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Dívida de precatórios é impagável, diz ministro
Eduardo Merli
Do Diário do Grande ABC
15/11/2003 | 20:43
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  O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Francisco Fausto tem o jeitão quieto, herança de 42 anos de regrada carreira de juiz do trabalho. Na sua trilha na magistratura, conquistou fama de conciliador, mas no TST ganhou a vocação para cutucar as políticas do governo federal e velhas feridas para melhorar a Justiça brasileira. Na última semana, quando conheceu o trabalho da Comissão de Conciliação Prévia (CCP) do Sindicato dos Metalúrgicos, em Diadema e São Bernardo, Fausto deixou claro em entrevista ao Diário o seu discurso afiado. Defendeu o fim dos precatórios (dívidas de sentenças judiciais), com os quais governadores e prefeitos de todo o país acumulam débitos de R$ 15 bilhões só da Justiça do Trabalho, e disse que o calote dos precatórios conta, ironicamente, com o apoio da própria Justiça trabalhista e outras que, segundo ele, “trabalham 60% para resolver questões do poder público contra o particular.”

Francisco Fausto fez um balanço dos 60 anos de vigor da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil, defendendo a importância dos seus princípios, mas exigindo um aperfeiçoamento. O ministro acha também que a lei trabalhista não é responsável pela informalidade, que atinge hoje 48 milhões dos 78 milhões de brasileiros na ativa.

DIÁRIO – Completando 60 anos, a CLT é freqüentemente apontada como fruto do paternalismo de Getúlio Vargas e alvo de críticas de segmentos que lhe dão o estigma de dar mais direitos do que deveres ao empregado. A CLT é um estorvo ou ainda é uma conquista, na sua análise?
FRANCISCO FAUSTO – A CLT é um dos bons documentos legislativos do país e, seis décadas depois, não há nada melhor para substituí-la. A lei do trabalho precisa ser aperfeiçoada. A CLT foi ditada de cima para baixo com Getúlio Vargas, com visão social louvável sobre todos os aspectos, mas é muito detalhista. Deveria-se retirar os detalhes com que ela trata das condições de trabalho, que não permitem negociação entre as partes. Também não podemos conviver com as centenas de sindicatos criados no Brasil exclusivamente para a indicação de juízes classistas. Centenas de sindicatos criados apenas para receber o dinheiro do imposto sindical.

DIÁRIO – Uma mudança na reforma trabalhista pode erradicar a informalidade no Brasil como defendem alguns críticos da CLT ?
FAUSTO – Eu acredito que a lei trabalhista não é responsável pela informalidade, esse posicionamento eu tenho contrariamente a outros que entendem que sim. Com a velocidade da civilização nós passamos a compreender que é preciso dar proteção às empresas para que elas possam produzir emprego. Essa é uma tendência moderna do direito do trabalho ao lado de outras que acho fundamental e que não está presente na CLT. Você tem de abrir espaço para negociação entre as partes.

DIÁRIO – Qual a avaliação que o ministro faz desse projeto de reforma trabalhista pretendido pelo governo Lula?
FAUSTO – Não haverá perigo para supressão de direitos do trabalhador. Esses direitos principais serão garantidos em lei e não significa que as partes não possam negociar, respeitando os direitos. Não há perigo na reforma trabalhista que se avizinha, até porque esse tema está sendo discutido em três fóruns (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, o Fórum Nacional do Trabalho e a Comissão Especial para a Reforma Trabalhista, presidida na Câmara pelo deputado federal Vicente Paulo da Silva), com a participação dos agentes sociais e do governo. Não acredito que desses fóruns especiazalizados possa sair alguma coisa ruim.

