ir em cidades vizinhas, uso máscara e tomo todo cuidado. Mas aqui na vila, não existe o (novo) coronavírus”, disse orgulhoso.

Mesmo que a vida em Taquarusu pareça solitária, o caseiro afirmou que está “amando” morar naquele espaço, o qual acredita que foi uma “bênção” em sua vida. E não seria para menos. Orgulhoso, contou pequenos fragmentos da história de cada um dos espaços da vila, as quais foram confirmadas pela empresária e mantenedora do vilarejo, Marlene Begliomini Tolisano, 62.

Embora não se saiba a data exata de fundação da vila Taquarussu, que fica entre a Rota do Sal e a Estrada da Madeira – o que coloca o vilarejo no mapa turístico do Estado –, o espaço preserva objetos que remetem ao início do século passado. Segundo Marlene, no fim dos anos 1920, seu avô, Giuseppe Begliomini, junto de seus irmãos, chegaram na área fugindo da crise italiana pós Primeira Guerra Mundial (1914-1918). “Eles se instalaram na região, pois o primeiro Begliomini já havia vindo para o Brasil antes da guerra, por motivos que desconhecemos”, relembrou a mantenedora do espaço.

No local, ao lado de integrantes da família Fanti, fundaram a empresa Fanti-Begliomini, que inicialmente fornecia carvão e lenha exclusivamente para a ferrovia de Paranapiacaba. “O negócio se estendeu por mais de 30 anos e passou a contar com entregas para mineradora em Barra Mansa, no Rio de Janeiro. Mais tarde, no fim dos anos 1920, as mulheres e alguns familiares dos irmãos juntaram-se a eles na área, vindos também da Itália”, contou Marlene.

Os filhos dos casais, mesmo que ainda crianças, também ajudavam com o serviço que, com sucesso, atraiu mais moradores à vila. “A concessão da ferrovia São Paulo Railway Co. terminou em 1946 e não houve acordo entre a companhia e o governo para sua renovação. A vila de Paranapiacaba e a ferrovia (que passou a se chamar Estrada de Ferro Santos-Jundiaí) ficaram então sob o controle da União”, disse Marlene, que afirma que depois disso “tempos difíceis” foram enfrentados pelas famílias, inclusive tendo de sair do vilarejo para buscarem empregos nas cidades vizinhas.

Com o fim da empresa, os irmãos se dividiram. Parte mudou-se para Santo André e a outra foi para Mogi das Cruzes. Entretanto, Taquarussu permaneceu nas mãos da família até que Sirio Begliomini – pai de Marlene – foi, aos poucos, adquirindo propriedades no entorno da vila e garantindo a preservação da mata e vegetação, além de manter as construções que ficaram de pé após a decadência dos negócios de carvão.

Ao redor de um lago é possível ver espécies de caçambas de ferro, utilizadas para carregamentos. “Na década de 1950, muitas mudanças ocorreram, como, por exemplo, a eletrificação da rede e a utilização do diesel e do óleo cru em substituição ao carvão. Por este motivo as máquinas antigas, os vagões e as locomotivas foram abandonadas nos pátios e mais tarde movidas para o entorno do lago, onde permanecem até os dias de hoje”, explicou Marlene.

A mantenedora do espaço define a vila Taquarussu como “um misto da história da imigração italiana, fé e natureza”. “É isso que nos move em manter o local, não só pela memória dos antepassados, mas também para seguir um legado de trabalho, união, conquistas, espiritualidade e amor e preservação a natureza”, disse orgulhosa.

Mantenedora vislumbra atrair mais turistas para conhecer o lugar

Embora a vila Taquarussu tenha ganhado visibilidade, tanto pela história, como pela festa à Santa Luzia (leia mais abaixo), a família afirma que o espaço, ao mesmo tempo que tem uma história forte para ser o que é hoje, também “é uma tela em branco” para o futuro.

Empresária e mantenedora do vilarejo, Marlene Begliomini Tolisano, 62 anos, afirma que vislumbra “milhares de perspectivas” para o espaço, tanto para gerar empregos, como movimentar a economia local e fornecer serviços de ponta para público fiel que procura o espaço em busca de ar fresco e contato com a natureza. A ideia também é atrair cada vez gente para conhecer a história do vilarejo.

