Cultura & Lazer Titulo
Aerosmith paga dívida em blues
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
06/04/2004 | 18:23
Compartilhar notícia


Há tempos o Aerosmith devia à praça um disco decente. A dívida está paga: Honkin’ on Bobo (Sony, R$ 37 em média), 14º álbum de estúdio da banda norte-americana, já está nas lojas. São quase 44 minutos de blues vigoroso e muito bem tocado. O CD é a prova de que roqueiros de estirpe, quando querem, fazem ótimos trabalhos.

Os anos 1970 foram pródigos para o grupo, que gravou LPs definitivos (Aerosmith, Get Your Wings, Toys in the Attic, Rocks). Já a década de 1980 legou discos medianos como Permanent Vacation e Pump. O desastre ocorreu nos anos 1990, com ruindades do tipo Get a Grip e Nine Lives que revelavam uma banda focada em baladinhas açucaradas para menininhas de MTV. O retorno aos bons tempos se dá com Honkin’ on Bobo.

Em momento algum o grupo de Steven Tyler (voz e harmônica), Joe Perry (guitarra), Brad Whitford (guitarra), Tom Hamilton (baixo) e Joey Kramer (bateria) avilta o blues tradicional. O gênero musical de Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, Muddy Waters, Robert Johnson e Willie Dixon surge em Honkin’ on Bobo naturalmente contemporâneo.

Com guitarras pesadas, à própria moda, o Aerosmith recria blues de Bo Diddley (Road Runner), Sonny Boy Williamson (Eyesight to the Blind), Willie Dixon (I’m Ready). Não são simples covers – a banda coloca sua personalidade em cada faixa.

A voz de Tyler pode já não ter o mesmo alcance que tinha há 30 anos – que se ouça Dream On, Seasons of Whiter, Sweet Emotion e Walk This Way –, mas ainda faz a diferença. Eyesight to the Blind é o exemplo mais evidente de que o carismático vocalista desperdiçou o talento nos últimos tempos.

Músicas de outros compositores não são uma novidade para o Aerosmith, que gravou versões de Come Together (pesada), Helter Skelter (forte) e I’m Down (simpática), dos Beatles. A novidade é o blues. Mas o grupo veleja bem nesse mar aberto, bebendo nitroglicerina e fumando dinamite, como diz a letra de I’m Ready, com a tranqüilidade dos veteranos que sabem o que fazem.

Para quem acha estranho uma banda que já deixou seu nome na história do rock tocar blues, aqui vai, traduzido, o título de uma das músicas mais conhecidas de Muddy Waters: “O blues teve um filho e chamaram-no de rock’n’roll”. E não custa lembrar que o grupo de Tyler que deu origem ao Aerosmith, Chain Reaction, abriu shows dos Yardbirds, lendária banda de blues.

faixas

1. Road Runner (E. McDaniel) é uma animada e preciosa versão de um dos gigantes do blues.

2. Os instrumentos em Shame, Shame, Shame (R. Ficher/K. Hopkins) revelam bom humor, um quase deboche; há a participação de Johnnie Johnson, um dos grandes pianistas de blues.

3. Eyesight to the Blind (S.B. Williamson) é uma versão mais solta e brincalhona que as de The Who, gravadas nos antológicos álbuns Tommy e Live at Leeds.

4. Há energia e fúria na acelerada recriação de Baby, Please Don‘t Go (J.L. Williams), um clássico já gravado por qualquer bluesman que se preza.

5. A versão de Never Loved a Girl (R. Shannon) é lenta, quase transformada em balada; não se compara, porém, às baboseiras pouco inspiradas que a banda vinha fazendo ultimamente.

6. Os vocais em Back Back Train (F. McDowell) sugerem não a tristeza, mas a melancolia de quem está longe de casa, perdido no meio de uma multidão.

7. Aliadas à inventiva cozinha de Hamilton e Kramer, as guitarras de Perry e Whitford se cruzam em You Gotta Move (Rev. G. Davis/F. McDowell) e lembram os melhores momentos do grupo.

8. The Grind (S. Tyler/J. Perry/M. Frederiksen) é o ponto frágil do disco; não chega a destoar do universo do blues, mas é nítido tratar-se de outro tipo de composição.

9. I’m Ready (W. Dixon) aparece diferente de versões consagradas como as de Muddy Waters, Jimmy Rogers e Jeff Healey; Aerosmith faz jus à letra (“Estou pronto para você/ Espero que você esteja pronta para mim”).

10. Temperature (J.M. Cohen/W. Jacobs): outro exemplo de modo contemporâneo de tocar o blues tradicional; não por acaso, Johnnie Johnson está no piano.

11. A divertida e pulsante Stop Messin’ Around (C. Adams/P.A. Green) contém gratificantes solos de guitarra e de gaita: para sair dançando.

12. Jesus Is on the Main Line (traditional, arranged by F. McDowell) fecha o CD retomando com guitarra slide uma das belas vertentes da música negra.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;