O trabalho escravo aparenta ser algo do passado, cujo fim, no Brasil, teria ocorrido com a Lei Áurea assinada em 13 de maio de 1888, com finalidade de conceder a liberdade aos escravos da época e proibir a prática de escravidão no País.
Essa história poderia ser real, acaso não fossem os alarmantes números de pessoas atualmente escravizadas e traficadas no País e no mundo. Conforme revelam dados levantados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), existem, no mínimo, 20,9 milhões de pessoas submetidas ao trabalho escravo.
A despeito dos mecanismos adotados para sua erradicação, o número tem se demonstrado crescente, fato que indica que passados 132 anos da denominada abolição da escravatura no Brasil, o trabalho escravo continua sendo uma lamentável realidade, com diferenças que não impedem o seu avanço.
No período colonial e monárquico, a escravidão era considerada lícita pelo Estado, de forma que uma pessoa poderia ser propriedade da outra e tratada como mercadoria, objeto de negociação. Após a Lei Áurea, o trabalho escravo foi formalmente abolido no Brasil e reputado como crime, conforme o artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Além disso, hoje os casos existentes de trabalho escravo são denominados como análogos à escravidão, principalmente em virtude do consagrado direito de liberdade em que o trabalhador jamais poderá ser posse do empregador, como ocorria em tempos passados.
Contudo, conquanto se trate de uma prática ilícita e intolerável, muitos empresários e empregadores violam a legislação, desrespeitando os próprios direitos humanos em esfera internacional e os direitos fundamentais consagrados no Brasil, mantendo a engrenagem escravocrata manifestada por meio de trabalhos forçados, jornadas exaustivas, servidão por dívida.
Considera-se trabalho forçado aquele no qual, mesmo sem vontade, o trabalhador permanece sob o domínio do empregador mediante força física e psicológica, privado da liberdade. No caso de jornadas exaustivas, o trabalhador é submetido a esforço excessivo, sem possibilidade de descanso, que resultam em adoecimentos e risco de morte. Já a servidão por dívida se trata de uma situação em que o trabalhador é forçado a seguir no trabalho para saldar dívidas com o empregador, tal como o pagamento de passagens, aluguel de equipamentos de trabalho, alojamento e alimentação, cobrados de forma ilegal e abusiva. Por fim, o trabalhador é submetido a condições degradantes quando é mantido em condições precárias de trabalho, como alojamentos sem estrutura, péssima alimentação, falta de assistência médica, saneamento básico e água potável.
O desemprego, a baixa remuneração, a miséria e a fome tornam os trabalhadores vulneráveis ao trabalho análogo à escravidão, circunstâncias que facilitam o aliciamento pelos chamados gatos, pessoas responsáveis pelo tráfico humano. Como forma de convencimento, esses <CF160>gatos</CF> prometem boa remuneração e boas condições de trabalho. Muitas pessoas são levadas para lugares distantes de sua origem com a promessa de uma vida melhor. Porém, ao chegarem a seus destinos, descobrem uma outra realidade.
A globalização e o capitalismo associado ao contexto histórico contribuem para esse tráfico de pessoas destinado à exploração econômica em busca de uma alta lucratividade em detrimento da redução dos custos relacionada à mão-de-obra com a supressão de direitos constitucionais e trabalhistas. Embora a maior parte dos casos no Brasil se concentre na zona rural, há uma crescente exploração nas cidades, principalmente em indústrias têxteis e em empresas de construção civil.
Com o propósito de erradicação do trabalho escravo, há uma força-tarefa movida por organizações internacionais, Estados, Ministério Público, entidades sindicais e filantrópicas. O trabalho abrange campanhas, penalização dos praticantes, inclusão do nome das empresas em listas sujas, entre outras condutas.
Destaque-se que a inclusão das empresas nessa lista constitui um dos principais instrumentos da política pública de combate ao trabalho escravo no Brasil, tendo em vista que garante a publicidade para casos que exploram trabalho em situação análoga à de escravidão, com transparência e possibilitando o controle social, além da restrição de acesso às linhas de crédito dos bancos estatais.
A submissão de pessoas em condições de vida e de trabalho análogos à escravidão atenta contra a própria democracia e, por consequência, aos princípios básicos como o do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana.
Material produzido por Cíntia Fernandes, advogada especialista em direito do trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
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