Economia Titulo Retrospectiva 2019
Após 52 anos, Ford encerra produção em São Bernardo

Mesmo com negociações envolvendo governos municipal e estadual, venda do parque fabril para a Caoa termina ano sem desfecho

Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
31/12/2019 | 07:05
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O ano que parecia promissor ao setor automotivo, que vinha decolando nas exportações, principalmente para o país vizinho Argentina, preparou um revés que atingiu em cheio a região. Além das dificuldades geradas devido ao fato de as vendas aos hermanos, que atravessam forte crise econômica, terem despencado, uma notícia pegou a todos de surpresa: o fechamento da Ford em São Bernardo.

Logo em fevereiro, a montadora anunciou a decisão de encerrar a produção de caminhões em toda a América do Sul, o que atingiria em cheio a planta do Grande ABC, que neste ano completou 52 anos. Isso porque a unidade confeccionava três modelos de caminhões (Cargo, F-4000 e F-350) e o New Fiesta, único automóvel, cuja fabricação foi descontinuada em junho.

E a determinação da matriz da Ford, nos Estados Unidos, nada teve a ver com o cenário das exportações nem com as vendas mornas no mercado interno. Até porque, no fim do ano, houve reação nos licenciamentos. Para se ter ideia, números da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) mostravam que a venda de pesados, de janeiro a outubro, último mês de operação da montadora no Grande ABC, foram emplacados 84.242 caminhões e ônibus em todo o País, alta de 37,96% em comparação a igual período do ano passado. Significa que foram comercializados 23.178 exemplares zero-quilômetro a mais. Esse percentual de crescimento é quase quatro vezes maior que a média dos emplacamentos de todos os veículos, que apresentou alta de 10,6%, totalizando 3,320 milhões de unidades em igual período.

A planta da Ford, que chegou a manter 12 mil empregos em 1987 e confeccionou modelos icônicos, como o Corcel, o Del Rey e o Escort XR3, no início do ano tinha 2.800 trabalhadores. No último dia de operação, em 30 de outubro, os últimos 650 empregados do chão de fábrica foram desligados. A parte administrativa da unidade será transferida para o bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, onde a Ford está desenvolvendo um novo centro administrativo, em março de 2020.

PLANO B

Um segundo golpe sofrido foi que, mesmo após meses de negociações envolvendo os governos municipal e estadual, a venda do parque fabril da Ford em São Bernardo não foi concluída até hoje. A expectativa era a de que até o encerra mento das atividades, o Grupo Caoa assumisse a operação e contratasse 850 ex-funcionários da Ford. Até foi negociado junto ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que os novos salários seriam, em média, 30% inferiores aos remunerados até então, a fim de garantir os empregos. A fila de interessados em trabalhar para a nova companhia chegava a 1.300 ex-empregados da Ford.

Porém, em evento voltado ao setor automotivo em dezembro, o fundador e presidente do conselho do Grupo Caoa, Carlos Alberto Oliveira Andrade, afirmou, durante rara aparição pública, que as chances de comprar a planta da montadora norte-americana no Grande ABC eram remotas, apesar de não ter desistido dela. Questionado, Andrade disse que não daria mais detalhes, uma vez que não queria criar expectativa entre os trabalhadores nem com o sindicato.

Um dos entraves da intenção do grupo de, em um primeiro momento, fabricar caminhões e, posteriormente, dois novos modelos de automóveis, foi a falta de financiamento. Foi aventado empréstimo junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que no dia 20 de novembro confirmou que não deveria emprestar dinheiro para a Caoa para adquirir a fábrica, já que liberar verba para compras não faz parte da política do banco, e que o financiamento só poderia ser concedido após a aquisição, para possíveis reformas ou ampliações.

Ford e Caoa chegaram, inclusive, a traçar plano B e a negociar independentemente do BNDES, o que também não avançou.

Ainda em dezembro, poucos dias depois de Andrade diminuir a expectativa de adquirir a Ford, a montadora chinesa BYD, especializada em veículos elétricos, demonstrou interesse na unidade da região. O presidente da Ford na América do Sul, Lyle Watters, comentou, em evento com jornalistas, que esperava desfecho sobre a venda da fábrica de São Bernardo “em breve”, o que ainda não aconteceu.


Setor sofre com queda nas exportações para Argentina

O impacto da crise argentina – em 2018, o país vizinho consumia 75% das exportações e, agora, 51% – fez com que montadoras postergassem algumas medidas esperadas para 2019. A GM, por exemplo, que planejava retomar o terceiro turno em São Caetano no segundo semestre, deixou as contratações para 2020, assim como o início da produção de novo modelo, possivelmente o Tracker, hoje importado do México. A novidade era esperada para dezembro.

Todas as decisões foram tomadas após a GM ameaçar sair de São Caetano, no início do ano, devido aos altos impostos cobrados no País, e só aceitou ficar em troca de flexibilização de direitos trabalhistas e diante do aumento de incentivos fiscais junto ao poder público. O resultado foi o anúncio do investimento de R$ 10 bilhões nas fábricas de São Caetano e São José dos Campos entre 2020 e 2024 na contrapartida de obter benefícios. O Estado criou o IncentivAuto, que vai conceder até 25% de desconto no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) mediante investimento das montadoras de, no mínimo, R$ 1 bilhão, somado à geração de pelo menos 400 empregos. A cidade ofereceu abatimentos no ISS (Imposto Sobre Serviços), no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e na conta de água em troca de aumento de produção e geração de emprego.

Novo modelo da Volkswagen, que celebrou neste ano seis décadas em São Bernardo, também ficou para junho de 2020, uma vez que a montadora lançou mão de férias coletivas de um mês e lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho) de cinco meses para 1.200 trabalhadores a partir de janeiro. O CUV (utilitário compacto) será chamado de Nivus e o investimento será de R$ 2,3 bilhões.

A Mercedes-Benz, embora também sofra com a queda nas exportações, anunciou em agosto a retomada do segundo turno – operação com turno único acontecia desde 2016. A mudança foi impulsionada pela renovação da frota dos coletivos em São Paulo. A empresa também anunciou que vai aportar R$ 1,4 bilhão em nova linha de caminhões em 2020.

E a Scania, por sua vez, embora não sofra tanto com a Argentina, devido ao fato de ser a maior plataforma de exportação da marca fora da Suécia, anunciou em maio que R$ 1,4 bilhão será aplicado entre 2021 e 2024. Além disso, para 2020 terá centro logístico mais perto, o que irá agilizar o processo. 




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