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Filme 'Mauá, o Imperador e o Rei' é acusado de plágio
Do Diário do Grande ABC
27/10/1999 | 15:21
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O filme "Mauá, o Imperador e o Rei", em cartaz há duas semanas, continua no meio de uma polêmica que promete dar pano para manga. Nesta semana, o jornalista e historiador Jorge Caldeira apresentou um estudo comparativo com o qual pretende provar que o roteiro do filme dirigido por Sérgio Rezende e produzido por Joaquim Vaz de Carvalho foi plagiado do seu best seller "Mauá - Empresário do Império". O livro foi lançado em 1995 pela Companhia das Letras e já vendeu 94 mil exemplares.

Vaz de Carvalho e Rezende processam Caldeira desde 1997 por danos morais decorrentes de calúnia. O processo número 2.661/97 corre na 15.ª Vara Cível de Sao Paulo. O motivo foi uma declaraçao dada por Caldeira ao "Jornal da Tarde", logo depois de ter lido o roteiro do filme registrado na Biblioteca Nacional. A declaraçao: "O filme é um plágio, estao usando a minha obra."

Notificado, Caldeira conta que depôs e declarou: "Nao menti; disse a verdade, que o filme é um plágio e eles é que me devem indenizaçao e nao eu a eles." Com a acusaçao de Caldeira, o processo foi reconvencionado e Vaz de Carvalho e Rezende passaram à condiçao de réus acusados de plágio.

Segundo Caldeira, o livro é resultado de dois anos de pesquisas em 20 arquivos de quatro países, além do Brasil: Uruguai, Argentina, Estados Unidos e Inglaterra. Nesse tempo, reuniu 30 mil documentos relativos a Irineu Evangelista de Sousa o barao que depois virou visconde de Mauá.

Perícia - No início de 1998, a Justiça determinou que se realizasse uma perícia para apurar a acusaçao de plágio. Depois de quase um ano de trabalho, o perito designado morreu de enfarte. Novo perito foi escolhido e os trabalhos recomeçaram há poucas semanas.

Conforme afirma Caldeira, o roteiro protocolado por Vaz de Carvalho na Biblioteca Nacional sob o registro BN 112.279, em 27 de maio de 1996, refere-se a Mauá apenas no título, enquanto o conteúdo é o de uma história policial. A acusaçao de Caldeira recai sobre outro roteiro, o que foi enviado pelo produtor ao Ministério da Cultura (MinC) para formar o processo 01400.05090/96-73, a partir do qual se pode captar recursos para a realizaçao do filme.

Segundo Caldeira, esse roteiro tem apenas 3,8% de suas informaçoes retiradas dos dois livros dos quais o produtor informa ter baseado sua história - Autobiografia, prefaciado por Claudio Ganns, e Mauá, de Alberto de Faria - e 96,2% do roteiro teriam sido retirados do livro de Caldeira, além de outras obras de referência.

"Esse roteiro tem 151 seqüências, das quais 149 aparecem exatamente da forma como estao em meu livro: mesma ordem de apresentaçao, mesmos personagens, mesmos conflitos, mesmas situaçoes, mesmas oposiçoes", diz Caldeira, reafirmando o que já havia escrito no jornal "O Estado de S. Paulo".

O diretor Sérgio Rezende, que na semana passada se defendeu num texto publicado no Estado, prefere nao comentar mais o caso. "Esse assunto para mim acabou", diz. "O caso está na Justiça, que é quem decidirá", continua. "Abrir a discussao para um júri popular é uma coisa inócua."

Há dois meses, Caldeira começou a decupar uma por uma as seqüências do roteiro registrado por Vaz de Carvalho no MinC. Tem feito o trabalho, informa, para municiar seus advogados. O roteiro tem ao todo 151 seqüências. Ao final, pretente incluir seu levantamento no processo. Caldeira concluiu a primeira parte do minucioso trabalho sobre 30 seqüências e o apresentou ao Estado (leia quadro ao lado). Diz que vai dedicar os próximos meses a decupar todo o roteiro.

No quadro, Caldeira compara, por exemplo, uma cena da seqüência 15 do roteiro: "Final do expediente, varrendo o armazém", com trecho descrito na página 61 de seu livro: "Irineu aprendeu como todos, fazendo o que os mais experientes mandavam. Primeiro, o ensinaram a se localizar dentro da loja: arrumava mercadorias nas prateleiras, varria o chao."

Outra parte do roteiro: "Os ingleses querem acabar com o tráfico de escravos." Trecho da página 98 do livro: "Em 1823 os liberais propuseram secretamente ao governo britânico (...) trocar o reconhecimento do país (...) pela extinçao do tráfico de escravos."

Mais um ponto do roteiro: "Ainda temos de conviver com um imperador maluco, que qualquer hora larga tudo e volta para Portugal." Trecho do livro de Caldeira: "O rei era tao contraditório quanto as paixoes que despertava: rezava pela cartilha liberal que colocava a lei acima do personalismo, mas nao admitia que lhe ditassem o que fazer (...)"

Dinheiro perdido - De acordo com Caldeira, apenas duas informaçoes incluídas no roteiro poderiam ter sido retiradas dos dois livros indicados por Vaz de Carvalho. Sao elas: Irineu engraxando botas e a parte da informaçao de que o menino recebe a chave do cofre aos 13 anos. "Essas informaçoes compoem 2 blocos entre os 51 presentes no trecho do roteiro analisado", acusa Caldeira.

Em sua comparaçao, o historiador afirma que metade das seqüências (as de números 12, 15, 21, 26, 27, 28, 29 e 30) tem todo seu material integralmente encontrado no livro. Da mesma forma, segundo ele, 35 dos 51 blocos informativos (68% do total de blocos) têm todo seu material encontrado no livro.

Caldeira afirma ter perdido dinheiro com a realizaçao do filme de Vaz de Carvalho e Rezende. Diz ter vendido os direitos do seu livro para a produtora O2 Filmes, que planeja adaptar o best seller para o cinema. "Eles já estavam negociando parceria com uma produtora de Los Angeles", diz. "O roteiro seria assinado por um americano", continua. "É tudo um sonho que acabou."

Num texto conclusivo, o historiador diz que, "no processo, Carvalho afirma ter lido o livro antes de iniciar a confecçao de seu roteiro". Continua: "Mesmo assim, certamente poderia ter feito uma nova pesquisa." Prossegue: "Mas dela resultou uma imensa semelhança - mais exatamente 96% do total de blocos informativos que apresenta neste trecho do seu roteiro - com aquele livro que já tinha lido." E finaliza: "No livro está tudo o que precisava encontrar para suprir as lacunas de seus 'originais': cenário, trama, características e açoes dos personagens."

O historiador afirma que seu objetivo é provar na Justiça que o roteiro apresentado por Vaz de Carvalho no MinC é um plágio de seu livro. "Depois, espero que ele perca o direito de autor e, por conseqüência, todos os direitos sobre o filme", diz Caldeira.




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