“Com a pandemia, todos nós sentimos uma necessidade ainda maior em desacelerar, refletir e ressignificar. E a vila de Taquarussu é o local ideal para isso. Vemos ali a possibilidade de criar um ambiente autossuficiente e sustentável voltado ao ecoturismo, com serviços desde hospedagem (com as casas e camping), restaurante, e atividades radicais, como trilhas, atividades no lago e esportes para este público tão assíduo que já passa pelo local”, projeta Marlene.

A empresária contou que há a possibilidade de criar um museu que resgate os quase 100 anos de histórias em que a propriedade está na família. “Existem muitas possibilidades para manter o lugar vivo e devolver o acolhimento que a terra deu à imigração italiana e aos frutos do trabalho de quem, literalmente com as mãos, ergueu a vila”, reforça.

Embora os projetos ainda sejam incógnitas para a família, a propriedade, segundo Marlene, se manterá com sua essência. “Sempre será um local para amar e preservar a natureza e ser um ambiente de conexão, fé, espiritualidade, religião e trabalho, para estar sempre nos equilibrando”, finalizou a mantenedora.

VISITA
A equipe de reportagem flagrou grupo de ciclistas que tiravam foto em frente ao letreiro que dá boas vindas ao vilarejo. O operador de máquinas, Denis Filácios, 43, disse que frequentemente para em Taquarussu para apreciar a natureza e tirar fotos. O ciclista de Mogi das Cruzes estava indo até Paranapiacaba e disse que o caminho já é frequente. “Sempre paro aqui (na vila). É um lugar lindo e bem histórico”, comentou o visitante.

Missa à Santa Luzia é a principal data do calendário

A vila Taquarussu, localizada entre Paranapiacaba, em Santo André, e Mogi das Cruzes, na região do Alto Tietê, ficou conhecida pela celebração à Santa Luzia, comemorada no dia 13 de dezembro. No local, o culto à milagrosa da visão é inadiável, e a festa é comemorada independentemente do dia da semana em que cair – em 2000 chegou a reunir mais de 500 fiéis. Com a pandemia da Covid-19, a família Begliomini, mantenedora do vilarejo, estuda como não quebrar a tradição e realizar a festa também neste ano.

Empresária Marlene Begliomini Tolisano, 62 anos, contou que manter a celebração também faz parte da história da família, sobretudo pelos motivos em que capela foi criada. Segundo ela, no início dos anos 1940, um parente de seu pai, Sirio Begliomini, estava próximo de perder parte de sua visão. A família fez uma promessa de que construíram uma capela em homenagem à santa dos olhos, dentro da propriedade, caso o familiar se curasse. “Como prometido, após sua recuperação, a capela foi construída e terminada em 1945. Por dentro foi toda pintada a mão, tendo sua última restauração há mais ou menos 15 anos, que foi feita por uma estudante de artes, como parte de um trabalho de faculdade, das paredes ao teto”, recordou Marlene.

Poucos anos depois da conclusão da construção da capela, a missa começou a ser rezada em celebração a Santa Luzia, no entanto, no início a festa era apenas para a família e aos que moravam na região, com objetivo de continuar agradecendo pela recuperação do parente, mas, ano após ano, foi ganhando visibilidade pelo boca a boca. “A força da capela em meio à natureza incentiva a vontade das pessoas em se conectarem com a fé e a espiritualidade em meio a um local tão acolhedor e calmo. A celebração é livre para todos e, após a missa, o local ficar aberto aos devotos e público geral”, anunciou Marlene.

A intenção em 2020 é manter a tradição da missa, assim como a procissão em volta do lago da propriedade, com cantos e rezas. “Estamos acompanhando a evolução da pandemia no País e estudando formas para aplicar os protocolos de saúde e prevenção, como o distanciamento físico, o uso de máscaras e a devida higienização individual e do espaço, considerando, inclusive, celebrar a missa a céu aberto, como já foi feito em anos de muito movimento”, confirmou a mantenedora do espaço.




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