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Professor controla trote na USP
Cláudio Luis de Souza
Da ARN
15/01/2000 | 20:31
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O trauma institucional causado pela morte de um calouro durante os trotes na Faculdade de Medicina, em fevereiro do ano passado, levou a Universidade de Sao Paulo a se precaver como nunca para evitar novas tragédias. Os alunos veteranos, que controlavam a recepçao dos ingressantes, terao de dividir a tarefa com professores e funcionários; na Medicina, usarao até crachás para facilitar a identificaçao. Além disso, todas as atividades extra-classe da primeira semana de aula, em todas as unidades da USP, tiveram de ser aprovadas por um grupo de trabalho especial, ligado à Pró-Reitoria de Graduaçao e comandado por um professor do Instituto de Física.

Os trotes foram proibidos na USP pelo reitor Jacques Marcovitch em abril de 1999. A decisao foi conseqüência direta da morte de Edison Tsung-Chi Hsueh, 22 anos, calouro de Medicina que se afogou na piscina do clube da associaçao atlética da faculdade, durante o trote do ano passado. Autoridades que acompanham o caso acreditam em homicídio; todos na cúpula da USP falam em acidente.

Depois da portaria interna assinada por Marcovitch veio a Lei estadual 10.454, de 20 de dezembro de 1999. Ela proíbe "a realizaçao de trote aos calouros de escolas superiores e de universidades estaduais, quando promovido sob coaçao, agressao física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos". A lei responsabiliza reitores e diretores de unidade por qualquer incidente.

Na Medicina, que será o centro das atençoes principalmente nos dias 6 e 7 (matrículas) e entre os dias 21 e 25 de fevereiro (primeira semana de aula), a soluçao encontrada foi "criar mecanismos de responsabilidade", como define o diretor da faculdade, Irineu Tadeu Velasco, 52 anos. Um desses mecanismos, já citado, é a identificaçao dos veteranos por meio de crachás. Outro é forçar a cortesia na relaçao entre eles e os calouros.

Sessenta veteranos foram designados padrinhos dos ingressantes. Cada um cuidará de três afilhados, que anotarao seu telefone e e-mail para contato rápido. A idéia é facilitar o esclarecimento das dúvidas dos calouros e ajudá-los na familiarizaçao com as instalaçoes da Medicina. Essa aproximaçao entre as partes também torna quase impensável qualquer atitude mais agressiva.

"A recepçao vai ser um ato de alegria", afirma o professor Marcos Boulos, 54 anos, presidente da Comissao de Integraçao da Faculdade de Medicina. "Vamos mostrar nossa casa para os calouros, a casa que vai ser deles também." Ele conta que a comissao conseguiu reunir, na preparaçao da recepçao deste ano, integrantes das quatro facçoes em que se divide a maioria dos alunos da faculdade (Diretoria Científica, Centro Acadêmico, Associaçao Atlética e um grupo conhecido como Show Medicina). "Houve consenso, uma preparaçao conjunta", comemora Boulos. Com isso, uma eventual atividade nao-oficial de veteranos durante a recepçao dos calouros ficou praticamente inviabilizada.

Velasco admite que este era um dos temores na Medicina. "É claro que, entre mais de mil alunos, sempre vai haver um grupo de uns dez desajustados", afirma. Mas a expectativa é de que esses "sociopatas" nao causarao problemas durante o trote. "Provavelmente nao vai haver nem corte de cabelo ou pintura dos calouros. Só se alguém pedir", prevê Boulos.

A participaçao dos professores nas atividades de recepçao dos calouros deve acontecer em toda a USP. "O importante é o envolvimento do corpo docente", afirma Luiz Carlos Gomes, 55 anos, professor do Instituto de Física e presidente do Grupo de Trabalho Pró-Calouro, formado em 1998 - antes, portanto, da morte de Edison, da portaria de Marcovitch e da lei 10.454.

"O grupo surgiu porque havia muita reclamaçao contra os trotes", conta o professor. Um exemplo é o recebimento de um dossiê sobre trotes violentos na Esalq, em Piracicaba. "Lá, alguns alunos simplesmente desistiam do curso", afirma Gomes. Ele admite que, depois da morte do Edison, o Pró-Calouro passou a ter um papel "mais ativo".

Uma das decisoes do grupo foi excluir o pedágio, em que calouros pedem dinheiro nos cruzamentos, das atividades oficiais na semana de recepçao, para evitar o risco de atropelamentos e confusoes. Mas Gomes avisa: "No fundo, é impossível impedir que um acidente aconteça".

A forte ingerência dos docentes na recepçao dos calouros irritou o Diretório Central dos Estudantes da USP. "A perda de autonomia das entidades estudantis na recepçao é um problema", observa Diogo Moyses Rodrigues, 20 anos, aluno da Escola de Comunicaçoes e Artes e diretor do DCE. "Acreditamos que alunos têm de ser recebidos por alunos", disse. O DCE teme também que a Polícia Militar seja chamada para intervir em eventuais conflitos no campus.

Luiz Carlos Gomes descarta a hipótese: "Nao haverá PM. A segurança ficará a cargo da Guarda Universitária".




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