Nacional Titulo
Voluntários protegem desova de tartarugas no AM
Do Diário do Grande ABC
18/05/2000 | 16:27
Compartilhar notícia


Quando as águas do Juruá baixam e expoem os bancos de areia das margens do rio, entre agosto e outubro, 12 moradores da Reserva Extrativista do Médio Juruá deixam de trabalhar nos seringais e roças para se revezarem em plantoes de vigia voluntários, 24 horas por dia. Os outros extrativistas, seus vizinhos, cuidam da roça para eles e dividem o pouco que ganham com os produtos florestais, de forma que eles possam proteger a desova das tartarugas, tracajás e iaças de seu maior predador, o homem.

Estes 12 fiscais foram treinados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a quem denunciam eventuais invasores. Os voluntários nao têm poder para autuar, mas desestimulam a açao dos predadores na base da conversa. E quando a conversa nao funciona, apelam para as denúncias. Sua simples presença nos tabuleiros de desova dos chamados "bichos de casco", nos últimos três anos, já trouxe resultados: em alguns pontos da reserva e no seu entorno, triplicou o número de ninhos produtivos.

A exemplo das tartarugas marinhas, as fêmeas das espécies fluviais também desovam sempre no mesmo local, onde nasceram. Quando sobem na areia para cavar os ninhos, tornam-se extremamente vulneráveis ao homem, que só tem o trabalho de virá-las e amarrá-las. Tanto a carne das tartarugas como os ovos sao considerados iguarias, largamente consumidos em toda a Amazônia.

Berçários - Além de dissuadir os coletores, os fiscais voluntários marcam os locais dos ninhos, contam os ovos e calculam a época de eclosao. Um dia antes de os filhotes saírem do ninho eles cavam a areia e os recolhem em "berçários" feitos de tela, que ficam amarrados perto de suas casas, dentro d'água, durante de 45 a 60 dias. "Quando eles tem condiçoes da nadar melhor, soltamos um pouco em cada ponto do lago", explica Joaquim Cunha, da comunidade Mandioca. "A mulher reclama que estamos destruindo a couve dela para alimentar os bichos, mas se nao fosse assim o tabuleiro tinha acabado."

Em frente da casa de "seu" Joaquim, o tabuleiro onde costumavam desovar 20 fêmeas de tartaruga, no ano passado houve 60 posturas. As tartarugas chegam a pesar 60kg e poem em média 100 ovos por ano. As tracajás sao menores - 10 a 14kg - e poem menos ovos (25 a 30). E na regiao ainda existe a iaça, de 2 a 3kg, que poe em média 8 ovos. O controle dos ninhos e proteçao dos filhotes é só para as tartarugas e tracajás, mas as iaças também se beneficiam da presença do fiscal.

No início deste ano, foram soltos cerca de 200 mil filhotes de bichos de casco na Reserva do Médio Juruá, onde vivem 226 famílias com renda média mensal de 60 reais, as verdadeiras responsáveis por este programa de proteçao às tartarugas feito "na marra".

Olhos da floresta - A partir deste ano, aumenta para 30 o número de fiscais colaboradores na reserva, conhecidos no Ibama como "olhos da floresta". A intençao é intensificar a vigilância também nos lagos, onde as tartarugas filhotes ficam abrigadas durante seus primeiros anos de vida, junto com peixes e botos. Barcos comerciais de pesca fazem arrastoes devastadores nestes lagos, chegando a levar 60 toneladas de peixes e tartarugas por viagem. Como nao respeitam os tamanhos mínimos de captura para cada espécie, eles deixam as comunidades ribeirinhas sem alimento e os lagos sem possibilidades de recuperaçao. Os barcos também levam o pirarucu, um dos maiores e mais saborosos peixes da Amazônia, cuja pesca está proibida.

Exploraçao - "Vamos formar mais agentes ambientais voluntários e fazer o manejo dos lagos, definidos em três tipos: de procriaçao, onde qualquer atividade de pesca ou coleta é proibida; de manutençao, para uso apenas dos moradores, e de uso onde a pesca comercial será autorizada", explica Hamilton Casara, superintendente do Ibama no Amazonas. A exploraçao dos lagos de uso será feita por associaçoes de moradores, que passarao a vender o peixe para os barcos comerciais, numa tentativa de assegurar algum retorno aos ribeirinhos, que estao ajudando a proteger os recursos pesqueiros voluntariamente.

Atualmente os pesqueiros comerciais pagam um guia local para lhes ensinar as "trilhas" dos peixes, caminhos de passagem de grandes quantidades de peixes. Depois armam as redes e levam tudo o que podem, jogando fora - quase sempre já mortos - os filhotes pequenos demais ou peixes de espécies nao comerciais. "O ribeirinho mesmo é quem leva o pesqueiro para dentro do lago, porque o pesqueiro de fora nao conhece as entradas", reclama Joaquim Cunha. "Se a comunidade nao tem consciência acaba assim, com essa falta de alimento: antigamente era só levar dois anzóis e pendurar uma fruta e já tinha o almoço pra família, nesta quinta-feira saíram quatro pessoas pra pescar, bateram o lago a manha inteira e nao trouxeram nada".




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;