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'Contra Todos' mistura sexo, violência e religião
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
19/11/2004 | 10:31
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A partir do título, percebe-se onde quer chegar Contra Todos, longa-metragem de estréia de Roberto Moreira, parceiro de Fernando Meirelles na O2 Filmes. O drama urbano quer polarizar homem e divindade, adversários desde que um certo alguém tascou uma mordida no fruto proibido e foi chutado do paraíso. Quer melhor pirraça para agredir concepções cristãs do que sexo e violência em doses extenuantes? Eis o caminho que Moreira adota para contrariar criador e criatura neste filme brasileiro lançado nesta sexta no circuito paulistano.

Talvez o maior problema em Contra Todos reside em seu enunciado. Não há harmonia possível se o instinto não for regrado. Estamos novamente no terreno da distopia recentemente arado pelo Nina de Heitor Dhalia, para o qual o bem é questão de disciplina e o mal é parte da natureza humana, parte daquilo que o afasta dos anseios da criação e que por outro lado justifica seu apego a religião, legislação ou outra espécie de órgão regulador. A insubordinação do homem à natureza, enunciada no título, precisa ser por vias violentas, exageradas, senão perde a validade. O exagero, e somente ele, justifica a desobediência segundo Moreira.

Contra Todos abre com um almoço dominical em família. Na cabeceira, Teodoro (Giulio Lopes), o pai, ladeado pela segunda mulher, Cláudia (Leona Cavalli), pela filha, Soninha (Sílvia Lourenço), e pelo camarada Waldomiro (Ailton Graça). A família é a estrutura primária de formação do indivíduo, seguida pela sua orientação religiosa e então por sua profissão. É nisso que crê Moreira, que terá em Teodoro o seu foco de antíteses e, aparentemente, o gatilho dos conflitos da trama. A princípio, pai de família, para depois revelar-se evangélico fervoroso. Um homem acima de qualquer suspeita, pelo menos na teoria. Mas, em seguida, será mostrado que ele é adúltero e trabalha como matador de aluguel.

A rigidez que Teodoro exerce em casa, ao surrar a filha que se recusa a rezar à mesa, contrasta com sua demagogia com relação à fidelidade conjugal. O amante de Cláudia aparece morto, com a genitália esquartejada, e as suspeitas apontam para o marido, o mesmo homem que fia-se nos evangelhos e nutre caso amoroso com uma colega de igreja. Cláudia foge de casa, encontra asilo emocional em outro amante.

Teodoro é o mesmo homem que vai se autodenominar "o demônio" e o impasse está conflagrado. Na tentativa de questionar a presença de Deus junto à contraditória fé de seus seguidores (Teodoro e a amante) e como observador do mundo, Contra Todos a reforça. Quando revela as verdadeiras intenções de Waldomiro, amigo e colega de profissão de Teodoro, cede à tentação do roteiro policialesco numa trama que até então justificava-se como panorâmica do desejo em detrimento do compromisso, da posse em detrimento da remissão.

Um detalhe chama a atenção em Contra Todos. Como grito escancarado de repúdio à disciplina, a câmera de Moreira está sempre na mão, sem recorrer a tripés. Essa câmera instável quer transportar a tensão do enredo, ao se instalar em meio a personagens que se debatem e vociferam. O recurso é o mesmo adotado em Um Céu de Estrelas (1996), a tragédia de Tata Amaral que Moreira roteirizou ao lado de Jean-Claude Bernardet. Diferentemente do filme de Tata, em que o recurso era apenas pedaço de toda uma atmosfera de desespero, a câmera na mão de Contra Todos que ser um efeito por si mesma.




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