DIÁRIO – O ministro é muito crítico na questão dos precatórios. Há alguma ação do TST para conter a falta do pagamento das sentenças judiciais trabalhistas pelos governos aos seus trabalhadores?
FAUSTO – É muito difícil combater os precatórios. Ele é um instituto criado pelo brasileiro – não existe paradigma no mundo todo – e que tem o apoio dos governos estaduais e municipais. Ele só interessa a governadores e prefeitos. Em qualquer país civilizado, a execução contra o poder público é feita de maneira direta. Feita a sentença, você vai lá e, se não pagar, penhora-se. Nós não podemos penhorar uma praça pública ou uma rua, mas podemos penhorar a renda do Estado ou do município. O precatório se tornou impagável no Brasil. Ao todo são quase R$ 15 bilhões que temos somente na Justiça do Trabalho de precatórios que não são quitados, um vexame. São Paulo é campeã de precatórios não pagos.

DIÁRIO – A OAB recentemente disse que as prefeituras e governos escondem de seus orçamentos os valores de precatórios. O que o TST pode dizer sobre isso?
FAUSTO – O tribunal comunica os prefeitos que ele tem de pagar tanto pelo precatório. Tem de excluir no orçamento no mês de julho para pagar no orçamento seguinte. Eles simplesmente não incluem. Se você seqüestra o dinheiro, vai ferir o princípio da orçamentação, segundo os técnicos. Como essa idéia prosperou, eles simplesmente não colocam no orçamento. Então não há dinheiro nas prefeituras para pagar precatório. Tudo se constitui numa ironia cruel, e que o Judiciário trabalhista e outros também colaboram: todos trabalham 60% para resolver questões do poder público contra o particular.

DIÁRIO – O senhor já se manifestou contrário à Comissão de Conciliação Prévia anteriormente. Qual é a sua opinião hoje?
FAUSTO – Eu não sou contra as comissões, órgão que nasceu de ministros do Tribunal Superior do Trabalho para desafogar a Justiça do Trabalho quando ela chegou a um pique de dois milhões de processos na primeira instância. Eu sou contra as comissões que funcionam de maneira irregular, e essas irregularidades são flagrantes e terríveis. As comissões irregulares realizam conciliações que significam distorções desse direito. Uma comissão em que o conciliador ganha por conciliação é terrível, porque na vontade de arrecadar sua comissão o conciliador pode distorcer o direito. O ministro Jaques Wagner me disse que a intenção do Ministério do Trabalho é regulamentar as comissões, o que é muito bom.

DIÁRIO – Como o ministro está vendo o envolvimento de vários juízes federais acusados de crimes como vendas de sentenças judiciais?
FAUSTO – Acho que é constrangedor para o Judiciário que isso esteja acontecendo. Mas é preciso ver que o Judiciário tem punido juízes faltosos. Houve uma intervenção no Tribunal Regional (do Trabalho) da Paraíba. Estamos com intervenção do Tribunal Regional do Trabalho de Rondônia. Há inúmeros juízes que são punidos nos tribunais regionais, recorrem para o Tribunal Superior do Trabalho e nós temos confirmado as sentenças condenatórias. O grande problema é que a Lei Orgânica da magistratura diz que esse processo corre em segredo de justiça, tanto que não podemos dar transparência. A Lei Orgânica da magistratura dizia que a punição máxima era a demissão. Hoje a Constituição de 1988 permite que a punição administrativa possa ir somente até a aposentadoria compulsória. Nós só podemos ir até aí, mas é uma imposição constitucional.

Diário – Qual a opinião do sr. sobre a reforma do Judiciário e a intervenção de organismos internacionais para avaliar o Judiciário nacional?
FAUSTO – Sou totalmente favorável a uma reforma do Judiciário, mas o que vai resolver o seu grande problema, a morosidade, são novas leis processuais. Com relação aos organismos internacionais, na forma de expressão, sou absolutamente contra. Se vier para cá como observador, até recebo no TST, em Brasília, ofereço a eles almoço, lanche, faço um suco de laranja. Tudo isso eu faço. Mas se vier com a intenção de inspecionar o Judiciário, é uma agressão à nossa soberania.




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