Cultura & Lazer Titulo
'Spartan' é filme de 'herege'
Do Diário do Grande ABC
19/11/2004 | 10:32
Compartilhar notícia


Diz lá um dos mandamentos da ortodoxia hollywoodiana que o diretor não frustrará as expectativas de seu público, que calculará muito bem os momentos de bater e assoprar seus espectadores, e não deixará de punir toda vilania. Nesses termos, Spartan é obra de um herege, chamado David Mamet, que desrespeita o Sinai audiovisual em favor de uma assimilação diversa daquela à qual você está acostumado. Oposição por si só não faz arte, mas este filme que estréia nesta sexta, em uma sala em Santo André, contém muito mais que simples rebelião. É uma questão de reestruturação dramatúrgica a partir do filme de espionagem.

Frente a Spartan, é até possível perdoar Mamet pelo roteiro do abominável Hannibal (2001; de Ridley Scott) e recordar o escritor que colaborou com Os Intocáveis (1987; de Brian De Palma). O novo filme é dirigido e roteirizado por ele, a exemplo das duplas jornadas que já fizera em O Assalto (2002) e Deu a Louca nos Astros (2000).

O começo de Spartan situa-se em um campo de treinamento militar, em que o pragmatismo é o único interesse. Só presta o que tem relevância para as missões, não se sociabiliza e nem se fala de família ou amigos. O interlocutor dessas regras é um oficial (Val Kilmer) que logo em seguida é convocado para comparecer a um escritório em que homens, aparentemente pertencentes ao serviço secreto, tentam localizar uma garota, também aparentemente importante, que foi seqüestrada. Ela provavelmente virou objeto do tráfico de escravas brancas, que abduz garotas de várias partes do mundo para remetê-las como prostitutas a países árabes.

Em questão, a estrutura que um roteiro deve adotar diante dos personagens. Spartan encadeia suas tramas segundo a velocidade das ocorrências e não segundo o conforto do espectador e do modelo em voga. Desvia de seqüências retóricas, deslocadas da sucessão dos fatos, para reafirmar heroísmos, para condenar canalhices ou para apresentar personagens. O público, em Spartan, sente-se como se pegasse o bonde andando; e o veículo não parará para explicar nem detalhar nada.

Sabe-se tudo de passagem, ou em diálogos aparentemente casuais ou por uma TV ligada que noticia os fatos. O nome do protagonista, por exemplo, será dito bem adiante, casualmente. Quanto à personagem seqüestrada, sabe-se que é filha de alguém importantíssimo, mas não exatamente quem. Mamet evita falsos suspenses e climas artificiosos em Spartan, desde já um filme que compreende o momento como algo intrínseco à vida, não ao cinema; ou, se preferir, um cinema não-comprimido. De quebra, o cineasta ainda ataca a retórica do conservadorismo político, capaz de atentar contra a própria família - instituição que é alicerce de sua ideologia - em benefício da imagem pública.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;