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À espera do próximo verão
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
23/05/2011 | 07:01
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É só garoar na Favela da Biquinha que o coração da auxiliar de enfermagem Lúcia Rosa, 42 anos, começa a acelerar. Ela vive em uma das 56 áreas de risco de São Bernardo. A parte dos fundos de seu barraco dá para um morro que desliza mesmo quando não chove. "A Defesa Civil veio no começo do ano e disse que tenho de tirar a terra quando cai. Eles afirmaram que não corro perigo", contou.

Lúcia mantém na parte de trás do barraco um carrinho de mão, com o qual retira os montes que rolam a ribanceira e entram pelos cômodos. "Vivo com medo."

A história de Lúcia é a mesma de milhares de pessoas no Grande ABC, que vivem sob a constante ameaça de serem engolidos pela terra. As rondas e vistorias da Defesa Civil, comum nos período de chuvas, desaparecem a partir de abril.

O poder público faz pouco para combater enchentes e deslizamentos durante a estiagem, período mais indicado para obras desse tipo, segundo o especialista em economia ecológica da Universidade de São Paulo, Paulo Antonio de Almeida Sinisgalli.

O especialista explicou que a tendência natural dos morros é deslizar e se a vegetação é retirada, isso piora. "O problema não é ocupar, mas ocupar mal, sem planejamento e sem manter as árvores de raízes profundas, que são aquelas que contribuem para a estabilidade do solo", destacou.

Para o especialista, é possível resolver o problema. "Requer vontade política e investimento para tirar quem precisa sair e fazer obras de infraestrutura para os que podem ficar", explicou.

MACUCO

No Morro do Macuco, em Mauá, palco de tragédia que vitimou quatro pessoas em janeiro, a dona de casa Thaís Almeida da Silva, 33, cobre o barranco em frente à casa com sacos de plástico. "Aqui tinha uma escada, mas ela caiu no começo deste ano", afirmou. Pouco restou do pequeno quintal, apenas o suficiente para alcançar a escada improvisada que dá acesso à residência.

A operadora de caixa Elizabete Madalena Santos, 28, chegou a ter o imóvel interditado pela Defesa Civil de Mauá por conta de infiltração na parte de cima da rua. "Se sair daqui, eles derrubam minha casa. E depois não pagam bolsa-aluguel", alfinetou. A Prefeitura não informou quantas áreas de risco existem na cidade.

Em Diadema, a dona de casa Filismina de Jesus, 55, mora na Vila Santa Rita, às margens do córrego Menino Jesus. Está ali há 26 anos e já viu muito barraco ser levado por enchentes. "Eu mesma já perdi tudo algumas vezes", lamentou. Na cidade, 15 áreas de risco são monitoradas, e 73 pessoas foram removidas até março deste ano.

Claudinéa Pereira da Silva vive no Jardim Santo André, em Santo André, e aguarda o dia em que ganhará uma casa. Há pouco mais de um ano ela viu o barraco onde vivia ser destruído depois que a terra desceu. Hoje, vive no alojamento. "Não sei quanto tempo vou ficar aqui, esquecida pela Prefeitura", reclamou. Em Santo André, há 23 áreas em que podem ocorrer deslizamentos.

 


Investimentos de R$ 28 mi priorizam combate a enchentes

O Grande ABC investiu R$ 28 milhões em obras de combate à enchentes que deverão ser entregues ainda neste ano. O montante se divide em intervenções realizadas em Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema. Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não responderam.

Em Santo André, onde há 23 áreas com risco de alagamentos, obras antienchente da Vila Luzita devem ser concluídas até o fim de maio. Os serviços consistem na construção de galerias de águas pluviais que irão captar e armazenar parcialmente a água da chuva, escoando o excedente diretamente no Córrego Guarará. As intervenções custaram cerca de R$ 10 milhões e beneficiarão 10 mil pessoas.

Em São Bernardo, a Prefeitura prevê desobstruir 40 mil bocas de lobo neste ano, além de realizar limpeza de córregos, drenagem, tratamento de encostas, estabilização de taludes e recuperação de vias de acesso em assentamentos precários. O investimento é de R$ 3 milhões. Há ainda previstos recursos do PAC 2, cuja licitação deve ser publicada em junho, além de investimento de R$ 1 milhão para limpeza dos piscinões.

Em Diadema, as canalizações são o foco. As obras estão sendo realizadas nos córregos Monteiros e Ribeirão dos Couros, com financiamento de R$ 13 milhões do Ministério das Cidades e contrapartida de R$ 800 mil da Prefeitura. A previsão de conclusão é o fim de agosto.

Em São Caetano, onde não há áreas suscetíveis a deslizamentos, a Prefeitura monitora 16 pontos com risco de enchentes, espalhados pelos bairros Nova Gerty, Mauá, Jardim São Caetano, Vila São José, Santo Antonio, Centro, Fundação e Prosperidade.

Estão em andamento as obras de muro de contenção na Avenida Guido Aliberti, no trecho entre a Rua São Paulo e Rua Barão de Mauá, com altura média de 1,20 metros. Na mesma avenida, no trecho entre a Estrada das Lágrimas e Faculdade Mauá, outro muro de contenção com 2,25 metros está em execução.

Prefeituras removeram 1.423 famílias

Ao menos 1.423 famílias tiveram de deixar suas casas no último período chuvoso na região. Elas foram removidas de áreas de risco pelas prefeituras e aguardam solução amparadas pelos programas de bolsa-aluguel.

Em São Bernardo todas as moradias consideradas em alto risco de desabamento foram removidas. De dezembro de 2010 a abril de 2011 a Defesa Civil interditou 153 residências. Os removidos foram inscritos e recebem auxílio mensal de R$ 315.

Em Diadema, 73 famílias foram retiradas de suas casas e incluídas no bolsa-aluguel desde dezembro de 2010. Elas tiveram os imóveis interditados após enchentes e deslizamentos,

Em Mauá, estima-se que mais de 700 pessoas tiveram de deixar áreas de risco na cidade. Elas começaram a receber o benefício, mas a Prefeitura deixou de pagá-lo ao alegar que precisava se certificar de que todos os contemplados pelo auxílio haviam realmente deixado as zonas de perigo.

Já a Defesa Civil de Santo André interditou mais de 1.000 imóveis. Destes, ao menos 497 famílias entraram para o bolsa-aluguel.




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