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Sobrecarga conquistada
Alessandro Soares
08/03/2009 | 07:00
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Da AFP


Para elogiar o treinador da seleção feminina de futebol, o presidente do Fluminense ofendeu as mulheres ao dizer que o técnico levou as meninas com "dois neurônios" à conquista da medalha de prata na Olimpíada. Um desrespeito machista que mereceu a repulsa feminina e masculina. As mulheres, com toda a sua sabedoria e sensibilidade, atingiram muitas conquistas nos últimos anos, mas ceder o assento ou abrir a porta do carro a elas continuam sendo gentilezas bastante apreciadas.

Mulheres estão em cargos de comando nas empresas e na política, mulheres chefiam lares, mulheres são artistas, escritoras, intelectuais, atletas, policiais, operárias, engenheiras, advogadas, médicas. Mulheres sustentam lares, desenvolvem projetos, inventam soluções. Mulheres dirigem escolas de samba, como Solange Bichara, campeã com a Mocidade Alegre em São Paulo, e Regina Duran, que comandou o titulo do Salgueiro; ou podem optar por só cuidar da casa, das filhas e do marido, como fez a advogada atuante Michelle Obama, durante a campanha do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Podem também optar por não se casar, querer ou não ter filhos, e têm o direito de processar maridos em caso de agressão.

A mulher conquistou muito nos últimos 40 anos, mas parece ter caído numa armadilha da modernidade. Ao mesmo tempo em que ela pode tudo o que foi citado acima, ainda é pressionada a ser boa dona de casa, boa mãe, boa para o marido, boa de cama, sexy, bonita, magra e competente no trabalho. Uma mulher com doutorado, professora universitária, ainda se sente na obrigação de se levantar da escrivaninha para fritar bife para o filho marmanjo. Um paradoxo das conquistas femininas.

Um dos responsáveis por essa sinuca em que a mulher se encontra é o homem: ele a quer moderna, liberal, independente, mas ao mesmo tempo prefere o comportamento da mulher de antigamente, sabendo que também pode optar por não trabalhar e cuidar da casa. Ela ainda está presa a papéis do passado, pois tanto é cobrada em seu papel de esposa, mãe, e profissional, quanto se cobra para se sair bem no trabalho e cuidar bem do marido, dos filhos e do lar, responsabilidades que não admite dividir. E pouco tempo sobra para ela mesma.

Aparece o fardo da culpa, a sensação de ser mais ou menos mãe, mais ou menos esposa, mais ou menos profissional. Uma culpa que a mulher se atribui, excluindo o homem dela. Além disso, a criação de filhos ainda segue modelos presos ao passado, na maioria das famílias.

Fazer multitarefas é outra característica feminina, imposta pelos novos ritmos. Falar ao telefone para resolver algo do trabalho enquanto mexe a panela e grita para as crianças se arrumarem para escola; conferir se as lições dos filhos foram feitas e se o marido não esqueceu de levar alguma coisa para o trabalho enquanto planeja o orçamento doméstico e pensa em pagar as contas do mês, sem esquecer o horário do cabeleireiro, da depilação e da ginástica. São algumas das atividades que desempenha ao mesmo tempo, ao longo do dia.

Mais atribuições, mais responsabilidades com mais direitos e liberdades. Tudo sem que a mulher possa prever a sobrecarga conquistada. Esse período de mudanças sugere que vivemos em uma transição. A transformação completa ainda não aconteceu, pois embora não existam brigas acirradas entre feministas e machistas, ainda há tensões no ambiente doméstico.

A mulher vive um impasse entre o papel tradicional, que ainda lhe é cobrado, e o novo estilo de vida conquistado na modernidade. Uma transição nem sempre pacífica, nem sempre compreendida, pois o mundo tal qual o conhecemos é um produto de sociedades patriarcais e pouca coisa mudou desde a época colonial. Não há como negar. Elas conquistaram espaços e direitos com competência, inteligência, esforço e charme.

Caberia ao homem perceber que precisa compartilhar mais tarefas com a mulher, sentir suas necessidades e carências. Mas temos ainda muito a aprender com elas para atravessar as transformações da modernidade.




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