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Dori Caymmi lança seu novo disco
Do Diário do Grande ABC
18/05/2000 | 16:14
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Dori Caymmi está em Sao Paulo. Toca e canta, nesta sexta-feira (19) e sábado, no Sesc Pompéia. Veio promover o lançamento do CD "Cinema - A Romantic Vision", lançado no Brasil, no ano passado, pela Atraçao Musical. É uma produçao norte-americana, como têm sido os discos de Dori nos últimos 11 anos, tempo em que ele mora em Los Angeles. "Cinema - A Romantic Vision" foi indicado para o Grammy, na categoria jazz. Uma conquista: um músico brasileiro ser considerado bom a ponto de concorrer com jazzistas de lá, em pé de igualdade, sem ser mandado para aquela categoria um tanto demagógica do "jazz latino" - uma grande conquista. Nao que importe muito. Sobre Grammy, aliás (e essa foi sua terceira indicaçao), Dori nem fala. Prefere tecer consideraçoes sobre outros assuntos - sua saudade brasileira, a tristeza com o rumo que tomou a música popular (pelo menos a de escala industrial), o amor pelos pais e irmaos. Contente ele está porque, desta vez, teve condiçoes de bancar a vinda de sua banda - o grupo com o qual toca há anos, nos Estados Unidos, formado por músicos brasileiros e de lá.

"Lançamento de disco do tipo de música que eu faço é pela janela", diz ele, frasista irreverente que promete ser um pouco menos irreverente, em cena, desta vez: "Mas só um pouco; nao dá para resistir à tentaçao de atirar algumas pedras", admite. Seu grupo é formado por Jurim Moreira (bateria; o músico oficial do posto é Michael Shapiro, que tinha outro compromisso) , Marcus Silva (teclados), Scott Mayo (saxofone) e John Leftwich (contrabaixo).

A frente deles, Dori, sua grande voz, seu violao monumental. Diz que seu papel é segurar a "coisa brasileira", assegurar que o som soe como Brasil - pretensao, sempre alcançada, que herdou do pai, de Tom Jobim e que compartilha com a irma, Nana, e com uns poucos músicos brasileiros, como Edu Lobo. "Deixo os jazzistas 'jazzearem' um pouco, mas carrego tudo de volta para o Brasil", diz ele.

Disco - "Cinema - A Romantic Vision", mesmo quase todo o repertório sendo internacional (das dez faixas, apenas uma, "Manha de Carnaval", de Luís Bonfá e Antônio Maria, é brasileira), consegue ter esse paladar - o que nao se deve, apenas, à leitura bossanovista do tema de "A Pantera Cor de Rosa", de Henry Mancini, mas à seleçao do repertório, que aproxima distintos universos musicais, e ao sotaque do arranjador, impresso em cada acorde: "The Shadow of Your Smile", composta por Johnny Mandel e Paul Francis Webster para o filme "Adeus às Ilusoes", torna-se uma cançao de Dori Caymmy, quando ele a canta.

Já que foram mencionados Mandel e Mancini, grandes compositores e arranjadores: Dori vai participar, em outubro, de um evento patrocinado pela Fundaçao Henry Mancini, que tem como objetivo incentivar - ele prefere a palavra salvar - os músicos de orquestra, cada vez menos prestigiados e solicitados, substituídos por tecladistas - ou nao, meramente descartados, em nome de outra linguagem, internacional e afásica, a do pop.

Novos discos - Mancini e Mandel sao influências muito importantes na música de Dori, que pretende gravar um disco chamado, justamente, "Influências", no qual prestará homenagens aos mentores - além deles, também Jobim, David Grusin, Quincy Jones, este último um de seus maiores incentivadores, responsável por sua ida para os Estados Unidos e pela produçao de seu primeiro disco gravado lá.

Dori pretende gravar as bases com Abraham Laboriel e Paulinho da Costa, contrabaixista e percussionista, gente de seu time, e convidar os homenageados para escrever alguns arranjos. "Quem sabe até consigo convencer o Quincy Jones, que dá tudo para nao ter de fazer nada", brinca Dori. Vai conseguir. Outro disco projetado chama-se "Contemporâneos". Dori quer cantar os autores de sua geraçao: os que admira irrestritamente, como Edu Lobo e Chico Buarque, e alguns em quem vê talento de sobra, eventualmente desperdiçado, como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Fala de cadeira: foi um dos arranjadores do primeiro disco de Caetano, "Domingo", do fim dos anos 60.

"Enfim, toda essa turma que finge que está com 40 anos, mas está mesmo é com a idade do Mick Jagger", brinca. Dori tem 56 anos. De novo, fala de cadeira. "Este vai ser um disco só de voz e violao, eu acho; quero pegar algumas cançoes desses que andam fazendo bobagem e meter uns acordes tortos, que é para eles se espantarem", ri. O que ele quer, mesmo, é revelar belezas eventualmente ocultas por vestimentas instrumentais equivocadas, maneira de cantar errada.

Com Edu Lobo, pretende fazer, até o fim do ano, um show de duas vozes, dois violoes. Um reencontro - eles começaram juntos, eram da mesma turma, o núcleo da turma dos melhores músicos da segunda geraçao da bossa nova. Edu é um dos poucos músicos a quem Dori dedica total admiraçao. É dos raros que nao se venderam - a mençao anterior a Mick Jagger nao é casual. Dori vê algo como uma "rollingstonizaçao" da música que se faz em toda parte do mundo. Quer falar de perda de sotaque, de identidade, de apelo imediato com maos abertas para colher glória e grana.

"Eu sempre fui radical e quando via gente da minha geraçao fazendo certas concessoes, aconselhava a que nao fizesse; é um caminho sem volta, e pela fresta que se abre entra gente que nao deveria entrar" - vocês sabem de quem ele está falando, pois nao? A dificuldade de se fazer música a sério, cinema a sério, literatura a sério resulta dessas concessoes, por mínimas que sejam, acredita - e nao está fazendo queixa. Assume a parte que lhe cabe da culpa coletiva: "O que nós plantamos, colhemos", diz.

Menciona um exemplo: em seus dois governos no Estado do Rio, Leonel Brizola levou a cidade um dia dita maravilhosa à mais humilhante condiçao de sua história. "No entanto, as pesquisas indicam Brizola em primeiro lugar na preferência do eleitorado carioca", indigna-se. Nao separa isso da diluiçao, rollingstonizaçao, da música baiana, dona de uma tradiçao de que ele é herdeiro carnal e criativo - o símbolo do processo, para ele, é Carlinhos Brown. "Eu ouço, jamais falaria sem ouvir", garante. "Mas é impossível gostar, por mais boa vontade que se tenha".

De longe, Dori canta a saudade do país que nao foi o que ele gostaria que fosse. Sente-se um pouco traído: foi-lhe prometido algo que nao se cumpriu. A formidável tristeza de sua música, tao brasileira, deve-se ao desencanto, que, ainda assim, nao o faz calar a boca, parar de compor e cantar. E atirar algumas pedras verbais, mesmo que doam mais nele do que em quem receba as pedradas.




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