Nacional Titulo
Nova pílula combate alcoolismo
Marco Borba
Da ARN, em Sao Paulo
09/10/1999 | 16:49
Compartilhar notícia


Médicos e pesquisadores brasileiros estao com as atençoes voltadas para os resultados de aplicaçao do Cloridrato de Naltrexona, um medicamento que está revolucionando o tratamento do alcoolismo. O fato que deu origem às pesquisas foi a constataçao feita, nos Estados Unidos, de que a substância, de fato, inibe os impulsos de quem tem tendência a beber.

O professor titular da Faculdade de Medicina do ABC Arthur Guerra é um dos poucos médicos brasileiros que já administram o medicamento em seus pacientes. Desde 1997, ele trata de um grupo de dez pessoas. "Oito delas já alcançaram a abstinência", garantiu. Guerra morava nos EUA quando ouviu os primeiros relatos da aplicaçao do medicamento, em 1992. "Como há dois anos a pílula ainda nao era vendida aqui no Brasil, tive de importar."

Mesmo com os resultados positivos, o médico do Grande ABC faz ressalvas quanto a sua aplicaçao. "Ele nao é o único, nem é mágico. Tratar o alcoolismo é um desafio muito grande. Nao há uma terapia melhor que a outra. Os fatores têm de ser combinados: medicamento, acompanhamento psicológico e também terapias em grupo."

Mas, nos EUA, onde as pesquisas estao mais avançadas, a avaliaçao é mais cheia de entusiasmo. "Trata-se de um medicamento revolucionário", afirmou o cientista e professor da Universidade de Yale Richard Schottenfeld ao participar de um seminário sobre o assunto, esta semana, em Sao Paulo. Responsável por uma série de pesquisas com dependentes norte-americanos, ele garante que, após 30 dias de uso, a substância pode inibir em até 90% a compulsao à bebida.

Valendo-se da prudência, no entanto, o professor se apressou em dizer que a pílula nao representa a cura. "O remédio contribui para as transformaçoes internas da pessoa. O controle desse impulso com a Naltrexona ajuda o paciente a se reencontrar psicologicamente." A exemplo de Arthur Guerra, Schottenfeld recomenda a aplicaçao do medicamento acompanhada de um tratamento psicológico.

Segundo o professor norte-americano, os estudos por ele realizados indicam que 54 dos 100 pacientes que tomaram o Naltrexona pararam de beber após três meses de tratamento. Dos 46 restantes, afirmou, 21 passaram a beber menos de cinco vezes ao dia, e os outros 25 continuaram a beber. Já entre os que tomaram o placebo (medicamento inerte), 31 pararam de beber. Dos 69 que sobraram, 19 bebiam menos de cinco vezes ao dia e 50 continuaram bebendo. A pílula apresentou efeitos colaterais (cansaço, dor de cabeça e náuseas) em 9% dos pacientes.

Schottenfeld disse nao considerar curto o período de testes para comprovar a eficácia da substância. "Essa droga está sendo usada há mais de 20 anos nos EUA e passou por diversos experimentos. Nesse período, os estudos mostraram que a Naltrexona é segura."

Os testes nos EUA começaram a ser feitos em 1989, com 200 alcoólatras. Os pacientes foram divididos em dois grupos de 100. No estudo, o chamado duplo cego (os pacientes dos dois grupos nao sabiam o que estavam tomando), a Naltrexona foi aplicada em 100 dependentes durante três meses. A outra metade tomou pílula de placebo (medicamento inerte). "Isso é feito para que nao haja induçao."

Conforme os especialistas, o alcoolismo nao está relacionado apenas a fatores sociais, estresse, ou a históricos familiares (quando há outros dependentes na família). A doença também é genética. Do ponto de vista fisiológico, essas pessoas têm uma quantidade menor de endorfina no cérebro, que possui uma área (sistema límbico) que realça a idéia do prazer pela bebida. "É nessas áreas que a endorfina atua, dando essa sensaçao. Nos alcoólatras, o álcool aumenta mais a quantidade de endorfina no cérebro do que nos nao-alcoólatras. Quando o sistema é ativado, dá à pessoa essa sensaçao de prazer, e aí ela nao consegue se controlar", disse David Schottenfeld.

Embora os testes americanos tenham sido iniciados há exatos dez anos, o FDA (Food and Drugs Administration) - equivalente norte-americano ao nosso Ministério da Saúde - só autorizou a aplicaçao do remédio para o tratamento de pacientes em 1994. Nos EUA, a pílula é comercializada pela Dupont Pharma. No Brasil, isso vem sendo feito pelo Laboratório Cristália, sediado em Itapira (interior paulista). "Por enquanto, estamos importando, mas pretendemos em breve estar produzir o medicamento aqui", disse o diretor-médico do laboratório, Alexandre Ferreira.

No Brasil, o remédio está sendo comercializado desde janeiro deste ano com o nome Revia, que atua como uma espécie de bloqueador nas células do cérebro que estimulam o ato de beber. Uma caixa com 30 comprimidos custa R$ 140. Ou seja, para um tratamento de três meses (um comprimido ao dia), a pessoa vai desembolsar R$ 420. Os médicos brasileiros esperam que, caso o remédio seja produzido no Brasil, o preço venha a cair. Segundo Ferreira, estima-se que o Brasil tenha atualmente cerca de 17 milhoes de alcoólatras e que a bebida seja responsável por 75% dos acidentes de trânsito com morte.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;