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As histórias de carros com vida curta
Percy Faro
Especial para o Diário do Grande ABC
24/07/2001 | 19:14
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O brasileiro já assistiu à reprise deste filme várias vezes: de repente, surge no mercado um novo automóvel e, também repentinamente, desaparece! Não foram poucos os modelos que conheceram esta experiência. E a pergunta é sempre uma: por que? As respostas, porém, têm diferentes justificativas para explicar a curta vida de determinados veículos – alguns inclusive nem sequer chegaram à comercialização propriamente dita.

As respostas podem estar relacionadas, por exemplo, tanto às tendências do mercado (no início do desenvolvimento do projeto, as pesquisas deram sinal verde para a viabilidade de vendas do novo veículo mas, quando concluído, a realidade era outra, completamente oposta) como a um erro de projeto, prevendo um produto com características “X” mas que resultou em “Y”, deixando-o fora da realidade. Entretanto, todas têm em comum a barreira financeira. Esse aspecto invariavelmente sempre está atrelado à história do automóvel que não teve fôlego suficiente para encarar de frente o sobe-desce da economia brasileira.

O Aurora 122-C, um projeto da década de 80, é um dos melhores exemplos desse tipo de episódio. Retratou com cores vivas o quadro. Quando teve início, o Projeto Aurora – um superesportivo inteiramente fabricado no Brasil – era viável. Quatro anos mais tarde, o otimismo deu lugar ao pessimismo, a euforia de seus idealizadores foi vencida pelo desalento e o sonho por pouco não se transformou em pesadelo – se é que isso não aconteceu mesmo.

Duas razões fundamentais levaram o Aurora 122-C à pique: em 1988 pouco se cogitava sobre a abertura da importação de automóveis, suspensa pelo governo brasileiro desde 1976, e muito menos que os veículos importados competiriam em preços, rapidamente, com os nacionais. Estes eram os dois desafios para o superesportivo da Aurora, quando o veículo foi apresentado à imprensa especializada, em São Paulo, quatro anos depois.

Para um projeto brasileiro, com quase quatro anos de vida, o Aurora esbanjava sofisticação e avanço tecnológico, pelos itens de série que já oferecia para o consumidor naquela época. Conheça alguns exemplos:

Computador de bordo que, entre outras funções, acendia automaticamente as lanternas toda vez que a luminosidade natural diminuía (quando cai a noite ou o carro entra em um túnel) e apagava quando a luz voltava; comando inteligente de ar-condicionado para manter a temperatura ideal no interior do veículo; sistema que impedia que o motor funcionasse sem que motorista e passageiro não estivessem utilizando os cintos de segurança; efetuava o chamado “lamp-test”, para checar o funcionamento de todas as luzes espias quando a ignição era ligada; e comando do piloto automático que, hoje todos sabem, é um componente que permite programar e manter aceleração constante na estrada, sem a interferência do motorista.

O comprador do Aurora recebia juntamente com o automóvel um conjunto de malas de viagem, em couro legítimo, projetadas para se adaptar ao pouco espaço disponível atrás dos bancos, por se tratar de um carro esportivo. As malas se encaixavam com perfeição sem prejudicar, inclusive, a visão traseira do motorista e eram suficientes para a quantidade de roupas de um casal em viagem de uma semana.

O sistema de câmbio também era uma exclusividade. Ao invés dos tradicionais varões metálicos, o “pai” do superesportivo nacional e sócio-proprietário da então Aurora Veículos, Oduvaldo Barranco, projetara um sistema por cabos flexíveis que permitia a colocação da alavanca na posição que melhor se adaptasse ao motorista.

O nível de conforto do superesportivo chegou ao ponto de revelar a preocupação de inclusive evitar que as chaves esbarrassem nas pernas do motorista e, por isso, foram instalados na coluna de direção dois encaixes onde se prendiam as chaves da porta e do tanque de combustível sempre que se colocava a terceira na ignição – naquela época eram poucos os modelos que utilizavam chave única para as três funções.

Ao bom acabamento interno e aos bancos revestidos em couro, somavam-se potência e alto desempenho. A motorização utilizada era do GM Monza 2.0, assim como a transmissão. Mas, do motor GM propriamente dito, utilizava-se praticamente apenas o bloco. Incorporando uma série de modificações radicais no motor, o Aurora 122-C era oferecido em duas versões: turboalimentado, com 214 cv, e aspirado, com 173 cv. O conjunto era traseiro, com disposição entre-eixos para melhor distribuição do peso, com velocidade máxima de 254 km/h (turbo) e 238 km/h (aspirado).

Onde emperrou o Projeto Aurora? Claro, nos preços! No início dos anos 90, a moeda brasileira era o Cruzeiro e o Aurora 122-C custava, nada mais nada menos, que acima de Cr$ 125 milhões e Cr$ 122 milhões, nas versões turbo e aspirado, respectivamente. Ou seja, competia com os importados. Com design inspirado na famosa Ferrari F-40, as dúvidas sobre a venda de cinco unidades/mês, que era a meta da empresa, recaíram exatamente sobre o preço do carro, já que muitos importados, com tecnologia até mais sofisticada do que a do 122-C, eram encontrados no Brasil custando significativamente menos. Assim, todos os esforços do projeto audacioso rolaram água abaixo diante da nova realidade do mercado automobilístico brasileiro.




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