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Exército chileno admite responsabilidade por crimes na ditadura
Do Diário OnLine
Com AFP
05/11/2004 | 18:13
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O presidente chileno Ricardo Lagos destacou nesta sexta-feira a coragem do Exército de seu país, que, pela primeira vez, admitiu sua responsabilidade como instituição nos crimes cometidos durante a ditadura do general Augusto Pinochet.

A satisfação do presidente não coincide, no entanto, com a visão de representantes das vítimas da ditadura de Pinochet (1973-1990), depois de anunciada a decisão do Exército.

"O Exército do Chile tomou a dura, mas irreversível decisão de assumir as responsabilidades que, como instituição, lhe cabem em todos os fatos puníveis e moralmente inaceitáveis do passado", afirma o texto assinado pelo comandante-em-chefe da principal facção das Forças Armadas, general Juan Emilio Cheyre.

Esta é a primeira vez que o Exército chileno reconhece o papel de órgão repressor que teve, junto à marinha, à força aérea e à polícia militarizada de carabineiros durante os 17 anos de regime de Pinochet, que deixaram mais de três mil mortos e desaparecidos.

"Com este passo histórico, o Exército do Chile consolida seu processo de integração ao Chile democrático de hoje", afirmou Lagos falando os jornalistas chilenos no Brasil, onde acaba de participar da Cúpula do Grupo do Rio de Janeiro (a convenção terminou nesta sexta). "Da mesma maneira, destaco a coragem do Exército do Chile", continuou, fazendo referência à futura "contribuição importante e ativa na construção do Chile do amanhã, mais unido, mas coeso, mais justo, mais fraterno, mais desenvolvido".

A mensagem do general Cheyre foi divulgada dias antes de o governo de Lagos revelar um informe oficial sobre as detenções ilegais e torturas praticadas por agentes do regime militar, que afetaram mais de 30 mil vítimas, segundo algumas fontes ligadas a uma comissão investigadora.

"Aqui também há outras instituições das Forças Armadas que provavelmente vão ter de se pronunciar uma vez que o informe da comissão sobre tortura seja tornado público", alertou a advogada Pamela Pereira, vinculada a organizações de direitos humanos, em declarações à Rádio Cooperativa.

O Grupo de Familiares de Detidos Desaparecidos concorda que a responsabilidade pelas violações dos direitos humanos se estenda a outras instituições das Forças Armadas e ao Estado do Chile. "Devem ser tomadas ações concretas que não são vistas na declaração do general Cheyre", afirmou a presidente do grupo, Lorena Pizarro.

Entre essas ações, Pizarro citou que o Exército deve colocar à disposição dos tribunais todos os agentes que fizeram "parte da repressão" e dar baixa aos militares que participaram nessas práticas e que ainda permanecem no serviço ativo. "Também devem entregar informações existentes dentro do Exército sobre o que aconteceu com nossos familiares", acrescentou, em alusão aos 1.198 desaparecidos registrados em listas oficiais.

Cheyre afirmou em seu documento que, sob o comando de Pinochet, o Exército teve de se situar no contexto da Guerra Fria entre o mundo ocidental, representado pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, liderado pela ex-União Soviética. "O Exército do Chile não pode subtrair-se à voragem inapelável dessa visão e dos acontecimentos que ela, em escala mundial, precipitou", disse.

No entanto, replicou o advogado Eduardo Contreras, “a questão é a credibilidade do general Cheyre porque há poucos dias esse mesmo senhor disse que o problema não era a instituição e sim determinados comandos que se excederam".

Cheyre realmente afirmou, na segunda-feira, que "algumas pessoas faltaram com seus deveres" e que os altos comandos institucionais falharam ao serem superados por pessoas que violaram os direitos humanos.

"Quem no Chile pode acreditar no senhor Cheyre? Esse é o problema", acrescentou Contreras, um dos juristas que tenta abrir um novo julgamento contra Pinochet.

O ex-ditador, que no próximo dia próximo 25 de novembro fará 89 anos, aguarda uma decisão do juiz Juan Guzmán Tapia para saber se será submetido a processo por assassinatos e desaparecimentos forçados ou se ficará livre, como aconteceu em julho de 2002, quando a Suprema Corte determinou que uma demência moderada o impedia de se defender.

Exames recentes do general apontaram novamente demência moderada, mas ainda não foi decidido se ele será considerado apto a responder por processo, já que essa doença pode causar falhas na memória - o que também ainda não foi comprovado em Pinochet.




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